A obsessão é um fogo que precisa de combustível. Para Alana, o combustível era a informação.
Nos dois dias seguintes à sua revelação, ela mal dormiu. O mundo fora de seu apartamento fétido deixou de existir. Seu universo inteiro estava contido na tela brilhante de seu tablet, onde ela dissecava a vida de Cíntia Aurora com a precisão de um cirurgião e a fome de um lobo. Ela não apenas via as fotos; ela as estudava. O jeito que Cíntia inclinava a cabeça ao rir, a mão que usava para afastar uma mecha de cabelo, a preferência por vinhos brancos em eventos sociais.
Foi no meio dessa imersão febril que a porta de seu apartamento foi aberta com uma familiaridade arrogante.
Rômulo Cassian entrou como se o lugar fosse dele. Ele era o pecado em forma de homem: alto, bronzeado, com um sorriso canalha que já havia aberto mais portas – e pernas – do que qualquer chave. Seus olhos castanhos brilhavam com malícia e ambição. Ele e Alana eram do mesmo barro, duas serpentes no mesmo ninho, amantes por conveniência e parceiros no pequeno crime.
"Sentiu minha falta, Valquíria?" ele ronronou, sua voz um barítono rouco que vibrava no ar estagnado. Ele largou uma sacola de papel pardo na mesa, o cheiro de comida quente sendo o primeiro aroma decente a preencher o apartamento em dias.
Alana não ergueu os olhos da tela. "Depende do que você trouxe."
Ele riu, aproximando-se por trás dela, seu peito pressionando contra suas costas. Suas mãos deslizaram por seus ombros, os dedos massageando a tensão ali. "Eu sempre trago o que você precisa." Seu hálito quente tocou seu pescoço. "Mas você parece... distraída. Encontrou um novo brinquedo?"
Era a hora. Lentamente, Alana virou o tablet para ele. Na tela, a foto de Cíntia e Vitoriano, sorrindo em sua glória dourada.
Rômulo assobiou, baixo. "Uau. Que gata. Você está sonhando alto, querida. Mas ela se parece um pouco com..." Ele parou. Seus olhos se arregalaram enquanto ele olhava da foto para o rosto de Alana e de volta. A confusão deu lugar ao choque, depois a uma ganância crescente que espelhava a dela. "...com você."
"Ela não se parece comigo, Rômulo," disse Alana, sua voz baixa e perigosa. "Ela sou eu. Uma versão que teve sorte."
Ela explicou tudo. A irmã gêmea perdida, o noivo bilionário, a vida de luxo. Rômulo ouvia, seus olhos de vigarista calculando as probabilidades, o potencial de lucro. Isso não era um pequeno golpe. Era a obra-prima de uma vida.
"Você quer... tomar o lugar dela?" ele sussurrou, a enormidade do plano o atingindo. "Alana, isso é loucura. É suicídio."
"Não," ela respondeu, levantando-se e encarando-o, seus corpos a centímetros de distância. A intensidade em seus olhos verdes era hipnótica. "É renascimento. E eu preciso de um cúmplice."
Sua mão subiu pelo peito dele, desabotoando lentamente sua camisa. "Pense nisso, Rômulo. Não mais apartamentos imundos. Não mais golpes de quinta categoria. Champanhe. Carros. O mundo a nossos pés."
"O que eu ganho com isso?" ele perguntou, embora sua respiração já estivesse mais pesada.
"O que você quiser," ela sussurrou, seus lábios roçando os dele. Ela o beijou. Era um beijo de poder e posse. Suas mãos não o acariciavam; elas o reivindicavam. Ela o empurrou em direção à cama, a autoridade em seu toque deixando claro quem estava no comando.
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Enquanto a escuridão era forjada em um apartamento decadente, a luz brilhava em um ateliê no bairro mais nobre da cidade.
