A Máscara da Verdade
O cheiro de mofo e sonhos mortos era o perfume de Alana Valquíria.
Ela o inalava todas as manhãs, junto com o café ralo e amargo que mal conseguia pagar. O apartamento, uma gaiola no coração pulsante e sujo da cidade, era um lembrete constante de tudo o que ela não era. As paredes, com sua tinta descascada. Lá fora, as sirenes compunham a trilha sonora de uma vida que ela se recusava a aceitar como sua.
Alana, com seus 28 anos, era uma obra de arte inacabada esculpida pela provação. Longos cabelos negros como a noite, olhos de um verde profundo, e um corpo que prometia um paraíso que sua realidade negava. Ela sabia o poder que tinha. Via-o no olhar faminto dos homens na rua, na inveja velada das outras mulheres. Mas poder sem capital era apenas uma bela arma sem munição.
Sentada na beirada de sua cama desconjuntada, o único móvel de valor era o tablet em suas mãos, um luxo roubado de um amante de uma noite só. Era sua janela para o mundo que lhe fora negado. Um mundo de seda, champanhe e poder. Ela rolava o feed de uma revista de alta sociedade online, alimentando seu descontentamento como quem alimenta uma fera. Fotos de socialites em festas beneficentes, iates ancorados em paraísos particulares, sorrisos brancos e perfeitos que não conheciam a amargura de seu café.
Era um veneno diário, mas um do qual ela não conseguia se abster.
E então, ela viu.
A manchete saltou da tela, agarrando sua atenção com garras de aço: "Cíntia Aurora: A Nova Estrela da Arte e do Amor Conquista a Cidade."
O nome era irrelevante. Foi a foto que fez o ar fugir de seus pulmões. O tablet quase escorregou de seus dedos trêmulos. Na tela, uma mulher sorria. Uma mulher com seus longos cabelos negros, com seus lábios perfeitamente desenhados, com seus olhos verdes.
Não era alguém parecida. Era ela. Um reflexo perfeito, como se olhasse para um espelho que mostrava uma vida alternativa, uma vida infinitamente melhor.
O choque inicial deu lugar a uma onda de náusea gelada. Alana clicou no artigo, seu coração martelando contra as costelas. A matéria descrevia Cíntia Aurora como uma "artista plástica de alma pura", cujas obras "capturavam a beleza etérea do mundo". Falava de sua criação simples, de seu coração bondoso, de sua aura de inocência.
"Ingênua, criativa e bondosa", a matéria a citava. Alana bufou, um som áspero e desdenhoso que cortou o silêncio do quarto. Bondade. Que piada. Bondade era um luxo para quem podia pagar.
A faca foi torcida ainda mais fundo quando a matéria apresentou o noivo. Vitoriano Lázaro. O magnata. Um homem cujo nome era sinônimo de poder e riqueza. A foto dele ao lado de Cíntia era uma tortura visual. Vitoriano era alto, com ombros largos sob um terno impecável, um rosto de traços fortes e um olhar que continha tanto carisma quanto perigo. Ele não apenas segurava a mão de Cíntia; ele a possuía, a exibia como seu troféu mais precioso.
E o olhar dele para ela... Era um olhar de adoração. Um olhar que Alana desejou a vida inteira, não por amor, mas pelo que ele representava: vitória.
Alana olhou para a foto do casal feliz e depois ao redor de seu cubículo miserável. A inveja, uma serpente que sempre vivera em seu peito, agora se tornava um dragão, cuspindo fogo e consumindo cada fibra de seu ser.
Aquela vida. Aquela era a vida que deveria ter sido sua. A arte, a adoração, o luxo... e, acima de tudo, Vitoriano Lázaro. Ele não era apenas um homem; era um império. E Cíntia, sua imagem espelhada, estava sentada no trono que lhe pertencia por direito de nascença. Uma semelhança tão exata não podia ser coincidência. Eram gêmeas. O universo havia lhe pregado a mais cruel das peças: deu a uma tudo, e à outra, as migalhas.
Um plano, diabólico e perfeito, começou a florescer na escuridão de sua mente. Não era um pensamento, mas uma epifania. Uma revelação. O destino não lhe havia dado as cartas erradas; ele havia lhe mostrado a mão de sua oponente. E agora, ela iria roubar aquela mão.
Ela continuou lendo, absorvendo cada detalhe da vida de Cíntia como uma predadora estudando sua presa. O nome de sua galeria. Seus amigos. Seus hábitos.
Quando terminou de ler, o artigo desapareceu e a tela do tablet escureceu, transformando-se num espelho negro.
Alana encarou seu próprio reflexo. Os mesmos olhos verdes, mas os seus ardiam com uma ambição voraz que os de Cíntia jamais conheceriam. O mesmo rosto, mas o seu estava endurecido pela luta, afiado pela necessidade. O sorriso que se formou em seus lábios não tinha nada da doçura de Cíntia. Era lento e predatório.
A vida não lhe dera nada. Então, ela iria tomar.
Ela iria tomar o nome, o noivo, a fortuna. Ela iria se tornar Cíntia Aurora, e ninguém, muito menos a dócil artista, poderia impedi-la. Ela não iria apenas usurpar uma vida; ela iria devorá-la.
Alana inclinou-se para mais perto do seu reflexo na tela escura, um sussurro escapando de seus lábios.
"Prepare-se, irmãzinha", ela murmurou para a imagem que era e não era sua. "A sua vida... agora é minha."
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 39
Comments