Sombra no Café

Capítulo 2:

O cartão pesava como uma pedra no bolso do casaco de Elena. Mesmo depois de sair da biblioteca, sob uma chuva que agora parecia agulhas frias contra seu rosto, ela conseguia sentir o relevo das letras – SILAS THORNE – e a marcação visceral daquela frase: "Você já é minha." Cada passo em direção ao seu pequeno apartamento no bairro modesto de Belltown era uma batalha contra o pânico que tentava subir pela sua garganta.

Como ele sabia meu nome? A pergunta martelava em seu crânio, sincronizada com o bater do seu coração contra as costelas. Ela não usava crachá visível. Raramente interagia com o público mais abastado; seu trabalho era nos bastidores, com os livros antigos. Thorne. O nome era uma entidade por si só, sinônimo de poder impenetrável e rumores sussurrados sobre métodos obscuros e inimigos que desapareciam. E ele a escolhera. Observando.

O apartamento, minúsculo e acanhado, com móveis de segunda mão e as paredes pintadas de um branco desbotado, costumava ser seu santuário. Naquela noite, porém, as sombras pareciam mais longas, os ruídos da rua – uma buzina, uma gargalhada distante – soavam como ameaças. Ela trancou a porta com duas voltas na chave e encostou as costas na madeira fria, fechando os olhos.

"Você já é minha." A voz grave, aveludada e cortante de Silas ecoou em sua mente, mesclando-se com outra voz, mais áspera, cheia de desdém e raiva contida: "Você não é nada sem mim, Elena. Ninguém mais vai te querer, sua inútil." Nathan. A lembrança foi um soco no estômago, trazendo consigo o cheiro de uísque barato e o gosto metálico do sangue na boca.

Flashback (3 anos atrás - Nova York):

A porta do apartamento estoura contra a parede. Nathan entra, cambaleando, os olhos injetados de fúria e álcool. Elena tenta se esconder atrás do sofá, mas é inútil. Ele a vê.

"Onde você estava?" ele rosna, avançando. O medo paralisa Elena; ela conhece aquele tom.

"T-Trabalhando, Nathan. Eu juro..."

Um tapa brutal a faz girar, a visão escurecendo por um instante. Ela cai de joelhos, a cabeça batendo na quina da mesa de centro. Dor aguda explode na têmpora.

"Mentira!" Ele a puxa pelos cabelos, forçando-a a olhar para ele. Seu hálito a enoja. "Você estava com ele, não estava? Aquele idiota do seu trabalho!"

"Não! Eu estava sozinha, catalogando..."

Outro golpe. Desta vez no estômago. Ela curva-se, engasgando, sem ar.

Ele se ajoelha ao seu lado, os dedos apertando seu queixo com força brutal, forçando-a a encarar seu ódio. "Você é minha, Elena. Minha propriedade. Eu decido onde você vai, com quem fala, o que faz. Entendeu? Minha." O olhar dele é de possessão doentia, mesclada a um desprezo profundo. "E se você tentar fugir de novo..." Ele não precisa terminar. A ameaça está no ar, mais pesada que qualquer palavra.

Fim do Flashback

Elena abriu os olhos no presente, ofegante, as mãos trêmulas tocando a pequena cicatriz perto da sobrancelha esquerda – marca deixada pela quina da mesa naquela noite. O mesmo medo gelado, a mesma sensação de impotência, a mesma voz declarando posse. Minha. Silas Thorne usara a mesma palavra, com a mesma certeza absoluta, mas envolta em um poder diferente, mais frio, mais calculado, infinitamente mais perigoso. Nathan era um furacão destrutivo; Silas parecia um inverno nuclear, implacável e silencioso.

Na manhã seguinte, o pânico havia se transformado em uma ansiedade aguda, um fio de arame farpado enroscado em suas entranhas. Cada som alto na biblioteca a fazia saltar. Cada homem alto de terno preto que passava pela rua a fazia congelar. O cartão de Silas estava escondido no fundo de uma gaveta, sob pilhas de roupas, mas ela sentia sua presença como uma pulsação maligna.

Foi durante a pausa para o café, no pequeno refeitório dos funcionários, que a primeira interferência sutil aconteceu. Elena sempre tomava o mesmo café: preto, forte, sem açúcar. Um hábito reconfortante, uma pequena âncora de normalidade. Ela se aproximou da mesa onde deixara sua caneca favorita – uma peça simples, branca, com uma pequena rachadura no cabo – e parou, confusa.

A caneca estava lá, mas fumegando, cheia. E não de café preto. Era um latte, com uma espuma perfeita, e um delicado coração desenhado no centro com canela. Ao lado da caneca, havia uma pequena embalagem de seu chocolate amargo favorito, a marca importada cara que ela raramente se permitia comprar.

Elena olhou em volta, o coração batendo descompassado. O refeitório estava quase vazio. Só Brenda, a bibliotecária sênior, mexia em seu telefone no canto oposto.

"Brenda?" Elena chamou, a voz um pouco trêmula. "Você... você colocou isso aqui?"

Brenda ergueu os olhos, distraída. "O quê, querida? Ah, o latte? Não, não fui eu. Deve ter sido o Carl, aquele estagiário novo. Ele anda muito solícito." Ela sorriu, sem suspeitar. "Aproveita, está com uma cara ótima."

