Capítulo 2 – Silêncios que gritam mais alto

Na minha casa, o silêncio era uma regra não escrita.

Não havia cartazes colados nas paredes nem ninguém dizendo em voz alta o que podia ou não ser dito. Mas a gente sabia. Sabia que havia um limite invisível entre o que era possível expressar e o que precisava ser engolido — como se emoções demais fossem um risco de explosão.

A gente ouvia os gritos — mas nunca falava sobre eles depois.

Eles ecoavam pelas paredes como uma tempestade que passava e deixava tudo fora do lugar. Mas ninguém recolhia os destroços. Era como se, depois do barulho, um manto de negação fosse cuidadosamente estendido sobre tudo.

A mesa era posta. Os talheres batiam no prato. A televisão ligada tentava fingir que o caos de minutos atrás não tinha existido.

Mas ninguém olhava nos olhos de ninguém.

A primeira vez que vi minha mãe chorar, ela virou o rosto com pressa. Como se chorar fosse um crime, como se a lágrima que escapou fosse um descuido imperdoável.

Ela enxugou rápido, apertando o pano de prato no rosto como se limpasse algo sujo.

Eu não perguntei.

Porque naquela casa, perguntar era como acender dinamite.

Meu pai era o oposto barulhento da minha mãe silenciosa.

Mas o silêncio dele também falava — talvez até mais.

Ele entrava mudo, saia calado, mas cada passo dele fazia o chão ranger de tensão. A gente sabia, pelo jeito que ele batia a porta ou deixava a chave cair na mesa, se era um dia bom… ou um dia perigoso.

Era um tipo de ameaça sem som, mas com presença.

Como se dissesse: “não respire alto demais”.

E a gente aprendia.

Aprendia a andar leve, a se mover como sombra, a esconder emoção.

Eu virei especialista em interpretar expressões, em evitar perguntas, em medir cada palavra antes de soltar.

E quanto menos eu falava, mais pareciam gostar de mim.

Crescer ali era viver em um teatro mudo.

Todo mundo com roteiro decorado: sorrisos curtos, frases neutras, gestos calculados.

Eu fingia que nada doía.

Minha mãe fingia que nada estava errado.

Meu pai fingia que era respeitado.

A verdade é que o silêncio virava muros.

Muros entre mim e meus pais.

Muros entre mim e eu mesma.

Porque existe algo cruel no silêncio quando ele é imposto.

Ele não é só ausência de som — ele é ausência de cuidado.

Ele é o "não quero saber", o "não me conte", o "engole isso aí".

E quando ninguém fala, ninguém cura.

Durante muito tempo, eu achava que estava exagerando.

Que talvez aquilo fosse normal.

Que toda casa tivesse seus segredos, seus dias ruins, suas dores sem nome.

Mas fui crescendo, fui vendo o mundo lá fora, e comecei a entender: o silêncio da minha infância não era proteção.

Era abandono.

A gente guarda o que não pode dizer.

Guarda a raiva, o medo, a vergonha.

Guarda o abuso com nome de "educação".

Guarda a tristeza com nome de "drama".

E tudo isso fermenta por dentro.

Vira ansiedade, vira culpa, vira uma sensação permanente de que tem algo errado com você.

Por muito tempo, eu não tive palavras para contar o que doía.

E sem palavras, parecia que nem doía de verdade.

Mas doía.

E muito.

Hoje, eu entendo: silêncio também é violência.

Porque quando não se fala, não se protege.

Porque quando não se escuta, não se salva.

Hoje, eu escolho falar.

Mesmo com a voz tremendo.

Mesmo com medo de que ninguém escute.

Porque cada palavra que sai da minha boca é uma parte minha que se cura.

E cada silêncio que eu quebro é uma corrente que deixo para trás.

> “O que a gente finge que não vê, às vezes machuca mais que o tapa.”

🧠 Como lidar:

Escreva o que você não consegue dizer.

Transforme sua dor em palavras, mesmo que ainda não saiba como organizá-las.

Fale com o papel, com um amigo, com você mesma.

A cura começa quando a gente se permite nomear o que nos machucou.

Não é exagero se te fez chorar escondido.

Não é drama se te deixou com medo.

Não é mimimi se você precisou se calar pra sobreviver.

O silêncio pode ter sido sua prisão.

Mas sua voz pode ser sua liberdade.

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Atualizado até capítulo 25

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