No carro, o idoso ficou ao lado de Cleia, vendo seu silêncio e o semblante distante.
— Você sempre terá meu apoio e proteção. Você salvou minha vida, é o mínimo que posso fazer por você. - Disse ele, com um leve toque na mão da jovem.
— Mas eu não quero casar. - Respondeu ela, olhando pela janela: — Nunca sonhei com isso. E muito menos assim. Bastava um obrigado, encher minha barriga hoje e pronto.
O idoso respirou fundo.
— Pense nas coisas boas que terá: Comida quente, uma cama só sua, proteção. Você não vai mais dormir na rua, nem enfrentar perigos. Essa decisão pode parecer injusta agora, mas talvez ela seja o início de algo maior.
Cleia calou-se.
As palavras dele eram pesadas... e sensatas.
E naquele momento, ela não tinha mais forças para lutar contra tudo.
Ela apenas abaixou os olhos, e seguiu em silêncio.
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As portas do cartório se abriram com um rangido discreto, mas o que mais chamou atenção naquele momento não foi o som, e sim a jovem que entrava escoltada pela poderosa família Castelier.
Cleia caminhava com passos firmes, mas suas roupas velhas e esgarçadas denunciavam uma realidade crua e dura. Seu cabelo, preso de qualquer jeito com um elástico antigo, ainda exalava dignidade, apesar de um aroma forte e agridoce que escapava de seu corpo — cheiro de suor acumulado, da rua e do abandono.
Os casais presentes no local, enfileirados para suas próprias uniões ou processos civis, franziram o nariz em uma mistura de choque e repulsa. Um casal mais à frente chegou a murmurar algo, mas calaram-se imediatamente ao notarem quem a acompanhava: Nathaniel Castelier, o magnata da indústria europeia e nacional.
O peso do sobrenome abafava qualquer comentário ousado. Olhares foram desviados com rapidez, como se a presença daquela jovem fosse uma mancha social que ninguém se atrevia a encarar de frente.
Jonas caminhava ao lado do avô, com o maxilar tenso e o rosto sombrio. Vestia um terno cinza escuro perfeitamente alinhado, mas a postura era de um homem em guerra com a própria honra.
Ele se inclinou discretamente para o avô e, com os dentes semicerrados, sussurrou:
— Vô... isso é realmente necessário? Eu tenho tantas mulheres aos meus pés... Por que me sujeitar a isso? O Senhor quer me castigar? - Lançou um olhar repleto de desprezo para Cleia, como se ela fosse lixo que alguém deixou cair no chão.
Cleia, mesmo ouvindo, não desviou os olhos. Estava de pé, firme, olhando para frente, ignorando cada provocação como se fosse vento batendo contra pedra.
Anton parou de andar. Encostou-se levemente na bengala e disse com voz clara e firme:
— Mulheres bem instruídas, mas sem personalidade, são como marionetes. E aquela garota que você supostamente gosta é uma delas, bonita por fora, oca por dentro. Para entrar na família Castelier, é preciso mais do que aparência. É preciso força, é preciso alma, coragem e determinação. E apenas uma pessoa aqui tem tudo isso. - Ele apontou o queixo discretamente para Cleia, com um sorriso.
— Então realize esse casamento, Jonas. E cale a boca.
Jonas bufou algo inaudível e abafado, e avançou até o balcão do atendente.
Em um gesto apressado e impaciente, ele agarrou o braço de Cleia para puxá-la, mas no instante seguinte pareceu se lembrar de quem estava tocando. Uma onda de repulsa atravessou seu corpo e ele a soltou bruscamente, fazendo com que ela balançasse um pouco.
Enfiou a mão no bolso do paletó, retirou um pequeno frasco de álcool em gel e esfregou as mãos com vigor exagerado, como se tivesse tocado em algo infeccioso.
Cleia observou a cena com ironia, e deixou escapar uma risada abafada e debochada.
— Achei que seus dedos fossem de ouro. Mas pelo jeito, são feitos de vidro.
O atendente escondeu um riso nervoso e desviou o olhar.
Jonas lançou-lhe um olhar assassino.
Do outro lado da sala, Margareth, mantinha os braços cruzados e os lábios finos apertados, como se tentasse conter um grito de raiva. A elegância da sua vestimenta contrastava com o desespero silencioso de sua expressão.
— Pai, se as pessoas souberem disso... seremos ridicularizados. O nome da nossa família vai virar piada. - Disse ela, entre dentes: — Por que não simplesmente dá dinheiro a essa mendiga fedorenta e acaba com essa palhaçada?
O idoso virou-se lentamente para ela. O barulho da bengala batendo forte contra o chão de mármore ecoou no cartório como um trovão abafado. Os murmúrios silenciaram imediatamente.
— Porque eu gosto dela. - Respondeu ele com um tom que encerrava qualquer discussão: — Ela é a escolha certa.
