Verona sempre teve cheiro de papel antigo, chuva leve e café forte. Pelo menos, pra mim.
Acordei com o som familiar das badaladas da Igreja de San Fermo. Sete da manhã. As janelas do meu pequeno apartamento acima da livraria ainda estavam embaçadas da noite úmida, e o céu tinha aquele cinza levemente azul que antecede os dias indecisos — típicos da primavera no norte da Itália.
A livraria da vovó ficava na Via Sottoriva, uma ruela de paralelepípedos a poucos passos do rio Adige. Ela chamava o lugar de Il Rifugio delle Lettere, e, pra ser honesta, acho que o nome sempre fez mais sentido do que eu queria admitir. Não era só um abrigo para livros. Era o nosso refúgio. O dela, o meu, e o de uma meia dúzia de leitores fiéis que vinham mais pela conversa do que pelas histórias em si.
Mas a verdade é que eu só vim parar aqui por acaso — ou por falta de chão. Verona nunca esteve nos meus planos. Eu deveria estar morando em Milão agora, numa cobertura moderna com plantas nas varandas, trabalhando como editora em uma revista literária. Era esse o futuro que eu havia construído com Heitor. Pelo menos, era o que eu achava.
Nosso casamento estava marcado para o último sábado de setembro. A cidade toda estava lá, as flores, o vestido, a orquestra. Eu esperei na sacristia da Igreja de San Bernardino por trinta e cinco minutos antes de perceber que ele não viria. E não veio. Nenhuma mensagem. Nenhuma explicação. Só o silêncio. Depois disso, não consegui mais viver naquela cidade. Cada rua era um lembrete. Cada café, um fantasma.
Foi aí que me lembrei da livraria da vovó. Ela tinha falecido três meses antes, deixando tudo para mim. Eu nunca tinha pensado seriamente em morar em Verona — sempre a achei uma cidade para turistas e apaixonados — mas naquele momento, qualquer lugar longe de Milão parecia um alívio. Então fiz as malas, deixei o apartamento e os sonhos encaixotados, e vim.
_ “Ainda espero uma resposta de Heitor uma única palavra que eu possa entender por que um namoro de cinco anos e um termino assim quem era aquele homem que dediquei meus dias e todo meu amor que agora era um desconhecido na verdade nunca o conheci ou melhor achava que conhecia, espero ainda um único motivo que o fez me deixar lá plantada e humilhada perante a família e amigos”.
Desde então, tento manter a livraria como ela deixou. As prateleiras tortas, os marcadores de tecido com bordados à mão, a velha máquina de escrever na vitrine. Até a poltrona verde-musgo que range quando alguém senta com mais peso do que devia continua lá, teimosa.
Desço as escadas com a xícara de café na mão, ainda de pijama, e destranco a porta da frente. Um sininho de bronze, que a vovó dizia ter trazido de uma feirinha em Firenze, tilinta como sempre. A livraria ainda cheira a madeira, papel e lavanda — o aroma que ela colocava em sachês pendurados nos cantos das estantes.
Me sento atrás do balcão, como faço todas as manhãs, e observo a rua devagar ganhar vida. Turistas com mapas e guias, casais tirando fotos na famosa varanda da Julieta, vendedores abrindo suas lojinhas de lembranças. Verona é bonita demais. Tão bonita que chega a doer, às vezes. Principalmente quando se está sozinha.
Antes, eu acreditava em finais felizes. Acreditava que o amor podia consertar o mundo. Agora, só consigo ver nas histórias dos livros aquilo que me faltou: permanência. E a cidade — essa cidade que inspira tanta paixão, com suas juras eternas escritas nos muros e nas cartas penduradas no pátio dos Capuletos — virou um cenário que não me pertencia mais.
Mas continuo aqui. Abrindo a livraria todos os dias. Porque a vovó acreditava que toda dor pode ser escrita, e todo amor pode ser relido. E talvez, no fundo, eu ainda esteja esperando que uma dessas histórias — uma dessas cartas escondidas entre as páginas — me encontre.
Não posso dizer que o que sentia por Heitor acabou só prefiro deixar trancado em uma gaveta ou quem sabe entre meio aos livros velhos tento não pensar mais as lembras vem como raios me atormentando ainda fere mais tenho me agarrado na esperança que isso logo ira ser esquecido quem sabe se eu tivesse resposta seria mais fácil.
E, naquela manhã cinzenta e comum, eu ainda não sabia: ela estava mais perto do que eu imaginava.
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Atualizado até capítulo 56
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