A apresentação de Ana Clara tinha sido um sucesso. Os investidores, a princípio, com seus rostos sérios e olhares críticos, pareciam ter amolecido à medida que ela falava sobre seu projeto. Ela descreveu o centro comunitário com paixão, mostrando os desenhos, explicando como os jardins seriam usados, como as salas de aula trariam luz e esperança para as crianças da comunidade. Ela não falava apenas de concreto e vidro; falava de vida, de impacto. No final, houve aplausos, algo raro em uma sala cheia de pessoas acostumadas a números frios.
Ela saiu da reunião com o coração leve, um misto de alívio e orgulho. O encontro com Gabriel tinha sido uma surpresa bem-vinda, quase um bom presságio. A energia dele, mesmo que rápida, a havia acalmado de alguma forma antes de entrar na sala. Ela sorriu para si mesma. Ele era tão diferente, tão direto, e ainda assim, havia algo nele que a intrigava.
A caminho de casa, Ana Clara se permitiu um pequeno desvio para comemorar. Entrou em uma livraria aconchegante, um de seus lugares favoritos, e se perdeu entre as prateleiras. Encontrou um livro sobre urbanismo sustentável que parecia feito para ela. O cheiro de papel novo e a quietude do lugar eram um bálsamo. Ali, ela podia sonhar, podia planejar. Seus sonhos eram grandes, mas ela sentia que estava no caminho certo para realizá-los.
No dia seguinte, a euforia ainda estava com ela. Era sábado, e ela decidiu dedicar o dia ao seu projeto pessoal: uma pequena horta vertical na varanda de seu apartamento. Adorava colocar as mãos na terra, sentir a vida brotar das sementes. Era um contraponto perfeito para a complexidade da arquitetura e a pressão do mundo real. Enquanto plantava sementes de manjericão e alecrim, Ana Clara refletia sobre o que a movia. Não era o dinheiro, ou o reconhecimento fácil. Era a beleza, a função, a forma como um espaço podia influenciar a vida das pessoas.
Enquanto Ana Clara desfrutava da simplicidade de sua paixão, Gabriel estava imerso na complexidade do seu mundo. Para ele, o sábado não era um dia de folga. Era mais uma chance de estar à frente. Ele estava no escritório, sozinho, revisando relatórios e preparando estratégias para a próxima semana. Sua vida era uma busca constante pela perfeição profissional. Para ele, isso significava estar sempre um passo à frente, ter os melhores números, a maior margem de lucro.
Ele era bom nisso. Tão bom que, muitas vezes, sentia um gosto amargo em seu sucesso. Aquele mesmo vazio que o pegava às vezes. Ele tinha tudo o que a maioria das pessoas sonhava: dinheiro, poder, uma carreira brilhante. Mas faltava algo. Algo que ele não conseguia colocar em planilhas ou calcular em risco.
Gabriel tinha vindo de uma família que valorizava muito o sucesso material. Seu pai era um empresário exigente, que sempre o empurrou para ser o melhor, a nunca aceitar menos do que a perfeição. Desde cedo, Gabriel aprendeu que emoções eram fraquezas, e que o controle era a chave para tudo. Ele controlava seus sentimentos, suas decisões, seu futuro. E isso o levou ao topo. Mas no topo, às vezes, era solitário.
Ele se sentou em sua cadeira de couro, com a vista espetacular do Rio de Janeiro à sua frente. A cidade, com seus prédios e montanhas, parecia uma maquete perfeita. Ele admirava a precisão das linhas, a forma como tudo se encaixava. Mas sabia que por trás daquela perfeição, havia vida, pessoas, problemas. E sua vida parecia apenas a parte polida, a parte "perfeita" do lado de fora.
De repente, seu olhar caiu sobre a tela do computador. Ele tinha pesquisado sobre o concurso de arquitetura no dia anterior. A página ainda estava aberta. Uma foto do projeto de Ana Clara chamou sua atenção. O centro comunitário. As curvas suaves do telhado, as janelas grandes que deixavam a luz entrar, os jardins. Era diferente de tudo que ele estava acostumado a ver. Tinha uma simplicidade e uma beleza que o tocaram de um jeito estranho.
Ele clicou para ver mais detalhes. Leu a descrição do projeto. "Espaço para inclusão social e sustentabilidade". Ana Clara havia escrito aquilo. A paixão dela estava em cada palavra. Ele pensou nela, na sua forma de falar, tão diferente da frieza dos relatórios que ele lia o dia inteiro. Ela falava com o coração, ele com a razão.
Ele sentiu uma pontada de algo que poderia ser... admiração? Não era uma emoção que ele sentia com frequência, especialmente por alguém que vivia em um mundo tão oposto ao seu. Ela não se encaixava em nenhum dos "tipos" de pessoas que ele conhecia. Ela era autêntica, e isso o desarmava.
Gabriel fechou a tela do computador. A perfeição de sua vida profissional parecia, de repente, um pouco... sem cor. Ele havia conquistado tudo o que seu pai esperava, tudo o que ele mesmo havia planejado. Mas e a vida? A vida era mais do que números e sucesso. Era a horta vertical de Ana Clara, talvez. Era o centro comunitário, feito para pessoas, não para o lucro.
Ele se levantou e foi até a janela. O sol da tarde batia nos prédios, fazendo-os brilhar. Era uma vista de tirar o fôlego, mas ele já não a via. Sua mente estava em um café charmoso, em dedos que se tocaram por acaso, em olhos castanhos cheios de paixão por um projeto que era mais do que dinheiro. Aquele gosto amargo da perfeição, tão familiar para ele, parecia agora mais forte, pedindo algo que ele ainda não sabia nomear, mas que Ana Clara, de alguma forma, parecia ter. Ele sentia que precisava daquele algo, daquela cor que faltava em sua vida tão organizada.
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Atualizado até capítulo 50
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