O cheiro de café passado se espalhava pela cozinha minúscula quando Elise acordou a chaleira chiava no fogão, e o céu além da janela derramava tons azul-acinzentados, prenunciando chuva a casa estava silenciosa nem Evelyn nem Cassiano haviam dormido ali de novo e Elise, embora preocupada, já não se surpreendia. Suspirou, servindo-se do café forte e amargo, como o dia que começava ao abrir a porta do apartamento, um volume pesado caiu a seus pés, envelopes, muitos cor branco sujo, papel grosso e timbres impessoais: bancos, financeiras, cobranças judiciais, ela os recolheu com a expressão fechada, como quem já esperava por aquilo, voltou para dentro, empilhou os papéis na mesa da cozinha e decidiu ignorá-los por hora.
O apartamento era pequeno e abafado, com móveis antigos e desgastados as paredes eram pálidas, manchadas em alguns cantos pela umidade o sofá afundava no centro, e a TV de tubo insistia em chiar, mesmo assim, Elise mantinha o ambiente limpo, com algumas flores artificiais nas prateleiras e uma vela aromática quase no fim em cima da mesinha de centro era o que ela podia chamar de lar mesmo que não fosse acolhedor, ela tomou o seu café checou as notícias e finalmente ela estava pronta para mais um dia de trabalho.
A casa de repouso onde ela trabalhava em meio período ficava no centro de Boston, em uma rua arborizada e tranquila o prédio antigo, de três andares, exalava um perfume agridoce de talco, lavanda e remédio o piso era encerado, o ambiente iluminado com tons suaves, e havia molduras com fotos antigas nos corredores como se o passado dos moradores fizesse parte da decoração Elise adorava aquele lugar, cada idoso tinha um quarto personalizado, com fotos da família, lembranças de juventude e livros empoeirados. Havia uma pequena biblioteca, um jardim com bancos de ferro enferrujados e um piano desafinado na sala principal o som ambiente era uma mistura de risadas roucas, música clássica em volume baixo e o ranger constante das rodas das cadeiras de enfermagem. Durante a manhã, ela ajudou o senhor Franklin com o banho, fez a senhora Miriam sorrir com uma história inventada, e depois passou uma hora limpando curativos e repondo medicamentos a rotina a mantinha firme cada toque, cada palavra gentil, cada cuidado com os pacientes era como uma âncora era útil era forte era viva. No intervalo, sentou-se em um dos bancos do jardim dos fundos, mordia um sanduíche simples de queijo e tomate quando o celular vibrou, era sua melhor amiga: Jenna.
— “Preciso de uma bebida, e você também. Vamos sair hoje à noite.”
— Jenna, eu tô exausta. E tô cheia de coisa pra resolver…
— “Você sempre tá cheia de coisas, pelo amor de Deus, Elise, vamos viver um pouco? Eu já escolhi o bar, nada de discussão às sete da noite, eu passo aí.”
Elise hesitou olhou para os dedos manchados de pão e pensou na pilha de boletos sobre a mesa da cozinha.
— Tá… ok!Mas só uma bebida.
O bar era um contraste vivo com o dia dela, iluminação âmbar, paredes de tijolos expostos, quadros artísticos e música vibrante, um saxofone tocava ao fundo enquanto o barman preparava drinques com movimentos hipnóticos, havia velas nas mesas, e a fumaça dos vaporizadores se misturava ao cheiro doce de rum e hortelã Elise, com calça jeans escura e blusa preta, mantinha-se discreta, seus cabelos estavam soltos, caindo pelos ombros com naturalidade ao lado dela, Jenna era o oposto: ruiva, falante, com vestido vermelho colado ao corpo e olhos pintados de delineador felino Jenna era um furacão social, sempre sorrindo, flertando, dançando com as palavras.
— Você tá mais linda do que nunca e com essa cara de enterro, Elise.
— Tô cansada, Jen cansada de tudo sabe aquele tipo de cansaço que não passa com sono?
— Você carrega o mundo nas costas desde os quatorze, amiga qualquer uma já teria desabado.
Elise suspirou, bebeu mais um gole do mojito. — Eu só queria paz, só isso um cantinho meu, um pouco de silêncio mas parece que a vida nunca para de cobrar.
Jenna apertou a mão dela sobre a mesa.
— Você é forte demais pra se contentar com pouco e você não nasceu pra viver no meio de dívida alheia, você vai sair disso, Elise vai ver.
Eram quase dez da noite quando Elise decidiu ir embora Jenna ofereceu carona.
— Dividimos um táxi, vai, tá tarde.
— Eu vou de ônibus, só quero andar um poucoe esvaziar antes de dormir.
Jenna fez cara feia, mas cedeu.
— Manda mensagem quando chegar.
A parada de ônibus estava quase deserta, apenas o som distante de um carro e o leve assobio do vento preenchiam o ar Elise se sentia observada olhou discretamente ao redor e nada, sentou no banco e esperou quando o ônibus chegou, subiu rápido, ainda desconfiada. Desceu duas quadras antes de casa, queria evitar o centro e cortar pelo beco que costumava usar andava rápido, os passos ecoando no silêncio e então sentiu: alguém a seguia.Virou-se de súbito, os sentidos em alerta, uma silhueta ela girou o corpo e, com reflexo treinado, desferiu um golpe rápido direto do Krav Maga na costela da figura que se aproximava.
— Ai, caralho, Elise!
Era Brian o seu ex, ela recuou, o peito arfando.
— Você tá me seguindo?
— Eu só queria falar com você…
— A gente terminou há mais de um ano, vai embora.
— Eu ainda gosto de você.
— Pois eu não! E se não parar de me perseguir, da próxima vez eu quebro seu nariz.
Ele hesitou. — Você vai morrer sozinha.
Ela arqueou uma sobrancelha. — Assim espero.
Virou as costas e seguiu, mas bastaram três passos para sentir de novo a presença os pelos da nuca se arrepiaram.
— Já falei pra me deixar em paz, Brian — disse, sem se virar.
Nenhuma resposta foi quando uma mão cobriu sua boca um pano áspero, encharcado com um líquido doce e forte. Ela tentou reagir, lutar, chutar, mordeu, bater, mas os músculos começaram a fraquejar a mente a oscilar o mundo girava em círculos, e o som se tornava abafado, como se estivesse debaixo d’água os olhos lutaram para se manter abertos, mas pesavam a última coisa que viu foi a lua parcialmente escondida pelas nuvens e a sensação sufocante de que, dessa vez, não conseguiria escapar.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Elenir Lima
A covarde de merda porque ele não pegou ela direito, agora ele tá ferrado despertou a fúria da felina , tá é ferrado Salvatore
2025-06-24
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