Capítulo 3 – A Audácia Que Eu Carrego
Eu nem pensei. Me joguei na frente da Amanda como se meu corpo fosse uma porra de parede, travando aquela mão imunda. O chão frio sumiu debaixo dos meus pés, e tudo que sobrou foi o barulho da minha respiração quando encarei aquele desgraçado.
O cara era alto, metido a elegante, cabelo penteado pra trás com gel — daquele tipo lambido que homem rico adora. O paletó provavelmente custava mais que um ano de aluguel da casa da Hella. Mas pra mim, ali, ele era só mais um merda.
O peito dele subia e descia, cheio de ódio disfarçado de superioridade. Amanda soluçava atrás de mim. Dava pra sentir o braço dela tremendo, encostado nas minhas costas.
— Sai da frente, garota — ele rosnou, a voz grossa, fedendo a ameaça. — Isso não tem nada a ver com você.
— Tem tudo a ver comigo — cuspi de volta. — Tu acha que o dinheiro te dá direito de meter a mão em quem quiser? Então mete em mim, seu bosta.
O silêncio caiu como um soco seco. As meninas tavam todas paradas, olhando. E eu sabia: se recuasse agora, ia ser só mais uma que abaixa a cabeça.
Ele avançou um passo. Vi o maxilar travar. A mão dele se ergueu, como se fosse me empurrar. Meu coração deu um baque tão forte que parecia que ia quebrar minhas costelas — mas eu não saí do lugar.
— Não se atreva — ele cuspiu, fervendo de raiva. — Você não faz ideia de quem eu sou.
— E eu não dou a mínima.
Quando a mão dele chegou perto do meu ombro, meu corpo se mexeu sozinho. O braço subiu. O punho fechou. A raiva gritando quente no meu sangue.
O soco saiu. Rápido. Seco. O som de osso acertando carne. A cabeça dele virou de lado, e por um segundo tudo congelou.
As meninas arregalaram os olhos. Amanda levou a mão à boca, em choque.
O cara cambaleou, levou os dedos à boca e viu o sangue. Os olhos dele pegaram fogo.
— Você vai se arrepender disso — rosnou, a voz baixa, cheia de veneno. — Eu sou de uma família importante. Isso não vai ficar assim.
Segurei o olhar dele até o fim. Meu peito subia e descia feito bateria de guerra. Eu sabia que tinha ferrado tudo, que tinha acabado de comprar uma briga grande demais. Mas foda-se. Não ia abaixar a cabeça.
Ele virou e saiu batendo a porta com tanta força que a casa tremeu. O barulho ficou ecoando no ar, pesado, cortando tudo.
Foi aí que senti minha mão latejar. Mas não respirei fundo. Não ainda. Porque, pela primeira vez em muito tempo, eu não tava com vergonha de mim.
A porta ainda tava vibrando quando senti a mão da Hella fechar no meu braço como uma garra. Ela me puxou com força, quase me fez cair. A cara dela tava vermelha, os olhos arregalados, o coque torto tremendo.
— Que porra você acha que tá fazendo?! — ela gritou, cuspindo cigarro e fúria.
— Fiz o que tinha que fazer! — arranquei meu braço com raiva. — Ou tu queria que ele continuasse batendo nela?
— Você não entende nada! — Ela deu um passo pra trás e me apontou o dedo. — Sabe quem ele é? Sabe quem pode aparecer aqui amanhã por causa da tua burrice?!
— Eu não tô nem aí pra quem ele é! — rosnei. — Não ia ficar parada vendo ele meter a mão em alguém. Eu não sou assim!
Ela ficou quieta por um segundo. Mas não era só raiva que vi nos olhos dela — era medo. Aquele medo que te faz engolir sapo todo dia e fingir que tá tudo bem.
— Você não se importa?! — ela explodiu, batendo a mão na mesa. Um copo caiu e rolou pelo chão. — É claro que você não se importa! Porque quem vai pagar por essa merda sou eu! Somos nós! As meninas!
— Eu já tava demitida mesmo! — gritei, antes de pensar. — Que diferença faz?!
O silêncio bateu seco. Até Amanda, encolhida num canto, ergueu o rosto.
