Capítulo 4 — O Preço da Insolência

Capítulo 4 – O Preço da Insolência

O sol já tava se escondendo atrás dos prédios tortos quando virei a esquina da rua, mochila pendurada num ombro e a barra da saia batendo na perna. Engraçado como tudo seguia igual, mesmo depois de tanta merda. A calçada quebrada, o cheiro de fritura no ar, os gritos de alguma briga vindo de uma janela qualquer — tudo do mesmo jeitinho. Inclusive eu.

Hella quase me arrastou de volta pra escola dois dias depois do escândalo na padaria. Disse que, se eu queria tanto provar que era melhor que todo mundo aqui, então que terminasse essa porra do ensino médio primeiro. Nem tive força pra discutir. Só fui.

E agora tava aqui, de novo, andando por essa rua fodida, olhando praquelas fachadas cinzentas que pareciam rir da minha cara. Tipo: “Tenta, vai. Tenta sair daqui. A gente duvida.”

Quando cheguei na porta de casa, a maçaneta gelada grudou na minha palma. Respirei fundo antes de girar. O cheiro de cigarro barato e comida requentada veio logo na cara assim que abri.

— Boa tarde — murmurei, só pra não dizer que fui mal-educada.

Algumas das mulheres que moravam lá levantaram o olhar. Meio surpresas de me ver de uniforme limpo. Ivanna deu um aceno de cabeça, outra fingiu que nem viu. Tudo na média.

Atravessei o corredor desviando de uma sacola rasgada no chão, subi as escadas devagar como se cada degrau pesasse uma tonelada. Empurrei a porta do meu quarto com o ombro e fechei.

O silêncio me engoliu tão rápido que deu vontade de chorar. Mas não deixei. Nunca deixava.

Tirei o uniforme no automático, joguei tudo na cadeira. Fiquei só com uma camiseta larga e um short velho. O frio entrando pelas frestas da janela me fez arrepiar.

Sentei no chão, encostada na parede, e puxei o caderno surrado da mochila. As pontas das folhas estavam quase desmanchando de tão gastas. Abri numa página qualquer, encarei os versos tortos que rabisquei na semana passada. Aquilo ali era a única parte minha que ninguém nunca encostou.

Peguei a caneta, respirei fundo, e comecei a escrever.

Durante alguns minutos, não existia Hella gritando, nem cliente metido a machão, nem mundo esperando eu falhar. Só eu, o papel e um pouco de paz. Frágil, mas minha.

Mas algo acabou com aquele momento.

O barulho veio antes. Um tum seco que fez meu peito vibrar. Travei. A caneta parou no meio da frase. Achei que era só mais uma treta qualquer no térreo. Mas aí vieram os gritos. Baixos, rápidos, esquisitos. Não era briga normal.

Joguei o caderno no chão, o coração disparando. Me levantei devagar, tentando puxar coragem de algum canto. Fui até a porta, abri só uma fresta. Nada.

Respirei fundo. Parte de mim gritava pra ficar ali, trancada, fingindo que não existia. Mas algo me puxou pra frente. Curiosidade, medo, sei lá. Eu só não conseguia ficar parada.

Desci as escadas em silêncio, encostando no corrimão. Quando cheguei no fim… foi como cair dentro de um pesadelo.

A sala tava virada do avesso.

A Katya e a Elina ajoelhadas no chão, os braços presos pra trás por dois brutamontes de preto. Coturnos cheios de lama pisando no tapete. Um deles revirava a estante como se fosse loja de penhora. O outro segurava Katya pelo ombro — ela chorava calada, só os ombros tremendo.

Meu estômago virou uma pedra.

E ali, encostada na parede da porta, tava a Hella. Cabelo preso nas pressas, o rosto mais branco do que nunca. Mas o queixo erguido. Orgulho teimoso, mesmo com o medo estampado no olho.

Ela varreu a sala com o olhar e travou quando me viu.

— Corre, menina! — ela gritou, a voz um misto de pânico e raiva. — Some daqui! É por tua causa!

Por minha causa.

Os dois caras viraram na mesma hora, como se tivessem ouvido uma senha. Um deles me encarou — os olhos frios, vazios, olhos de quem já viu gente morrer. E começou a andar na minha direção.

Meu corpo foi pra trás sem pensar. Um passo. Outro. Até bater na parede. Fim da linha.

— Não encosta em mim — soltei, tentando firmar a voz. — Eu juro que…

Ele nem esperou. Agarrou meu braço de um jeito que estalou no ombro. Soltei um grito misturado de dor e ódio. Comecei a me debater.

— Solta! — gritei. — Solta, caralho!

O outro chegou perto, ignorando Katya no chão. Sussurrou algo pro primeiro, mas eu ouvi.

