A porta abriu-se sem cerimônia. Luca entrou, vestido impecavelmente em um terno de seda cinza, o cheiro de café e tabaco caro envolvendo-o como uma segunda pele.
— *Dormiu bem, princesa?* — zombou, jogando uma maçã para Daniel, que a pegou no ar com um reflexo afiado.
Daniel mordeu a fruta com desdém, o suco escorrendo pelo queixo. — *Que tal você ir pro inferno?*
Luca riu, baixo, e sentou-se na poltrona de couro que Daniel não conseguira destruir. Cruzou as pernas, estudando o jovem como um xadrezista analisa o tabuleiro.
— *Eu tenho uma proposta pra você.*
Daniel arqueou uma sobrancelha. — *Me solta e eu não conto pra polícia onde você esconde os corpos?*
— *Engraçadinho.* — Luca inclinou-se para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos. — *Quero que você trabalhe pra mim.*
Daniel parou de mastigar.
— *...O quê?*
— *Você ouviu.* — Luca gesticulou com a mão, um anel de ouro pesado reluzindo. — *É inteligente. Tem sangue frio. E claramente não tem nada a perder.*
Daniel jogou a maçã meio comida no chão. — *Você ficou maluco. Eu não vou virar um criminoso.*
— *Já é.* — Luca sorriu, mostrando os dentes. — *Seu pai te colocou nessa categoria quando você tinha o que, doze anos?*
O golpe foi baixo. Daniel sentiu as palavras como um soco no estômago. Ele se levantou num impulso, mas Luca foi mais rápido — em um movimento fluido, pegou o pulso do jovem e puxou-o para perto.
— *Eu vi seus olhos quando quebrou tudo ontem.* — A voz de Luca era áspera, íntima. — *Você adorou. Finalmente sentir que tinha controle sobre alguma coisa.*
Daniel tentou se soltar, mas a mão do mafioso era quente e firme. — *Não sabe porra nenhuma da minha vida.*
— *Sei que você passa aniversários sozinho.* — Luca puxou-o mais perto. — *Que seu pai nem lembra sua data de nascimento. Que você já foi preso por bater em um cara que falou mal dele, e o grande detetive Almeida nem foi te buscar na delegacia.*
Daniel parou de lutar. Como diabos ele sabia tudo isso?
Luca aproveitou a hesitação. — *Comigo, você importa. Comigo, você tem poder. Dinheiro. Respeito.* — Seus dedos subiram pelo braço de Daniel, queimando como brasa. — *E eu nunca vou te ignorar.*
O coração de Daniel batia tão forte que ele temia que Luca pudesse ouvir. Era uma armadilha. Tinha que ser. Mas então... por que soava tão bom?
— *Que tipo de trabalho?* — perguntou, desafiador.
Luca soltou-o, abrindo os braços. — *Logística. Você é bom com números, não é? Faculdade trancada em contabilidade...*
— *Merda, você me investigou.* — Daniel sentiu um calafrio.
— *Eu investigo tudo.* — Luca tirou um cigarro do bolso, acendendo-o com calma. — *Então? Aceita ser meu ou prefere voltar pro seu apartamento vazio, onde nem seu pai lembra que você existe?*
Daniel olhou para as mãos dele. As mesmas mãos que tinham batido, amarrado, dominado. As mesmas que agora estavam oferecendo mais do que qualquer um já tinha.
Ele respirou fundo.
— *Se eu falar não?*
Luca soprou a fumaça, os olhos semicerrados. — *Aí eu te devolvo pro seu pai. E aí, Daniel...* — Seu sorriso foi uma lâmina. — *Você vai passar o resto da vida sabendo que recusou a única pessoa que realmente te quis.*
O silêncio pesou entre eles. Daniel olhou pela janela gradeada, para os jardins impecáveis da mansão. Pensou no apartamento vazio. Nas mensagens não respondidas. No pai que preferia um filho morto do que um filho como ele.
Quando falou, sua voz não tremeu:
— *Me mostra os livros contábeis.*
Luca sorriu, lento, vitorioso. Estendeu a mão.
— *Bem-vindo à família, Daniel.*
E quando suas mãos se tocaram, algo entre eles mudou para sempre.
— *Bom, pessoal* — Luca anunciou, batendo palmas uma vez, fazendo o burburinho cessar. — *Esse é o Daniel Almeida. De agora em diante, ele vai cuidar dos nossos números.*
Um homem mais velho, com cicatrizes no rosto e um charuto entre os dedos, bufou. — *Filho do detetive Almeida? Você enlouqueceu, Luca?*
Luca girou no salto, encarando o homem com um sorriso que não chegava aos olhos. — *Algum problema, Vittore?*
O silêncio que se seguiu foi mais eloquente que qualquer resposta. Daniel sentiu a tensão no ar, seus instintos gritando para ele correr, mas seus pés permaneceram firmes.
— *Ele vai reportar diretamente a mim* — Luca continuou, passando um braço pelos ombros de Daniel num gesto que poderia ser interpretado como possessivo ou protetor. — *E se alguém aqui respirar perto dele sem a minha permissão, eu mesmo vou arrancar os pulmões dessa pessoa. Entendido?*
Alguns assentimentos murmurados, olhares trocados. Daniel sentiu o braço de Luca queimar através da camisa.
— *Agora, sumam. Tenho que explicar o trabalho pro novato.*
Quando o último homem saiu, Daniel se afastou de Luca, encostando-se na mesa de bilhar. — *Você gosta mesmo de fazer esses draminhas, não é?*
Luca riu, pegando uma garrafa de bourbon e servindo dois dedos em um copo de cristal. — *Regra número um, Daniel: aqui, respeito se conquista com medo ou com sangue. Eu prefiro os dois.*
Ele estendeu o copo para Daniel, que ignorou.
— *Regra número dois* — Luca continuou, sem se perturbar. — *Nada de desvios. Você mexe no dinheiro, mas não pergunta de onde vem. Entendeu?*
Daniel cruzou os braços. — *E se eu entender e não ligar?*
Luca bebeu um gole, os olhos brilhando. — *Aí você vai ser perfeito.*
Ele se aproximou, deixando o copo na mesa atrás de Daniel, encurralando-o contra a madeira.
— *Regra número três* — sussurrou, o hálito quente de álheiro tocando o rosto de Daniel. — *Você é meu. Isso significa que ninguém te toca, ninguém te manda, ninguém te olha por mais de três segundos. Só eu.*
Daniel sentiu um calafrio percorrer sua espinha, mas não recuou. — *Você esqueceu a regra mais importante.*
— *E qual seria?*
— *Que eu não sigo regras.*
Luca riu, baixo, e então, num movimento rápido, pegou a faca que estava na cintura e a cravou na mesa, milímetros dos dedos de Daniel.
— *Por isso que eu gosto de você* — murmurou, puxando a lâmina de volta e enfiando-a no coldre. — *Mas aqui, até os rebeldes obedecem. A diferença é que você...* — Ele tocou o queixo de Daniel com a ponta dos dedos — *...vai gostar.*
Daniel empurrou-o para longe. — *Mostra esses números logo Antes que eu mude de ideia.*
Luca sorriu, satisfeito, e indicou a porta. — *Depois de você, princesa.*
Enquanto Daniel passava, sentiu o olhar do mafioso queimando suas costas, e uma parte dele — uma parte que odiava admitir existir — gostou disso.
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