Hella me encarou com o olhar vazio. Eu sabia que tinha passado do ponto. Mas naquele momento… eu não tava nem aí.
— O quê? — ela sussurrou, como se tivesse levado um soco. — Você foi demitida?
— Fui — falei, respirando fundo. — Porque eu cansei. De ser tratada como lixo. De fingir que tá tudo bem. De sorrir pra gente que quer me ver de joelhos.
Ela passou a mão no rosto, tentando limpar alguma frustração invisível. Quando falou de novo, foi pior do que qualquer grito:
— Você vai acabar na sarjeta, Viktoria. — A voz dela tremia. — Eu fiz de tudo pra você não virar uma cópia minha.
Eu senti algo quebrar na garganta. Mas antes que eu falasse qualquer merda, Amanda se aproximou devagar, com uma calma que me desmontou.
Ela tocou o ombro da Hella.
— Ela só queria me proteger — disse baixinho. — Só isso.
Hella travou. Os olhos marejaram, e por um segundo achei que ela ia desabar. Mas não. Ela virou o rosto, respirou fundo e empurrou tudo pra dentro de novo. Como sempre.
— Eu não aguento mais — sussurrou, quase sem voz.
Ela virou as costas e saiu da sala. A porta bateu. Mais leve que a do cliente. Mas muito mais pesada pra mim.
Fiquei ali, parada, com a mão da Amanda tocando a minha. Queria falar alguma coisa. Qualquer coisa. Mas tudo que saiu foi silêncio. E o gosto amargo de ter ferrado tudo.
A casa ficou muda. Um silêncio pesado, sufocante. Eu tava no meio da sala, o coração martelando alto. Queria sumir. Ou socar a parede até parar de doer.
Amanda se mexeu primeiro. Passou devagar, como se não quisesse me assustar, e segurou meu braço.
— Vem — falou baixinho. — Você precisa comer alguma coisa.
Eu fui. Sem discutir. Nem força pra bater de frente eu tinha mais. Fui atrás dela até a cozinha, o chão gelado grudando nos pés.
O relógio velho marcava quase duas da manhã. E eu tava com a cabeça rodando, o estômago virado, e vontade de deitar no chão e apagar dali mesmo.
Amanda pegou um pacote de miojo. Aquele que custa três reais e parece papel. Me sentei numa cadeira encostada na parede, abraçando os joelhos. O cheiro de tempero começou a invadir a cozinha.
Ela mexia a panela devagar, como se fosse a única coisa que conseguia controlar. Quando ficou pronto, dividiu em dois pratos e sentou do meu lado.
A gente comeu quieta. Eu não tava com fome. Mas também não queria sair dali.
Ela falou primeiro.
— Obrigada… por me defender. — A voz dela era baixa, mas firme. — Ninguém nunca fez isso por mim.
Senti minha garganta travar. Mordi o lábio, o garfo tremendo na minha mão. E aí, antes que eu segurasse, as palavras escaparam.
— Eu tô cansada, Amanda. Tão cansada. — A voz saiu falhada. — Eu odeio isso. Odeio que todo mundo ache que porque eu moro aqui, eu sou lixo. Odeio ter que fingir. Sorrir pra filha da puta que me chama de puta. Me humilhar por trocado que não paga nem o gás.
Ela não disse nada. Só me olhou com aquele olhar que parece ver tudo.
— E eu tenho medo — falei baixinho. — Medo de nunca sair daqui. De acabar igual todo mundo diz que eu vou acabar.
Ela largou o garfo. Colocou a mão quente sobre a minha.
— Você não vai — falou com tanta certeza que doeu. — Você é forte. Muito mais do que qualquer uma de nós. E vai sair daqui. Vai, sim.
Não respondi. Só abaixei os olhos. O nó na garganta afrouxou um pouco. Por alguns minutos, eu não me senti tão sozinha.
Quando levantei pra ir pro quarto, Amanda me deu um último olhar. Daqueles que falam tudo sem som nenhum.
E enquanto caminhava pelo corredor escuro, pensei:
Se esse é o preço por não abaixar a cabeça, então foda-se. Eu pago.
E pago de novo.
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Atualizado até capítulo 29
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