— É ela. A garota.

Meu sangue congelou. Era eu. Eles vieram por mim.

A raiva explodiu antes do pânico. Cuspi na cara do desgraçado que me segurava. Ele nem piscou. Só apertou mais forte, me dobrando.

Tentei chutar, bater, morder, acertar qualquer coisa. A mão dele pegou meu rosto, os dedos cravados no meu queixo.

— Para de se mexer — rosnou, o bafo quente e nojento.

— Vai se foder — sibilei, cuspindo de novo.

— EU NÃO TENHO MEDO DELES! — gritei, tentando olhar pra Hella. — HELLA! EU NÃO TENHO MEDO!

Vi quando ela deu um passo. A mão tremia, pronta pra fazer alguma coisa. Mas aí o outro mostrou o cabo da arma no cinto.

Ela congelou. Ficou branca. Branca de um jeito que eu nunca tinha visto.

Meu corpo inteiro tremia. Eu puxava o ar como se estivesse me afogando. O cara me ergueu do chão com facilidade. Como se eu não fosse nada.

A última coisa que vi antes da porta bater foi o rosto da Hella. O mesmo queixo erguido. Mas o olhar dela… aquele olhar… tava cheio de culpa.

O vento gelado da rua bateu em mim, cortante. E foi ali que caiu a ficha.

Eles iam me levar.

E ninguém podia fazer nada.

Capítulos
1 Capítulo 1 — A Vida Que Me Coube
2 Capítulo 2 — A Raiva que Me Mantém Viva
3 Capítulo 3 — A Audácia Que Eu Carrego
4 Capítulo 4 — O Preço da Insolência
5 Capítulo 5 — A Sombra Que Veio Me Buscar
6 Capítulo 6 — O Dia em Que Eu Aprendi o Medo
7 Capítulo 7 — A Jaula de Ouro
8 Capítulo 8 — Interrogatório e Orgulho
9 Capítulo 9 — A Verdade Que Eu Nunca Pedi
10 Capítulo 10 — A Raiva
11 Capítulo 11 — O Tapa do Destino
12 Capítulo 12 — A Semente da Dúvida
13 Capítulo 13 — Sem Sossego nem pra jantar
14 Capítulo 14 — A ameaça
15 Capítulo 15 — Pancada, promessa e preço
16 Capítulo 16 — O Caminho Sem Volta
17 Capítulo 17 — O Preço de um Nome
18 Capítulo 18 — Despedidas Nunca São Simples
19 Capítulo 19 — Quebrando a Porta da Realidade
20 Capitulo 20 — Território Artemieve
21 Capítulo 21 — A Casa do Lobo
22 Capítulo 22 — Primeira Impressão
23 Capítulo 23 — Provas e Pancadas
24 Capítulo 24 — O Galpão dos Murros
25 Capítulo 25 — O Guarda-Costas
26 Capítulo 26 — Missão Suja
27 Capítulo 27 — Encurralados
28 Capítulo 28 — Filha de Cornelius
29 Capítulo 29 — O Peso do Fracasso
30 Capítulo 30 — Fortes de outro jeito
31 Capítulo 31 — Primeira Aula do Inferno
32 Capítulo 32 — A Escola dos Ricos e Outras Tragédias
33 Capítulo 33 — O Começo do Caos
34 Capítulo 34 — Amizades, Inimigas e Um Almoço de Luxo
35 Capítulo 35 — Tudo Menos Normal
36 Capítulo 36 — Sangue Quente em Saint Bastien
37 Capítulo 37 — A Revolta do Chute e o Nascimento de um Trio
38 Capítulo 38 — Uniforme de Grife Não Compra Sangue
39 Capítulo 39 — Jogada de Mestre
40 Capítulo 40 — Terno Molhado e Propostas Perigosas
41 Capítulo 41 — Um passeio fora do Script
42 Capítulo 42 — O Filho errado (ou não)
43 Capítulo 43 — Três estranhos no mesmo lugar
44 Capítulo 44 — Ninguém aqui é normal
45 Capítulo 45 — O que Você faria por um amigo?
46 Capítulo 46 — O filho do monstro
47 Capítulo 47 — Bem-vinda à Shieldfall
48 Capítulo 48 — Sobrevivente
49 Capítulo 49 — O Corte de Cornelius
50 Capítulo 50 — Farpas e Ciúmes
51 Capítulo 51 — Feridas e Verdades
52 Capítulo 52 — Primeira Lição
53 Capítulo 53 — O Barco do Caos
54 Capítulo 54 — Mesa de Cristal, Copos de Veneno
55 Capítulo 55 — O Psicopata Bonitão
56 Capítulo 56 — Família de Monstros
57 Capítulo 57 — Piscina à Meia-Noite
58 Capítulo 58 — Convite Irrecusável
59 Capítulo 59 — Família de Máscaras
60 Capítulo 60 — A Dinastia Oculta
61 Capítulo 61 — Sangue Jovem, Segredos Velhos
62 Capítulo 62 — Estagiária da Máfia
63 Capítulo 63 — Estágio ou Sentença
64 Capítulo 64 — Inimigas em Laboratório
65 Capítulo 65 — Fórmula para o Caos
66 Capítulo 66 — Frio de Mãe
67 Capítulo 67 — O Interesse de Ninguém
68 Capítulo 68 — Hoysted, Lado B
Capítulos

