A chuva começou a cair fina no fim da tarde, transformando as ruas de Paris em espelhos borrados de luzes douradas e sombras dançantes. Camila observava tudo pela janela de uma livraria charmosa no bairro de Le Marais. Estava sentada em um dos sofás no canto mais aconchegante do lugar, com um livro aberto no colo e a mente longe das páginas. Desde o momento do cadeado na Pont des Arts, algo dentro dela havia mudado. Gabriel não era apenas alguém que cruzou seu caminho por acaso — ele era o acaso que fazia sentido.
Enquanto esperava por ele, sentia-se como uma adolescente prestes a reencontrar o primeiro amor. Era estranho e doce ao mesmo tempo. Ela não era do tipo que se entregava fácil, que mergulhava de cabeça. Mas com Gabriel... não havia resistência. Era como se sua presença suavizasse o mundo.
Minutos depois, o sino da porta da livraria tocou, e Gabriel entrou, sacudindo o casaco encharcado e tirando o boné. Seus olhos a encontraram imediatamente. Camila fechou o livro, se levantando com um sorriso involuntário.
— Escolhi o lugar certo? — perguntou ele, aproximando-se com aquele olhar que fazia tudo ao redor parecer insignificante.
— Perfeito. Aqui o tempo parece andar mais devagar — ela respondeu.
— Melhor ainda... assim eu posso te olhar por mais tempo.
Camila riu, mas seus olhos ficaram úmidos. Havia sinceridade naquela frase. Gabriel não estava apenas flertando. Ele a observava como quem reconhece um porto seguro após anos de tempestade.
Sentaram-se juntos, lado a lado, enquanto a chuva tamborilava lá fora. Conversaram sobre livros, música, infância, sonhos adiados. A conversa fluía sem esforço, como se já se conhecessem de outras vidas. Camila contou sobre seu pai, que fora militar da aeronáutica, e sobre como herdou dele o fascínio por aviões e céus. Gabriel revelou que sempre gostou de voar por sentir-se pequeno diante da imensidão, e por isso respeitava tanto o que a vida tinha de imprevisível.
— Às vezes acho que viver é como pilotar em meio a uma tempestade — disse ele. — Nem sempre dá pra ver o que vem à frente, mas você precisa confiar que há céu claro depois das nuvens.
Camila o encarou por alguns segundos, absorvendo a profundidade da metáfora. Gabriel era mesmo um homem marcado por perdas, mas não amargo. Pelo contrário, carregava uma doçura silenciosa que encantava sem fazer esforço.
O dono da livraria se aproximou oferecendo duas taças de vinho tinto, cortesia da casa — “para aquecer os corações em um dia frio”, disse ele sorrindo. Os dois brindaram, e o momento ficou suspenso no ar. Camila não queria pensar no amanhã, nem nas perguntas que sua mente insistia em fazer. Só queria estar ali, inteira.
— Camila... — Gabriel começou, segurando a mão dela com delicadeza. — Eu não tenho respostas para tudo. E talvez ainda leve tempo até eu entender o que está nascendo entre nós. Mas uma coisa eu sei: não quero voltar para o céu sem te ver de novo em terra firme.
Ela apertou a mão dele, emocionada.
— Eu não quero voltar a escrever sobre amores dos outros sem viver o meu primeiro de verdade.
Houve um silêncio carregado de significado. O tipo de silêncio que dispensa palavras. Lá fora, a chuva aumentava. Mas ali dentro, o mundo parecia aquecido. Os olhos diziam o que as bocas ainda não tinham coragem de confessar: eles estavam se apaixonando. Sem garantias. Sem armaduras. Mas com intensidade e verdade.
Quando se despediram naquela noite, sem pressa, com um abraço demorado, Camila sentiu que aquele não era o fim de um encontro — era o começo de uma nova vida. E Gabriel, ao vê-la sumir na neblina da rua, sabia que, pela primeira vez em anos, seu coração estava em rota de pouso.
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Atualizado até capítulo 40
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