O perfil de Marina Duarte parecia inofensivo à primeira vista. Privado, com poucas fotos visíveis mesmo com o navegador aberto. Nenhuma postagem pública, nenhum comentário aberto. Apenas a imagem de perfil e a bio minimalista:
“Mãe. Professora. Apaixonada por flores, café e recomeços.”
Laura repetia a palavra mãe como se fosse um eco distante batendo contra as paredes da mente.
Então era verdade. Aquela criança não era apenas uma coincidência. Era uma filha. E Henrique — o homem que todas as noites deitava ao lado dela, que dizia que não queria outro filho porque “não era o momento certo” — já tinha uma família.
Com uma mão segurando a xícara e a outra no mouse, ela clicava de página em página. Marina não era famosa, nem muito ativa na internet. Mas ao procurar com o nome completo, encontrou algo no site da escola infantil mais tradicional da zona sul: Professora Marina Duarte – responsável pela turma do Pré II.
A escola era privada, caríssima, e ficava a quase uma hora da casa onde Laura vivia com Henrique.
Uma pergunta lhe corroía a garganta:
Ele ia até lá com que frequência? Quantas vezes usou os plantões médicos como desculpa?
Ela pegou uma folha e começou a anotar datas, congressos, fins de semana prolongados em que ele “viajou a trabalho”. A cada anotação, um padrão começava a se formar. E, de repente, sete anos pareciam sete vidas.
À noite, quando Henrique chegou em casa, trouxe flores.
— Tive um tempo livre no fim do dia e passei na floricultura da esquina. Sei que você gosta de orquídeas brancas.
Laura sorriu, recebendo o buquê com naturalidade.
— Que surpresa boa… — ela disse, com a voz doce e controlada.
Queria perguntar se ele também dava flores para Marina. Se a filha deles gostava de orquídeas. Mas se conteve. Ainda não era hora.
— Tive um dia cansativo hoje — ele disse, jogando o paletó no encosto da cadeira e afrouxando a gravata.
— Muito movimento no hospital?
Henrique assentiu vagamente, pegando o celular para responder alguma mensagem.
— Sempre. Mas pelo menos amanhã estou de folga. Podemos fazer algo, se quiser.
“Folga.”
Laura quase riu. Apostava que Marina também acreditava que ele estaria com ela no dia seguinte.
Mais tarde, deitada ao lado dele na cama, Laura virou de costas e fingiu dormir.
Mas dentro da sua mente, o plano ganhava corpo.
No dia seguinte, ela aproveitaria a suposta folga de Henrique para segui-lo discretamente. Precisava saber a verdade com os próprios olhos. Queria vê-los juntos. Não mais por dúvida — mas por certeza. Queria saber como ele se portava. Como a tratava. Se era o mesmo homem com ela. Ou pior: se era melhor.
Na manhã seguinte, Laura acordou cedo e fez tudo como de costume. Café servido, camisa passada, beijos de despedida. Fingiu acreditar que ele ia ao banco resolver um problema com o imposto de renda.
— Volto na hora do almoço — disse ele, sorrindo.
— Tudo bem, amor.
Assim que a porta se fechou, ela trocou de roupa, prendeu os cabelos num coque simples e desceu para a garagem. Entrou no carro, ligou o motor e manteve distância suficiente para que ele não percebesse que era seguido. Por sorte, o trânsito lento facilitava a missão.
Henrique seguiu em direção à zona sul.
Trinta minutos depois, estacionou em frente a uma casa de fachada simples, com jardineiras floridas e brinquedos espalhados no gramado da frente.
Laura estacionou duas ruas acima e observou de longe.
Quando ele saiu do carro, uma criança correu ao encontro dele. Henrique se agachou e a pegou no colo com intimidade e afeto. Um afeto que ela nunca viu em casa.
Logo em seguida, Marina apareceu na porta, sorrindo. O abraço entre os dois foi breve, mas íntimo. Não havia dúvida. Aquela não era uma amante. Era uma companheira. Uma parceira.
E Laura…
Laura era o quê?
Ela não chorou. Não ali. Não no carro. Não naquele momento.
Mas sentiu o mundo escorrer pelas bordas do peito.
A dor era fria. A traição era completa.
Ao voltar para casa, respirou fundo. Sentou-se no sofá e olhou ao redor. A casa perfeita. Os móveis escolhidos a dedo. O casamento de revista. Tudo mentira.
Mas ela ainda tinha o controle.
E agora, mais do que nunca, ela queria entender como aquilo começou.
Quem era Marina na vida de Henrique antes dela.
E por que ele achou que podia ter as duas.