Atualizado até capítulo 68

1
Capítulo 1 — A Vida Que Me Coube
2
Capítulo 2 — A Raiva que Me Mantém Viva
3
Capítulo 3 — A Audácia Que Eu Carrego
4
Capítulo 4 — O Preço da Insolência
5
Capítulo 5 — A Sombra Que Veio Me Buscar
6
Capítulo 6 — O Dia em Que Eu Aprendi o Medo
7
Capítulo 7 — A Jaula de Ouro
8
Capítulo 8 — Interrogatório e Orgulho
9
Capítulo 9 — A Verdade Que Eu Nunca Pedi
10
Capítulo 10 — A Raiva
11
Capítulo 11 — O Tapa do Destino
12
Capítulo 12 — A Semente da Dúvida
13
Capítulo 13 — Sem Sossego nem pra jantar
14
Capítulo 14 — A ameaça
15
Capítulo 15 — Pancada, promessa e preço
16
Capítulo 16 — O Caminho Sem Volta
17
Capítulo 17 — O Preço de um Nome
18
Capítulo 18 — Despedidas Nunca São Simples
19
Capítulo 19 — Quebrando a Porta da Realidade
20
Capitulo 20 — Território Artemieve
21
Capítulo 21 — A Casa do Lobo
22
Capítulo 22 — Primeira Impressão
23
Capítulo 23 — Provas e Pancadas
24
Capítulo 24 — O Galpão dos Murros
25
Capítulo 25 — O Guarda-Costas
26
Capítulo 26 — Missão Suja
27
Capítulo 27 — Encurralados
28
Capítulo 28 — Filha de Cornelius
29
Capítulo 29 — O Peso do Fracasso
30
Capítulo 30 — Fortes de outro jeito
31
Capítulo 31 — Primeira Aula do Inferno
32
Capítulo 32 — A Escola dos Ricos e Outras Tragédias
33
Capítulo 33 — O Começo do Caos
34
Capítulo 34 — Amizades, Inimigas e Um Almoço de Luxo
35
Capítulo 35 — Tudo Menos Normal
36
Capítulo 36 — Sangue Quente em Saint Bastien
37
Capítulo 37 — A Revolta do Chute e o Nascimento de um Trio
38
Capítulo 38 — Uniforme de Grife Não Compra Sangue
39
Capítulo 39 — Jogada de Mestre
40
Capítulo 40 — Terno Molhado e Propostas Perigosas
41
Capítulo 41 — Um passeio fora do Script
42
Capítulo 42 — O Filho errado (ou não)
43
Capítulo 43 — Três estranhos no mesmo lugar
44
Capítulo 44 — Ninguém aqui é normal
45
Capítulo 45 — O que Você faria por um amigo?
46
Capítulo 46 — O filho do monstro
47
Capítulo 47 — Bem-vinda à Shieldfall
48
Capítulo 48 — Sobrevivente
49
Capítulo 49 — O Corte de Cornelius
50
Capítulo 50 — Farpas e Ciúmes
51
Capítulo 51 — Feridas e Verdades
52
Capítulo 52 — Primeira Lição
53
Capítulo 53 — O Barco do Caos
54
Capítulo 54 — Mesa de Cristal, Copos de Veneno
55
Capítulo 55 — O Psicopata Bonitão
56
Capítulo 56 — Família de Monstros
57
Capítulo 57 — Piscina à Meia-Noite
58
Capítulo 58 — Convite Irrecusável
59
Capítulo 59 — Família de Máscaras
60
Capítulo 60 — A Dinastia Oculta
61
Capítulo 61 — Sangue Jovem, Segredos Velhos
62
Capítulo 62 — Estagiária da Máfia
63
Capítulo 63 — Estágio ou Sentença
64
Capítulo 64 — Inimigas em Laboratório
65
Capítulo 65 — Fórmula para o Caos
66
Capítulo 66 — Frio de Mãe
67
Capítulo 67 — O Interesse de Ninguém
68
Capítulo 68 — Hoysted, Lado B

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!