Ana Clara tentou voltar aos seus desenhos, mas as linhas no papel pareciam borrar diante de seus olhos. A imagem do rosto de Gabriel, seus olhos azuis e o sorriso inesperado, se misturava com os traços de seu projeto. Ela mexeu no coque frouxo, sentindo o calor em suas bochechas. Aquele encontro rápido, a troca de olhares, o toque dos dedos... tudo aquilo tinha quebrado a rotina tranquila de sua manhã de estudos.
Normalmente, o Café Aurora era seu santuário. Ali, entre o cheiro de café e o barulho baixo das pessoas, ela conseguia se concentrar de verdade. Seus estudos de arquitetura exigiam isso: foco total. Mas hoje, o foco se foi com a saída daquele homem. Ela se pegou pensando em quem ele era. Um homem de negócios, com certeza, pelo jeito sério e a gravata que ele afrouxou. Ele parecia pertencer a um mundo diferente do dela, um mundo de números rápidos e decisões frias, bem longe da beleza das formas e da luz que ela buscava em seus projetos.
Ela pegou o celular e, quase sem pensar, abriu a galeria de fotos. Havia uma foto de sua última maquete: um centro comunitário com jardins suspensos, pensado para ser um lugar de encontro e vida para as pessoas. Ela sorriu. Era o tipo de arquitetura que a movia: aquela que abraça a vida, que traz calor. Esse projeto era seu bebê, sua grande aposta para um concurso importante que podia mudar seu futuro. Mas era um futuro ainda incerto, cheio de desafios.
Ana Clara era uma sonhadora, sim, mas também era muito pé no chão. Ela sabia que sonhos exigiam trabalho duro e muita dedicação. Foi por isso que ela se mudou para o Rio, deixando a segurança de sua pequena cidade no interior. Queria voar, queria que seus projetos fizessem a diferença. Mas voar, às vezes, significava se sentir sozinha em uma cidade grande, sem família por perto para um abraço rápido ou uma conversa descontraída. Ela sentiu uma pontada de saudade.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, no escritório elegante com vista para a Lagoa, Gabriel estava de volta à sua realidade. O toque do celular no café era seu alerta para uma reunião urgente. A euforia do mercado estava em alta, e ele precisava estar no controle. Ele ajustou os óculos e mergulhou nos dados. Era seu trabalho, sua vida. O mundo das finanças era rápido, impiedoso, mas ele amava o desafio. Amava a sensação de ter o controle, de antecipar movimentos, de transformar números em sucesso.
Ele sentia o cheiro do café ainda em sua roupa, e, por um segundo, a imagem da moça tímida e seus óculos desajeitados invadiu sua mente. Aquele toque rápido, o jeito dela de se desculpar, o sorriso dela, quando ele falou do projeto. Tudo era tão diferente do seu dia a dia. Mulheres em seu círculo eram diretas, ambiciosas, com a mesma pressa que ele. A simplicidade dela, a forma como ela se enrolava nas palavras, era quase encantadora.
Gabriel era um homem de rotinas. Acordava cedo, ia à academia, lia as notícias do mercado, tomava seu café no mesmo lugar (até hoje), ia para o escritório, gerenciava sua equipe, fechava negócios. Sua vida era uma sequência bem organizada de passos. Não havia muito espaço para o inesperado, e ele gostava disso. O inesperado, para ele, era risco, e risco era algo a ser calculado e evitado, não abraçado.
Mas aquele pequeno encontro no café tinha sido exatamente isso: inesperado. E, estranhamente, não o deixou irritado, como a maioria das surpresas. Deixou-o... curioso. Ele se pegou pensando no que ela estaria desenhando. Edifícios? Casas? Ou algo mais? Ele nunca tinha parado para pensar na beleza de uma estrutura, apenas em seu custo e valor de mercado. Aquela moça, Ana Clara (ele tinha visto rapidamente o nome em uma das capas de livro), parecia ver o mundo de um jeito totalmente diferente.
A reunião começou, e Gabriel se forçou a afastar os pensamentos sobre o café. "Foco, Gabriel, foco", ele disse a si mesmo. Ele precisava estar cem por cento presente. Havia milhões em jogo. A tensão na sala era palpável, mas Gabriel, como sempre, estava calmo, controlando a conversa, guiando as decisões. Ele era bom nisso, muito bom. Havia chegado onde estava com inteligência e, acima de tudo, com muito controle.
No entanto, mesmo enquanto debatia taxas de juros e flutuações de moeda, uma pequena parte de sua mente insistia em revisitar a cena no Café Aurora. Ele se perguntou se ela ainda estaria lá, debruçada sobre seus cadernos. Será que ela também se lembrava do breve toque?
Para Ana Clara, a tarde arrastou-se. Ela não conseguia mais mergulhar no projeto com a mesma paixão. Sua mente voava para o café, para a imagem dele saindo pela porta, uma sombra que parecia ter levado um pedaço da sua concentração. Ela sentia uma pontada de algo que poderia ser... decepção? Por quê? Ele era um completo estranho. Mas não um estranho qualquer. Havia algo no jeito dele, na energia que ele trazia, que a fazia querer saber mais.
Ela tentou ignorar. Voltou para casa, um pequeno apartamento aconchegante que ela havia decorado com cores vibrantes e muitas plantas. Preparou um chá de camomila, tentando acalmar a mente agitada. Pegou um livro que estava lendo, mas as palavras não faziam sentido. Era como se uma chave tivesse sido virada em seu interior, abrindo uma porta para sentimentos que ela não esperava.
A rotina dela era simples: aulas na faculdade, projetos, alguns trabalhos para pagar as contas, e, claro, o tempo no Café Aurora. Essa rotina, que antes parecia suficiente, agora tinha uma pequena interrupção, um espaço vazio que antes não existia. Ela se deitou na cama, olhando para o teto, e se perguntou se o destino realmente existia, ou se tudo não passava de uma série de acasos. E se fosse apenas um acaso, por que aquele toque ainda ecoava em seus dedos? Por que a imagem de seus olhos azuis ainda permanecia tão clara?
Naquela noite, tanto Ana Clara quanto Gabriel foram para a cama com pensamentos incomuns. Ana Clara, com a cabeça cheia de um encontro rápido que parecia ter aberto uma porta em sua vida. Gabriel, com uma leve sensação de que sua rotina perfeita havia sido quebrada por um toque inesperado, e que, talvez, ele não se importasse tanto assim. O eco daquele encontro, na ponta dos dedos, começava a ressoar nos cantos mais íntimos de suas almas, prometendo um amanhã diferente do que eles haviam planejado.
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Atualizado até capítulo 50
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