Naquela noite, Laura criou um novo perfil no Instagram, com nome falso e foto neutra. Enviou uma solicitação de amizade para Marina. A conta era privada.
Mensagem enviada:
"Boa noite! Vi que você é professora da minha afilhada. Ela fala muito bem de você!"
Mentira. Mas convincente o bastante para iniciar um contato.
O celular vibrava sobre a mesa da sala quando Laura retornou da cozinha. Ela olhou para a tela e sentiu o estômago se contrair.
Nova mensagem.
Remetente: Marina Duarte.
Ela clicou com cautela.
Marina: Boa noite! Que legal! Qual o nome da sua afilhada?
Laura sorriu de lado. A mentira era frágil, mas ainda sustentável.
Laura (perfil falso): Helena! Da turma do Pré II. A mãe dela me pediu pra entrar em contato com você… queria organizar uma homenagem para o Dia dos Professores com as mães. 😅
Ela esperou, com o coração disparado, como se aquilo fosse uma conversa com uma bomba prestes a explodir.
Do outro lado, Marina digitava. E demorava.
Até que veio a resposta:
Marina: Que fofa! Adorei a ideia. Pode me chamar por aqui, sem problemas.
Pronto. Estava dentro.
Laura largou o celular lentamente sobre a mesa. O jogo havia começado de verdade. Marina, sem saber, acabava de abrir as portas para a mulher do outro lado da aliança.
Naquela noite, ela deitou-se ao lado de Henrique e fingiu dormir antes dele. Ouvia a respiração tranquila dele se estabilizando, e sentia o colchão afundar levemente com o peso do corpo que, durante anos, foi seu abrigo — e agora era só uma armadura de mentiras.
“Você é bom nisso”, pensou. “Conseguiu manter duas vidas por tanto tempo. Mas será que aguenta quando uma delas começa a se infiltrar na outra?”
Ela virou-se devagar e o observou na penumbra do quarto. O rosto sereno, a boca entreaberta, a aliança que brilhava discretamente no dedo.
A outra aliança estava guardada em sua bolsa agora, envolta em um lenço.
Pesava mais do que ouro.
Pesava como uma verdade não dita.
Nos dias seguintes, o contato com Marina evoluiu devagar. Laura manteve o personagem com firmeza. Às vezes era a madrinha simpática, outras, a organizadora da suposta homenagem, sempre sorridente, prestativa, calorosa. Marina parecia doce, acessível, grata.
Mas o que mais chamava atenção era o tom com que falava de “Henrique”.
— Eu sou muito grata a ele — dizia em um áudio, quando Laura sugeriu envolver os “pais” na homenagem.
— O pai da minha filha é muito presente, sabe? Sei que é raro, ainda mais sendo médico, mas ele sempre arruma tempo. Nunca deixa a Lara esperando.
Lara.
Era esse o nome da criança.
Laura gravou cada palavra no peito como uma faca quente entrando na carne.
A cada conversa, Laura sentia emoções contraditórias se chocando dentro de si.
Raiva. Dor. Curiosidade. Certa admiração, ainda que amarga.
Marina parecia amá-lo com sinceridade. E mais: não parecia saber da existência de outra mulher.
Afinal, se soubesse, por que manteria contato com o mesmo sobrenome? Por que se referiria a ele tão abertamente?
Laura precisava confirmar. Precisava ver Marina de perto. Ler seus olhos. O corpo fala aquilo que a boca não revela. E ela confiava em sua intuição.
Foi então que mandou a próxima mensagem:
Laura: Estou organizando um café para as mães no sábado que vem! Você poderia vir? Seria numa cafeteria aqui perto da escola. Só pra gente conversar mesmo, nada muito formal. 🍰☕
A resposta não demorou:
Marina: Ai, que delícia! Eu vou sim. Que horas?
Laura: 15h! Na Le Petit Café. Vou adorar te conhecer pessoalmente. 💛
Ela desligou o celular e apoiou as costas no encosto do sofá. O coração batia descompassado.
O encontro estava marcado.
E naquele sábado, Marina conheceria a outra mulher da história.
A mulher que dormia com o mesmo homem.
A mulher que usava a aliança original.
A mulher que, por tantos anos, acreditou ser a única.
E Laura?
Laura não sabia exatamente o que procurava naquele encontro.
Talvez olhasse para Marina e enxergasse apenas dor.
Ou talvez… algo mais assustador: o reflexo de si mesma, antes da verdade.
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Atualizado até capítulo 50
Comments
Vanildo Campos
que canalha da,era isso com as duas 😢😢😢😢
2025-07-16
0
rafamendes
tem que ter sangue frio
2025-07-17
0
Sandra Camilo
que triste 😔
2025-07-20
0