A semana seguiu seu ritmo, mas para Ana Clara, o ritmo parecia ter ganhado uma batida nova, um compasso diferente. O Café Aurora, antes um lugar de paz, agora carregava uma expectativa. Cada vez que a porta se abria e o sininho tilintava, ela levantava os olhos, quase sem querer, procurando por uma silhueta alta, por um rosto de olhos azuis. Era bobagem, ela sabia. O Rio de Janeiro era enorme. As chances de esbarrar de novo naquele homem, Gabriel, eram mínimas. Mas a esperança teimava em brilhar.
Seus projetos de arquitetura não podiam esperar, claro. Ela passava horas debruçada sobre pranchetas, transformando ideias em desenhos. A maquete do centro comunitário estava quase pronta, e era linda. Cores vibrantes, espaços abertos, um convite à vida. Ela acreditava de verdade que a arquitetura podia mudar o mundo, ou pelo menos, a vida das pessoas que habitariam seus espaços. Esse era o seu propósito, sua força.
Gabriel, por outro lado, estava de volta à sua rotina intensa. O mercado financeiro não parava para ninguém. Os números, os gráficos, as notícias — tudo se movia rápido demais. Ele era bom nesse jogo. Sentia-se em casa no meio da pressão, das decisões que valiam milhões. Mas, por vezes, um vazio estranho o pegava desprevenido. Era um vazio que nem todo o sucesso financeiro conseguia preencher.
Ele tinha parado de ir ao Café Aurora. Não de propósito, mas a agenda apertada e a necessidade de economizar tempo o levaram a tomar seu café da manhã no próprio escritório. Era mais eficiente, mais prático. Mas, para ser sincero, ele sentia falta de algo. De uma pequena quebra na rotina. Do cheiro do café fresco. E, talvez, de uma certa presença. Ele se pegava pensando na arquiteta, na sua timidez, nos óculos caindo no nariz. Era uma imagem tão diferente do seu dia a dia que, por alguma razão, o acalmava.
Uma quinta-feira, no entanto, mudou tudo de novo. Ana Clara tinha uma reunião importante. Seu professor havia conseguido uma oportunidade de apresentar o projeto do centro comunitário para um grupo de investidores. Era uma chance de ouro. Ela se arrumou com cuidado, escolhendo uma blusa branca e uma saia lápis, tentando parecer profissional e confiante, mesmo que o coração estivesse batendo forte. O local da reunião era um prédio comercial moderno, no centro da cidade, um lugar cheio de vidros e aço, bem diferente dos cantos aconchegantes que ela costumava frequentar.
Ela chegou um pouco antes, respirando fundo para controlar o nervosismo. Sentou-se em uma cadeira na sala de espera, repassando mentalmente sua apresentação. As mãos suavam levemente, e ela sentia um frio na barriga.
De repente, a porta de uma sala ao lado se abriu, e um grupo de pessoas saiu conversando alto, com papéis nas mãos. E ali estava ele. Gabriel. Com um terno impecável, ele falava ao celular, gesticulando com a mão livre. Parecia ainda mais imponente naquele ambiente. Ana Clara prendeu a respiração. Seus olhos se encontraram.
Gabriel, que estava totalmente imerso na conversa do celular, parou de repente. Seus olhos azuis se arregalaram um pouco. A mulher sentada na sala de espera. Era ela. A arquiteta do café. Ele sentiu um calor subindo pelo pescoço, algo raro para ele, que era tão controlado. A surpresa era enorme. O mundo, afinal, era menor do que ele pensava.
Ele desligou o celular rapidamente, pedindo licença às pessoas com quem estava. Caminhou em direção a ela, um sorriso discreto se formando em seus lábios. Ana Clara sentiu o rosto corar de novo, mas, dessa vez, havia um sorriso tímido, quase invisível, em seus próprios lábios. Era mais do que uma coincidência. Duas vezes. No mesmo lugar, mas em dias diferentes, tudo bem. Mas em ambientes tão distintos?
"Ana Clara, certo?", ele perguntou, sua voz era mais suave do que ela esperava, sem o tom de pressa que ela imaginava de um homem de negócios.
