Sob o Julgo do Tirano
Capítulo 1:
A chuva fina de Seattle batia contra os altos vitrais da Biblioteca Municipal Heritage, criando uma sinfonia melancólica que combinava perfeitamente com o estado de espírito de Elena. Ela ajustou os óculos na ponte do nariz, afundando-se um pouco mais na poltrona de couro envelhecido do seu cantinho preferido, escondida atrás de uma pilha de livros sobre restauração arquitetônica. Aquela era a sua trincheira, o seu refúgio. Após dois anos fugindo do espectro de Nathan – das críticas cortantes, do controle sufocante, dos "acidentes" que deixavam hematomas fáceis de esconder –, o anonimato úmido de Seattle e o silêncio majestoso da biblioteca eram o mais próximo da paz que ela conhecera.
Trabalhar ali, organizando histórias alheias, catalogando sonhos em papel, era terapêutico. Ninguém a olhava duas vezes. Era apenas "Elena, a nova bibliotecária". E ela preferia assim. Invisível. Segura.
O som pesado das portas duplas de carvalho se abrindo ecoou no salão principal, quase vazio naquela tarde chuvosa de terça-feira. Um jato de ar frio e úmido invadiu o ambiente aquecido, fazendo Elena estremecer involuntariamente. Ela não ergueu os olhos imediatamente, focada na delicada tarefa de limpar a lombada de um volume raro do século XIX. Mas uma sensação estranha, como um peso súbito no peito, a forçou a olhar.
Ele entrou como uma tempestade silenciosa. Alto, imponente, envolto em um sobretudo preto de corte impecável que escorria água. Não era a roupa, porém, que prendia a atenção. Era a presença. O ar ao seu redor parecia ficar mais denso, mais frio. Cabelos escuros, quase negros, penteados com rigor, moldavam um rosto talhado a machado – mandíbula forte, lábios finos e uma expressão que não era exatamente cruel, mas vazia. Como mármore polido. Seus olhos, de um cinza glacial, varreram o salão com a eficiência de um scanner, desdenhando as estantes, os móveis, o ambiente. Até que pousaram nela.
Elena sentiu o fôlego faltar. Não era um olhar de reconhecimento, nem de curiosidade banal. Era... posse. Como se ele tivesse aberto a porta de um armário e encontrasse um objeto há muito tempo perdido, algo que sempre lhe pertencera. Um olhar que não perguntava, declarava. Ele a atravessou com a intensidade de um raio X, desnudando-a ali, em seu cantinho seguro, atrás de seus livros-armadura. Seus dedos congelaram sobre o papel delicado do livro.
Ele começou a andar em sua direção. Os passos eram firmes, silenciosos sobre o piso de mármore, mas cada um ecoou como um trovão nos ouvidos de Elena. O coração batia com tanta força que ela temeu que ele pudesse ouvir. Instintos primitivos gritavam: Fuja. Esconda-se. Mas as pernas pareciam de chumbo. Ela estava enraizada no medo, naquela sensação horrenda e familiar de estar encurralada.
Parou a poucos metros de sua poltrona. O cheiro dele chegou até ela: uma mistura perturbadora de algo caro e amadeirado com o frio metálico da chuva e... algo mais. Um traço indescritível de perigo. Ele não disse uma palavra. Apenas olhou. Olhou para os livros espalhados ao seu redor, para suas mãos trêmulas, para o batom discretíssimo que ela usava, até para a pequena cicatriz perto da sobrancelha esquerda – marca de um "tropeço" promovido por Nathan.
Elena forçou-se a falar, a voz saindo como um sussurro áspero: "P-Posso ajudar o senhor?"
Ele ignorou a pergunta. Seu olhar cinza finalmente travou nos dela. Era como ser mergulhada em águas árticas. Profundas, impenetráveis, carregadas de uma intensidade que fazia sua pele formigar de pavor... e de algo mais traiçoeiro, uma centelha de calor proibido que a enfureceu consigo mesma.
"Não," disse ele. A voz era mais baixa do que ela esperava, grave, aveludada, mas cortante como navalha. Uma contradição que a perturbou ainda mais. "Apenas observando."
A palavra soou como uma ameaça. Observando. Como um predador observa a presa. Como um colecionador avalia uma peça rara. Elena engoliu seco, tentando desviar o olhar, mas era impossível. Aquele olhar hipnotizante a mantinha presa.
Ele estendeu a mão, não para ela, mas para o livro que ela estava limpando. Luvas de couro preto, finíssimas. Seus dedos, longos e fortes, passaram pela lombada que ela acabara de limpar, quase tocando os dela. Elena recuou a mão como se tivesse sido queimada.
"Um exemplar raro," ele comentou, o tom absolutamente plano, sem qualquer indicação de interesse genuíno. "Cuidado frágil exige mãos firmes." O olhar subiu novamente para o rosto dela, pesando, medindo sua reação.
Elena sentiu-se nua. Exposta. Ele falava do livro, mas ela sabia, com uma certeza visceral, que não era só do livro. Era dela. Um aviso? Uma avaliação? O medo se transformou em uma raiva fria, familiar. Ela não era um objeto. Não mais.
"Sei cuidar do que é meu, senhor," ela respondeu, forçando uma firmeza que não sentia, erguendo o queixo um milímetro.
Um sopro quase imperceptível – poderia ser um suspiro, ou o início de um sorriso cruel – passou por seus lábios. Os olhos cinza brilharam com algo que poderia ser... interesse? Desafio?
"Thorne," ele disse, abruptamente. "Silas Thorne."
O nome ecoou na mente de Elena como um badalar de sino fúnebre. Thorne. O Silas Thorne. O magnata recluso, o tubarão dos negócios implacável, o homem sobre quem os jornais falavam em tons de fascínio e medo. O homem cuja fortuna era rivalizada apenas pelas histórias sombrias que o cercavam. O sangue pareceu congelar em suas veias. Por que ele estava ali? Por que a olhava daquela maneira?
Antes que ela pudesse articular qualquer resposta, reagir, ele deu um passo para trás. O olhar de posse não diminuiu; se intensificou, como se a tivesse marcado ali mesmo.
"Até breve, Elena," ele disse, seu nome saindo de seus lábios como uma carícia perversa, íntima demais, assustadora demais.
Como ele sabia seu nome? Ela nunca o tinha visto antes! O pânico a estrangulou. Ele virou-se e começou a andar em direção à saída, seu sobretudo preto esvoaçando como asas de um corvo. A porta se fechou atrás dele com um baque surdo, deixando para trás o cheiro de chuva, couro caro e uma ameaça palpável no ar.
Elena ficou paralisada, tremendo, as mãos geladas agarradas ao livro raro. A paz que encontrara desmoronara em segundos. O passado, na forma daquele olhar glacial e possessivo, a alcançara. E ele sabia seu nome.
Foi então que ela viu. Em cima da mesa, onde seus dedos estiveram segundos antes, onde os dedos dele quase tocaram os seus, havia um pequeno cartão de visita. Branco, pesado, texturizado. Nenhum logotipo, nenhum título. Apenas um nome gravado em relevo, em letras sóbrias e imponentes:
SILAS THORNE
E, escrito à mão, com uma caligrafia forte e decidida, em tinta preta, abaixo do nome, uma única frase que fez seu estômago embrulhar e seu coração disparar num ritmo de puro terror:
"Você já é minha."
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 30
Comments