As flores Sempre Estiveram Aqui

As flores sempre estiveram aqui.

Ou, pelo menos, é o que parece. Elas brotam de um dia para o outro, como se estivessem apenas esperando o momento certo para aparecer. Em Takayama, todo mundo tenta ignorá-las, mas ninguém consegue de verdade.

Elas são higanbanas vermelhas. E flores assim não deveriam crescer em todos os lugares.

 

O ar da manhã estava frio e úmido quando abri a porta do meu quarto. A madeira estalou sob meus pés, e o cheiro leve de chá verde se espalhava do corredor. A chaleira fervia na cozinha, o vapor subindo em silêncio.

— Seong? — a voz da minha mãe ecoou baixa.

— Estou indo para a escola.

Nenhuma resposta. Talvez ela estivesse ocupada, ou talvez simplesmente não soubesse o que dizer.

No genkan, curvei-me diante do pequeno altar onde meu pai sempre deixava flores para os antepassados. Hoje, as flores eram higanbanas vermelhas. Vermelhas demais. Eu não me lembrava delas ontem.

Abaixei-me. Toquei uma pétala. O orvalho era morno. Cheiro metálico.

Engoli em seco e saí.

As ruas de Takayama estavam cobertas por uma neblina densa, descendo das montanhas como um manto branco. As casas de madeira antiga, com telhados de cerâmica escura, pareciam deformadas atrás da névoa. As senhoras varriam as calçadas com vassouras de bambu, e o som do atrito seco com as pedras ecoava alto demais na manhã silenciosa.

— Mais flores? — ouvi uma delas cochichar, inclinando-se para a amiga.

— É azar… dizem que elas aparecem onde alguém morre.

Fingi que não ouvi, mas meu peito apertou.

Passei pela rua antiga comercial. As cortinas noren balançavam no vento, e os donos das lojinhas falavam baixo, como se tivessem medo de serem ouvidos.

— Elas cresceram na ponte também.

— De novo?… Isso não é normal.

Todos sabiam que não era normal. Higanbanas não crescem assim, em pleno concreto, entre as rachaduras das pedras. Mas ninguém comentava muito. Em Hanamori, falar demais sobre as flores era pedir para que algo ruim acontecesse com você também.

E havia flores. Sempre flores.

Num canto de viela, novas higanbanas brotavam, vermelhas como carne aberta. Abaixei-me para observá-las. O orvalho escorria das pétalas, mas uma gota caiu no chão, espessa e escura. Sangue.

Foi então que ouvi.

— Você não vai escapar…

O sussurro foi tão próximo que senti o ar gelado bater na minha orelha. Levantei-me de repente, o coração disparando, e olhei para os lados. Ninguém. Só a neblina.

Apressei o passo. A cada esquina, ouvia passos atrás de mim, mas sempre que virava, a rua estava vazia.

 

Quando cheguei na ponte de pedra, o rio corria silencioso, refletindo o céu cinzento. Flores brotavam alinhadas na beirada, como se alguém as tivesse plantado.

Apoiei as mãos na pedra fria e fiquei olhando.

Então senti.

Algo gelado segurou meu tornozelo.

Olhei para baixo, o coração disparado. Não havia nada — só minha calça molhada pela neblina.

Me afastei rápido, sentindo meu estômago se revirar.

 

O Colégio Hanamori parecia ainda mais velho naquele dia. O prédio de madeira escura rangia a cada passo, e o cheiro de tatames velhos misturava-se ao de giz.

Sentei no meu lugar perto da janela, observando o pátio.

Flores. Higanbanas tinham crescido perto do muro desde ontem.

— Já viu? — ouvi dois alunos cochichando. — Cresceram do nada… e logo ali, onde o cachorro morreu semana passada.

Eu me virei para a lousa, mas minhas mãos tremiam.

A aula passou lenta, abafada. Cada risada parecia distante, como se eu estivesse ouvindo debaixo d’água. Quando o sinal tocou, fui direto para o clube de arte.

 

O quarto do clube ficava num corredor afastado. Era pequeno, com paredes amareladas pelo tempo e teto manchado de umidade. O cheiro de tinta, papel e mofo era forte, mas me acalmava.

— Seong! — Hina kuroki sorriu ao me ver.

Seu cabelo preto estava preso em um rabo de cavalo, e ela se movia animada entre as telas espalhadas pelo tatame.

— Chegou cedo hoje!

Dei de ombros.

— Não consegui ficar na sala.

— Entendo… — ela sorriu, pegando um pincel. — O mundo fica mais bonito quando você pinta, né?

Sentei-me diante de uma tela em branco. Peguei o pincel. Eu queria pintar outra coisa, mas… minha mão se moveu sozinha.

Quando percebi, estava pintando flores. Higanbanas. Pétalas curvas, vermelhas, escorrendo tinta grossa, como se sangrassem.

— Nossa… — Hina se aproximou. — Está lindo, mas… meio assustador.

Larguei o pincel. Eu nunca queria pintar isso. Elas apenas… apareciam.

Foi quando ouvi a porta deslizar.

Um garoto entrou. Cabelos rosa queimado, olhar calmo demais.

— Desculpem… — sua voz era grave e serena. —Posso ficar aqui um pouco?

Hina assentiu sorrindo. Eu fiquei em silêncio.

Nossos olhares se encontraram.

E então senti.

O cheiro metálico do sangue encheu o quarto.

Ele sentou-se num canto, quieto, olhando para a janela. O silêncio era tão denso que só o som da chuva batendo no vidro se ouvia.

Olhei para a minha pintura. As flores na tela… tremiam.

E, no fundo da minha mente, uma voz sussurrou:

— Ele vai te levar também.

 

A chuva engrossou quando voltei para casa. As ruas estavam vazias, e o som das minhas passadas parecia mais alto na neblina.

Passei pela ponte outra vez. As flores que estavam pequenas de manhã agora pareciam mais altas. Duas senhoras observavam de longe, cochichando algo que não consegui entender.

O ar ficou gelado de repente.

— Você também vai morrer logo…

A voz veio de todos os lados. Virei-me rápido. Nada.

Continuei andando, mais rápido. Às vezes, achava ver vultos entre as árvores, sempre me observando.

Quando cheguei em casa, estava encharcado. Descalcei os sapatos no genkan e subi direto para o quarto.

Sentei-me na cama, tentando respirar fundo.

Foi quando senti.

Algo gelado segurou meu pulso.

Olhei para o lado. Nada.

Mas eu sabia que havia algo ali.

E então as vozes voltaram, sussurrando em coro, como se estivessem coladas aos meus ouvidos:

— A culpa vai te consumir.

— Ele não vai sobreviver… e a culpa vai ser sua.

Tapei os ouvidos, mas os sussurros estavam dentro da minha cabeça.

Fechei os olhos com força. Quando os abri, achei ter visto… rostos sorrindo no canto do quarto. Rostos mortos.

E então percebi.

As flores estavam mais perto da minha janela.

 

>FIM DO CAPÍTULO 1

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