Margareth arregalou os olhos, mas riu baixinho, amarga, murmurando para si mesma:
"Aproveite sua garota sanguessuga, pai… Sua vida vai se tornar um inferno”, pensou, mordendo a parte interna da bochecha.
Do outro lado do balcão, Cleia estendeu as mãos, ainda um pouco sujas, para pegar o documento de papel firme e carimbo vermelho: a certidão de casamento.
— Parabéns aos noivos. - Disse o atendente com uma voz protocolar.
Cleia olhou para o nome dela ao lado do de Jonas Castelier. O papel parecia mais pesado do que deveria. Ela segurou com cuidado, como se não acreditasse que aquilo fosse real.
Jonas virou o rosto, o maxilar travado.
Nathaniel tocou de leve no ombro da jovem. Seu olhar tinha um brilho suave, quase paternal.
— Agora você não estará mais sozinha. Você tem meu nome, minha casa… e minha proteção.
Cleia respirou fundo. Não sorriu. Mas seus olhos, pela primeira vez em anos, não carregavam apenas cansaço.
Carregavam incerteza… e uma pequena e perigosa centelha de esperança.
O silêncio do cartório foi quebrado pela voz firme e orgulhosa de Nathaniel Castelier.
— Felicidades ao casal! - Declarou ele, levantando ligeiramente a bengala como se estivesse erguendo uma taça em brinde.
Cléia olhou para o chão, envergonhada com os olhares ainda julgadores ao redor. Jonas mantinha uma expressão de indiferença cuidadosamente ensaiada, tentando fingir que aquele casamento forçado não era um golpe contra seu orgulho.
Anton então se aproximou do neto, o rosto envelhecido, mas duro como pedra.
— Jonas, - Começou, a voz baixa mas cortante como lâmina afiada: — enquanto você estiver casado com ela, eu manterei minha promessa: você será meu único beneficiário no testamento. Toda a Fortuna Castelier, o império, as ações, os bens... tudo será seu.
Jonas esboçou um leve sorriso, mas antes que pudesse expressar qualquer satisfação, o velho fez uma pausa longa o suficiente para fazer o tempo parecer parar.
Então, olhando diretamente nos olhos dele, disse:
— Mas se, em algum momento, ela estiver sendo maltratada, humilhada ou posta de lado por você ou por alguém da nossa família... então eu doarei tudo. Cada centavo, cada propriedade, cada joia do cofre Castelier... para ela.
O impacto foi imediato.
O rosto de Jonas se transformou em pedra.
A cor desapareceu da face de Margareth, que levou a mão à boca como se tivesse sido atingida com uma bofetada invisível.
Cléia engoliu seco, o sangue fugindo de seu rosto. Ela estava imóvel, quase trêmula. A certidão de casamento tremia levemente em sua mão.
— Senhor Nathan... - Murmurou ela, com a voz baixa, sem saber se agradecia ou protestava.
Anton arqueou uma sobrancelha, e seu olhar firme caiu sobre ela.
— É minha neta agora. Então me diga, Cleia... que direito você tem de me chamar pelo nome?
Ela arregalou os olhos.
Os outros no cartório também. Margareth deu um passo à frente, boquiaberta, mas nada saiu de seus lábios.
Cléia ainda estava pálida quando, num sussurro quase infantil, disse:
— V-vovô...
Um sorriso iluminou o rosto enrugado do idoso, um sorriso genuíno, caloroso e paternal.
Apoiou a mão no ombro dela e a puxou para um abraço breve. Enquanto se permitia o toque, murmurou próximo ao ouvido dele:
— Eu tộ fedendo...
As roupas dela estavam gastas, empoeiradas, com o cheiro da rua entranhado no tecido, mas ele não pareceu se importar. Ao contrário, a apertou com força.
Mas ele respondeu, quase como um segredo partilhado só entre os dois:
— Nunca me importei com isso. A propósito, não se deixe intimidar por ele, por ninguém da família. Meu neto é duro, mas tem o coração mole. Ele só não sabe que tem.
Cléia sorriu. Um sorriso pequeno, contido, e que não chegou aos olhos.
Ela ainda não confiava naquele novo mundo, mas aquele velho lhe transmitia uma segurança que ela nunca tivera.
E isso, por ora, bastava.
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Atualizado até capítulo 68
Comments
marlene morais
Muitos desafios. Amamos mulheres assim, destemidas. No aguardo de muitas emoções e belos escritos. Por sinal muito bem escrito. Parabéns.
2025-06-17
2
Elena Viana
nossa estou amando essa livro 📔📔📔📔😍👏😍
2025-06-17
1
Bianca🌹
Para as pessoas ricas e privilegiadas pessoas pobres não são dignas de entra no mundo deles como se a falta de dinheiro fosse uma doente contagiosa.
2025-07-06
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