Mariana cresceu com a sensação de estar sempre no lugar errado, na hora errada, com a expressão errada no rosto.
Ela tinha sete anos quando foi morar com a tia. A mãe, sozinha e doente, disse que era “só por um tempo”. Mas o tempo não tem a mesma pressa quando se trata de abandono.
Na casa da tia, tudo tinha regra. Mas nenhuma fazia sentido.
O chinelo tinha que ficar exatamente alinhado ao pé da cama. O arroz no prato não podia passar da metade. O banho tinha que durar menos que uma música de rádio.
E qualquer erro virava um campo de guerra.
Mariana aprendeu cedo que o erro não precisava ser real.
Bastava existir.
Respirar mais alto.
Esbarrar sem querer.
Pedir atenção na hora errada.
“Fardo.”
“Estorvo.”
“Você só me dá despesa.”
As palavras vinham como pedras. Rápidas, cortantes, repetidas.
E quando ela chorava, ouvia logo:
“Vai chorar por isso?”
“Nem sabe o que é sofrer.”
“Pior foi sua mãe, que me deixou você de presente.”
Aos poucos, Mariana aprendeu a se encolher.
A caminhar com os pés leves, como quem pede desculpas ao chão.
A dobrar as roupas sem fazer barulho. A comer só o suficiente. A se desculpar até por existir.
Ela ouvia muito que “era igual à mãe”.
Mas a frase nunca vinha com carinho. Era cuspida com desprezo.
E Mariana não sabia se aquilo era raiva… ou uma saudade mal resolvida da irmã que a tia nunca soube amar.
Na escola, ela era vista como “um doce de menina”.
Tímida, educada, sempre com os cadernos em ordem.
Mas ninguém via a ansiedade nos dedos trêmulos.
Ninguém percebia como ela tremia ao ouvir vozes altas.
Como o corpo dela reagia como se esperasse um tapa — mesmo quando não havia ameaça.
O castigo favorito da tia era o desprezo.
Dias sem olhar na cara dela.
Sem responder perguntas simples.
Sem dizer “bom dia”.
Era como ser fantasma dentro da própria vida.
Quando havia visitas, Mariana virava enfeite.
Sentada quieta no canto da sala, forçada a sorrir.
“Ela é criada como filha”, a tia dizia, enquanto Mariana mordia por dentro o silêncio, tentando entender por que “como filha” doía mais do que qualquer outra coisa.
Os gritos vinham por tudo.
Por um copo fora do lugar.
Por um caderno esquecido na mesa.
Por um uniforme com mancha de barro.
E o que mais doía nem era o volume da voz — era o olhar gelado, o tom de desdém.
A certeza cruel de que, por mais que ela tentasse, nunca seria suficiente.
Com o tempo, Mariana achou que merecia aquilo.
Acreditou nas palavras.
Achou mesmo que era um fardo.
Que só atrapalhava.
Que nunca ia ser boa o bastante pra ser amada.
Na adolescência, ela quase nem falava.
Achava que se falasse demais, estragava tudo.
Que se se aproximasse das pessoas, ia incomodar.
Era como se carregasse uma placa invisível no peito: desculpa por existir.
Demorou anos pra ela entender que aquilo que viveu tinha nome.
Abuso emocional.
Violência silenciosa.
Machucado sem roxo.
E que muita criança, por trás das portas de casas aparentemente normais, sofre calada.
Cresce ouvindo que é “difícil”, “complicada”, “problemática”.
E passa a vida tentando consertar uma versão distorcida de si mesma.
Hoje, Mariana tem 27 anos.
Ainda carrega alguns dos reflexos daquela infância.
Ainda pede desculpas com frequência.
Ainda se assusta com gritos.
Ainda se sente pequena em lugares onde não deveria.
Mas também aprendeu a se olhar com mais carinho.
Entendeu que não era ela o problema.
Que o amor não deve ser condicionado.
E que o afeto de verdade nunca humilha.
Agora, ela fala.
Conta sua história.
Porque entende que dar nome ao que viveu é uma forma de cura.
Ela não esqueceu o que passou — mas escolheu não se definir por aquilo.
> "Ninguém aprende a se amar quando cresce sendo diminuído."
🧠 Como identificar:
Você cresceu sendo constantemente criticado, xingado ou ignorado?
Sempre sentiu que seu valor estava condicionado ao quanto você “obedecia” ou agradava?
Era ensinado a engolir o choro, disfarçar a dor e sorrir mesmo em sofrimento?
Se sim, talvez o problema nunca tenha sido você.
Mas sim o ambiente que distorceu sua percepção de si mesmo.
Abuso emocional também deixa marcas. Só que por dentro.
E toda dor não dita encontra abrigo no corpo, no medo, na autoestima.
Reconhecer isso não é vitimismo. É libertação.
Você merece amor que acolhe.
Palavras que não ferem.
E um lar onde não precise andar na ponta dos pés.
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Atualizado até capítulo 25
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