O cheiro era de óleo de linhaça e telas novas. Cíntia Aurora, com os cabelos presos num coque bagunçado e uma mancha de tinta azul em sua bochecha, estava perdida em seu próprio mundo. Sua mão se movia com fluidez, o pincel dançando sobre a tela, dando vida a uma paisagem de sonho. Ela era a antítese de Alana: onde uma era tempestade, a outra era a calmaria do amanhecer.
"Se eu te beijar agora, vou ficar com o gosto de tinta?"
A voz profunda de Vitoriano a fez pular, mas um sorriso instantâneo iluminou seu rosto. Ele estava encostado no batente da porta, observando-a com uma adoração que era quase palpável. Ele havia trocado seu terno caro por uma calça casual e uma camisa de linho.
"É um risco que você terá que correr," ela brincou, largando o pincel.
Ele cruzou o estúdio em poucos passos e a envolveu em seus braços, sem se importar com a tinta em seu avental. Ele gentilmente limpou a mancha azul de sua bochecha com o polegar. "Um risco que eu correria todos os dias."
Seu beijo foi tudo o que o de Alana e Rômulo não foi: terno, profundo e cheio de uma história compartilhada. As mãos dele eram firmes em sua cintura, segurando-a como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo.
"Eu te amo, minha artista," ele murmurou contra seus lábios.
"Eu também te amo, meu magnata misterioso," ela respondeu, sentindo-se a mulher mais sortuda do mundo, completamente alheia à sombra idêntica que se projetava sobre sua felicidade.
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De volta ao covil.
Rômulo já havia partido, totalmente seduzido pelo plano. Alana, energizada pela sua pequena vitória, voltou à sua pesquisa. Se ela iria roubar uma vida, precisava entender suas origens. De onde elas vieram? Como foram separadas?
Ela começou a pesquisar registros de adoção antigos, arquivos de orfanatos. Era um tiro no escuro. Ela digitou seu próprio nome, "Alana Valquíria", em um banco de dados público de registros civis. Nada. Como se ela fosse um fantasma.
Então, ela tentou o de Cíntia. "Cíntia Aurora".
BINGO.
Um registro de adoção apareceu. Datado de vinte e oito anos atrás. Cíntia, recém-nascida, adotada por um casal de classe média, agora falecido. Mas não era isso que importava. Era o que estava na parte inferior do documento digitalizado. O nome da instituição que intermediou a adoção. Um orfanato que fechou há muito tempo. E, ao lado, o nome da administradora responsável.
Alana congelou. O nome fez seu sangue gelar.
Ela abriu outra aba, voltando para as matérias da alta sociedade, para as fotos das festas de Cíntia. Ela procurou, o coração batendo descontroladamente. E lá estava. Numa foto, ao lado de Cíntia, estava uma mulher mais velha, de aparência fria e elegante, com um sorriso que não alcançava os olhos.
A legenda a identificava como uma "amiga da família" e filantropa. Uma figura proeminente no círculo de Vitoriano.
Seu nome era Eulália Morgana.
Era o mesmo nome no antigo registro de adoção de Cíntia.
Mas o verdadeiro soco no estômago veio a seguir. Em um acesso de curiosidade mórbida, Alana procurou o nome de Eulália no banco de dados. E encontrou outro arquivo, um que nunca havia conseguido acessar antes porque não sabia qual nome procurar. Um segundo registro de adoção, da mesma data, do mesmo orfanato.
Para uma criança chamada Alana. Entregue a uma família anônima que a abandonou meses depois.
A mulher que orquestrou a vida de conto de fadas de Cíntia era a mesma que a havia sentenciado ao inferno. Não foi o destino. Não foi o acaso.
Foi uma escolha.
Alana olhou para a foto de Eulália sorrindo ao lado de sua irmã radiante, e o dragão da inveja em seu peito se transformou em algo muito mais frio, mais afiado e infinitamente mais letal.
Vingança.
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Atualizado até capítulo 39
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