Capítulo 4 – O Encontro de Titãs
A neblina da manhã já havia se dissipado quando Melissa atravessou o portão preto da mansão de Domingos. O sol queimava o alto do morro como se quisesse incendiar cada barraco, cada viela, cada canto sombrio do Vidigal. Gabriel, como prometido, a guiou até a casa do Terrorista. O caminho parecia interminável: passavam por becos dominados por olhares desconfiados, paredes pichadas com ameaças à polícia, crianças correndo descalças com sacolas cheias de droga nas mãos. O ar era pesado, carregado de medo e adrenalina.
A cada passo, Melissa lembrava de Alice e se agarrava à única certeza que tinha: desistir não era opção.
Quando entraram na casa, o cheiro de cigarro e pólvora era tão forte que ardia nos olhos. Quadros tortos nas paredes, alguns com fotos de homens armados, outros de Dom e do próprio Terrorista em festas regadas a uísque e mulheres nuas. A mansão improvisada era um santuário do crime. Um lugar onde leis não existiam, só a vontade do mais forte.
Gabriel parou em frente a uma porta dupla de madeira escura, cheia de marcas de tiros. — É aqui. Boa sorte, enfermeira — disse, com um sorriso torto, antes de sumir no corredor.
Melissa respirou fundo e empurrou a porta. O quarto estava mergulhado em sombras, com apenas algumas frestas de luz vazando entre as cortinas pesadas. O som baixo de um rap ecoava no ambiente, misturando-se com o tilintar de gelo em um copo. No centro do cômodo, lá estava ele: Terrorista.
Ele parecia uma estátua sombria sobre a cadeira de rodas. O lençol preto cobria suas pernas imóveis. Usava bermuda da Nike e camisa branca da Lacoste, toda amassada, além de um cordão de ouro que refletia a pouca luz. O cabelo estava bagunçado, o rosto meio barbeado, com cicatrizes marcando as bochechas. O olhar dele era de puro desprezo.
Quando ela entrou, ele ergueu o queixo, fitando-a como quem mira um rato. Um sorriso cruel curvou seus lábios. — Então é você, grandona? — a voz dele ecoou como um soco no peito dela. — Meu pai foi longe pra contratar uma gorda pra cuidar de mim.
O coração de Melissa parou por um segundo. Mas então o sangue subiu-lhe à cabeça como um vulcão. — Repete — disse ela, baixinho, avançando dois passos.
— Eu disse: grandona. Vai me dar um abraço de urso? — ele cuspiu as palavras, batendo a mão no braço da cadeira. — Que ridículo. Acha mesmo que vai me fazer andar? Quer me ensinar a correr também? — riu alto, um som áspero e desagradável que se espalhou pelo quarto.
Melissa respirou fundo, deixando o veneno ferver em sua língua. — Você acha que é o único fodido nesse morro, moleque? — a voz dela saiu fria como lâmina. — Você acha que sua dor é maior que a de todo mundo? Cresce. Tem gente enterrando filho, tem mãe lavando chão por trinta reais pra não ver o filho morrer de fome, e você tá aqui, bancando o coitadinho porque suas pernas não funcionam.
Ele a olhou, surpreso, mas logo voltou a exibir o sorriso arrogante. — Quem você pensa que é pra falar assim comigo, grandona? — o tom dele saiu mais alto, o veneno escorrendo nas palavras. — Eu sou o rei dessa porra de morro! Sou o Terrorista! Eu mando nessa merda toda!
Melissa se aproximou tanto que podia sentir o cheiro de álcool e cigarro que exalava dele. — Pois saiba, Terrorista, que aqui dentro você não manda em porra nenhuma — rebateu, o rosto a centímetros do dele, as palavras cortantes como navalha. — Você é só mais um moleque que acha que arma e sobrenome botam medo. Mas medo mesmo é não ter como alimentar quem você ama. Medo é acordar todo dia e saber que se não lutar, vai morrer invisível.
Ele engoliu em seco, mas não desviou o olhar. Aquela mulher era diferente. Havia algo nela que o desestabilizava — uma coragem que nem os homens mais brutos do morro demonstravam na frente dele.
Melissa cruzou os braços, respirando fundo, mas sem baixar a guarda. — E quer saber mais? Hoje eu perdi a vontade de começar seu tratamento. — O tom dela foi tão seco que parecia ecoar pelas paredes. — Quando você achar que tem culhões pra ouvir a verdade sem bancar o bebê chorão, a gente conversa. Até lá, fica aí se afogando na sua autopiedade.
Ela virou-se para sair. Terrorista socou a mesa com força, fazendo o copo cair e se espatifar no chão. — VOLTA AQUI, GRANDONA! — gritou, mas a voz dele tremeu, entre ódio e algo que ele não sabia identificar: medo de ser deixado.
Melissa parou na porta, sem virar o rosto. — Eu volto amanhã. Se tiver coragem de me encarar de novo, a gente começa. Senão, aproveita a cadeira. Porque se depender só de você, vai morrer nela.
E saiu, batendo a porta atrás de si com um estrondo que ecoou pela casa inteira.
Lá fora, Gabriel a esperava encostado em uma pilastra, com um sorriso que misturava choque e respeito. — Caralho, mina… tu tem mais coragem que muito bandido daqui.
Melissa não respondeu. Seu coração estava disparado, mas ela sentia algo que não sentia há muito tempo: orgulho de si mesma. Desceu as escadas, desviando de soldados que a olhavam com curiosidade. Na laje, o funk explodia enquanto fogos de artifício estouravam no céu — avisando que a polícia estava chegando em outro ponto do morro.
Cada passo dela reverberava pela viela como um grito de guerra silencioso: ela não ia recuar.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Gigliolla Maria
e isso aí Milena. ele tem que crescer sai dessa autopiedade
2025-07-09
1
Leitora compulsiva
adorei hahhahaha
2025-07-07
1