A dissonância o corroía.
Vitoriano Lázaro era um homem acostumado ao controle, à lógica fria dos números e dos contratos. Mas a imagem daquela mulher na calçada se recusava a ser arquivada em sua mente. Os mesmos olhos verdes de Cíntia, mas desprovidos de calor. Eram como esmeraldas presas no gelo, refletindo um conhecimento antigo e perigoso.
A colisão fora breve, quase insignificante, mas o impacto reverberava nele. Um fantasma com os olhos de sua amada.
Quando ele voltou para a cobertura, encontrou Cíntia radiante, o cheiro de vinho branco em seu hálito, o amor por ele brilhando em seu rosto. Ele a beijou com uma urgência que a surpreendeu, buscando apagar a imagem perturbadora com a realidade quente e pulsante dela em seus braços.
"Aconteceu alguma coisa, meu amor?", ela perguntou, sentindo a tensão em seus ombros.
"Apenas um dia longo", ele mentiu, puxando-a para mais perto. Mas, enquanto seus lábios encontravam os dela, por uma fração de segundo, ele viu aqueles outros olhos. Frios. Calculistas. E sentiu um calafrio percorrer sua espinha, um presságio que ele não conseguiu nomear. Ele estava beijando sua noiva, mas a sombra de outra mulher, uma sombra idêntica, dançava nos cantos de sua mente.
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Alana fechou a porta de seu cubículo com um clique satisfatório. O cheiro de mofo a saudou como um velho amigo. Ela tirou os óculos escuros e o lenço, o rosto uma máscara de triunfo selvagem. O choque no rosto de Vitoriano Lázaro fora sua primeira dose de vitória, um narcótico mais potente do que qualquer outro que já provara.
A caça havia sentido o cheiro do caçador.
Rômulo estava sentado em sua cama, impaciente. "E então? Conseguiu sua espiada?"
"Eu fiz mais do que isso", disse Alana, sua voz baixa e vibrante de energia. Ela se aproximou dele, movendo-se com a fluidez de uma pantera. "Eu plantei a semente. Agora, precisamos regá-la com caos."
"E como faremos isso, gênio do crime?", he zombou, mas havia uma admiração relutante em sua voz.
Alana não respondeu com palavras. Em vez disso, ela se sentou em seu colo, de frente para ele, suas pernas envolvendo sua cintura. Suas mãos subiram pelo peito dele, não com carícia, mas com posse. Seus olhos verdes queimavam nos dele.
"O plano mudou", ela sussurrou, sua boca perigosamente perto da dele. "Observar não é mais suficiente. Eu preciso de espaço para trabalhar. Preciso que ela desapareça."
"Desapareça? Alana, o que..."
Ela o silenciou com um beijo. Não foi um beijo de paixão, mas de poder. Era uma marca, um selo em um pacto profano. Sua língua invadiu sua boca, reivindicando, dominando. Suas unhas cravaram levemente nos ombros dele enquanto ela se movia contra ele, um ritmo lento e deliberado que era pura provocação.
"Você vai me ajudar a tirá-la do caminho", ela ofegou contra seus lábios, o atrito de seus corpos enviando ondas de calor através deles. "Temporariamente. Vou precisar dela viva, como minha apólice de seguro."
Rômulo gemeu, dividido entre o perigo do plano e o desejo bruto que Alana comandava. Ela era veneno, e ele estava viciado. Ele agarrou sua cintura, seus dedos afundando em sua carne. "Onde?"
"Você encontrará um lugar", ela ordenou entre beijos famintos, arrancando a camisa dele. "Discreto. Longe da cidade. Um lugar onde ninguém ouve gritos." O pensamento da inocente Cíntia, impotente, apenas alimentou sua excitação. Ela o empurrou para trás na cama, subindo sobre ele, uma rainha sombria tomando seu trono. "E quando você encontrar, nós vamos buscá-la. Juntos."
Seu beijo desceu por seu pescoço, mordiscando a pele, marcando-o como seu. "Esta é a jogada final, Rômulo. Depois disso... o mundo será nosso."
Ele se entregou, consumido pelo fogo dela, o último resquício de sua consciência se dissolvendo no calor da promessa e da carne.
...****************...
Dois dias depois.
Cíntia estava em seu ateliê, a luz suave da tarde banhando suas telas. Ela estava feliz. Vitoriano, embora ainda um pouco distante, havia sido mais atencioso do que nunca. Ela cantarolava baixinho, misturando um tom de azul celeste, perdida em seu mundo de paz e cores.
Seu celular, pousado em uma mesinha próxima, vibrou.
Ela limpou as mãos em um pano e o pegou, esperando uma mensagem de Vitoriano. Mas o nome na tela era desconhecido. Uma solicitação de mensagem em uma de suas redes sociais, uma conta que ela mantinha privada, apenas para amigos próximos e contatos de arte.
Movida pela curiosidade, ela abriu.
O texto era curto, mas cada palavra atingiu seu coração como um estilhaço de gelo.
^^^De: Um Reflexo
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^^^"Cíntia, sei que isso vai parecer loucura, mas nossas vidas estão conectadas de uma forma que você não imagina. Por causa de Eulália Morgana. Há uma verdade que lhe foi roubada no nascimento. Preciso te encontrar. Sozinha."
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Cíntia franziu a testa, o coração começando a acelerar. Eulália? Como aquela pessoa sabia sobre Eulália? Era alguma piada de mau gosto? Algum repórter tentando cavar uma história?
Então, ela viu que havia um anexo.
Com os dedos tremendo, ela tocou para abrir a imagem.
O ar fugiu de seus pulmões em um silvo agudo. A cor sumiu de seu rosto. Na tela, uma mulher a encarava. Não era uma foto sua que ela não se lembrava de ter tirado. Era outra pessoa. Uma mulher com seu rosto, seus cabelos, seus lábios.
Mas os olhos... oh, os olhos.
Eram seus, mas cheios de uma dureza, uma fome e uma inteligência cruel que a aterrorizavam até a alma. A mulher na foto segurava um jornal, e a manchete visível era sobre a última exposição de Cíntia. A mensagem era clara. Eu sei quem você é. Eu sou você.
O celular escorregou de seus dedos paralisados, caindo no chão com um baque surdo.
Abaixo da foto, uma nova mensagem apareceu na tela caída.
^^^"Estacionamento do antigo Teatro Ópera. Amanhã, às 22h. Venha sozinha se quiser saber quem roubou sua vida. Se contar a alguém, especialmente ao seu noivo, eu desapareço. E você nunca saberá a verdade."^^^
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Atualizado até capítulo 39
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