Ela acenou com a cabeça, surpresa que ele lembrasse seu nome. "Sim. E você é Gabriel, não é?"
"O próprio." Ele riu, um som agradável que fez Ana Clara relaxar um pouco. "Que surpresa te encontrar aqui. Não esperava."
"Nem eu. É... um lugar bem diferente do café", ela disse, gesticulando ao redor, para as paredes frias e espelhadas.
"Com certeza", ele concordou, os olhos percorrendo o ambiente e depois voltando para ela. "Você veio para alguma reunião?"
"Sim. Tenho uma apresentação. Um projeto de arquitetura", ela explicou, o nervosismo voltando um pouco.
"Ah, o projeto do caderno!", ele disse, lembrando-se do primeiro encontro. "Interessante. Eu acabei de sair de uma reunião. Minha empresa tem escritórios por aqui."
Ana Clara sentiu uma pontada de curiosidade. "Sua empresa? Você... trabalha com o quê, exatamente?"
Gabriel sorriu. "Sou analista financeiro. Lidamos com investimentos, ações, essas coisas. Nada tão criativo quanto arquitetura, eu imagino." Havia um tom de auto-depreciação em sua voz, como se ele quisesse diminuir a distância entre os mundos deles.
"Não diga isso", Ana Clara respondeu, sentindo-se mais à vontade. "Números também podem ser criativos, de um jeito diferente. Ou podem construir coisas, certo?"
"Podem, sim", ele admitiu, os olhos dela pareciam ver algo que ele nunca tinha parado para pensar. Ele a achava fascinante. "E o seu projeto? É para algum cliente grande?"
"É para um concurso, na verdade", ela confessou. "Para um centro comunitário. É um sonho para mim, um lugar onde as pessoas possam se encontrar, ter acesso à educação, à arte. Com foco em sustentabilidade." Ela se animou ao falar, a timidez dando lugar à paixão.
Os olhos de Gabriel brilhavam com um interesse genuíno. Ele ouvia atentamente, algo que ele raramente fazia fora do trabalho. "Sustentabilidade? Isso é um tema importante hoje em dia. E um centro comunitário... parece algo com um impacto real." Ele estava acostumado a projetos que visavam lucro, não impacto social. A forma como ela falava, a paixão em sua voz, era cativante.
"É o que eu espero", ela disse, sentindo-se orgulhosa. "É um desafio, claro. Precisa de muito planejamento, muita atenção aos detalhes. E um bom plano financeiro para ser viável", ela completou, dando a ele um pequeno aceno, como se reconhecesse a parte dele no processo.
Ele riu. "Ah, sim, o plano financeiro. Posso ajudar com isso, se precisar de alguma dica." Havia uma brincadeira em sua voz, mas também uma oferta real, um desejo de se conectar.
Nesse momento, a porta da sala de reunião de Ana Clara se abriu. "Ana Clara?" uma voz chamou.
Ela se virou, sentindo um misto de alívio e uma pontada de decepção. "É a minha vez."
"Boa sorte com seu projeto, Ana Clara", Gabriel disse, sua voz um pouco mais séria agora. "Espero que ele mude o mundo."
Ela sorriu, o coração leve. "E eu espero que seus gráficos sejam sempre favoráveis, Gabriel."
"Sempre torcendo por isso", ele respondeu, e o sorriso dele fez o coração de Ana Clara saltar. Ela se virou e entrou na sala, sentindo a energia daquele encontro.
Gabriel a observou entrar, uma sensação de calor se espalhando por ele. Duas vezes. Não era mais um mero acaso. Era algo mais. Ele pegou o celular de novo, mas não para ligar para ninguém. Em vez disso, abriu um aplicativo de pesquisa. "Concurso de Arquitetura Rio de Janeiro Centro Comunitário". Ele tinha que saber mais. Tinha que entender o mundo dela, o mundo que parecia ter acabado de cruzar o seu. A rotina dele, tão controlada e previsível, tinha sido interrompida de novo. E, pela segunda vez, ele não se importava. Ele estava curioso. Extremamente curioso.
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Atualizado até capítulo 50
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