Carl. Elena tentou se convencer. Carl era um jovem tímido, estudante de literatura. Talvez... talvez fosse mesmo ele. Um gesto inocente. Mas o chocolate? Ela nunca comentara sobre sua preferência por aquele chocolate específico com ninguém. E o coração na espuma... parecia uma assinatura. Uma marca.

Ela não tocou no latte. Nem no chocolate. Empurrou a caneca para o centro da mesa como se estivesse quente e foi pegar água. O café preto, naquele dia, parecia cinzas em sua boca.

A interferência seguinte veio no fim do expediente. Enquanto arrumava sua bolsa, o telefone fixo da biblioteca tocou. Elena, sendo uma das últimas, atendeu por instinto.

"Biblioteca Heritage, boa tarde."

Silêncio por um segundo. Um silêncio denso, carregado, que fez os pelos de seus braços se arrepiarem. Então, a voz. Baixa, grave, inconfundível, chegando pelo fio como um toque de gelo na nuca.

"Elena."

Foi só seu nome. Dito da mesma maneira íntima e ameaçadora da biblioteca. Como se ele estivesse ali, sussurrando em seu ouvido. Ela congelou, os dedos apertando o receptor com força branca.

"O... o que você quer?" ela sussurrou, a voz falhando.

"Você não bebeu o café." A afirmação foi simples, plana, mas carregada de uma reprovação perigosa. Como um dono desapontado com um animal de estimação desobediente. Ele sabia. Ele estava vigiando.

Elena olhou freneticamente em volta. As estantes vazias, as longas sombras do fim da tarde. Estaria alguém observando? Uma câmera oculta? O pânico estrangulou suas palavras.

"Deixe-me em paz," ela forçou, com mais coragem do que sentia. "Não me perturbe."

Um leve ruído do outro lado da linha – poderia ser um suspiro, ou um riso abafado. "Perturbar?" A voz soou quase contemplativa. "Estou apenas... cuidando do que é meu. O chocolate é para você. Coma. Você precisa recuperar as forças."

A frieza da afirmação, a naturalidade com que ele reafirmava sua posse, a deixou nauseada. "Eu não sou sua!" ela retrucou, a voz subindo de tom, ecoando no salão vazio.

O silêncio que se seguiu foi mais aterrorizante do que qualquer resposta. Ela podia quase sentir o peso do seu olhar cinza através da linha, calculando, analisando sua rebeldia.

"Tudo a seu tempo, Elena," ele disse finalmente, o tom mais suave, quase uma carícia venenosa. "Tudo a seu tempo. Tenha uma boa noite. E trance bem sua porta."

O clique da linha sendo desligada soou como uma sentença. Elena ficou parada, o receptor mudo na mão, o corpo tremendo incontrolavelmente. Ele sabia onde ela trabalhava. Sabia seu nome. Sabia seus gostos. Sabia que ela não bebera o café. E agora... sabia onde ela morava? "Tranque bem sua porta."

A caminho de casa, a paranoia atingiu níveis insuportáveis. Cada carro que passava mais devagar era uma ameaça. Cada vulto em uma porta parecia um observador oculto. Ela mudou de rota três vezes, dobrando esquinas aleatoriamente, seu coração batendo como um tambor de guerra. Quando finalmente alcançou seu prédio, subiu as escadas de serviço, evitando o elevador, e trancou a porta com todas as trancas que tinha, encostando uma cadeira sob o trinco.

Dentro do apartamento, na escuridão, encolhida no sofá, Elena sentiu as lágrimas finalmente chegarem. Não eram apenas lágrimas de medo, mas de raiva. Raiva por se sentir tão vulnerável novamente. Raiva por Silas Thorne ter invadido sua frágil paz com tanta facilidade. Raiva por aquele medo antigo, aquele instinto de presa, ter voltado com força total.

Ela olhou para a gaveta onde o cartão estava escondido. "Você já é minha." As palavras queimavam em sua mente. Nathan a quebrara, mas ela sobrevivera, escapara. Silas Thorne, porém... ele parecia uma força da natureza. Implacável. Onipresente.

Como se combatia uma sombra? Como se fugia de um homem que parecia saber tudo, controlar tudo?

A resposta veio na forma de um desespero frio: talvez não fosse possível fugir. Talvez a única saída fosse enfrentar. Mas o preço do enfrentamento poderia ser a sua própria destruição.

O telefone celular, esquecido na bolsa, vibrou sobre a mesa de centro. Um único bip, sinalizando uma mensagem. Elena olhou para ele como se fosse uma cobra pronta a atacar. Lentamente, com mãos trêmulas, ela o pegou.

A tela iluminou-se. Não havia número registrado. Apenas uma mensagem curta, anônima, mas cujo remetente ela não tinha dúvidas:

"Boa noite, Elena. Durma bem. Amanhã é um novo dia. Meu novo dia."

O telefone escapou de seus dedos gelados e caiu no chão com um baque surdo. Na escuridão do seu apartamento trancado, Elena percebeu a verdade mais aterrorizante: sua gaiola, dourada ou não, já estava sendo construída. Tijolo por tijolo, gesto por gesto, palavra por palavra. E Silas Thorne tinha a chave.

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