Eco das Sombras
A sala era escura, ampla e silenciosa, com colunas esculpidas em ossos e peles ressecadas. Apenas tochas fumegantes quebravam a penumbra. Ao centro, sobre um trono de pedra negra, estava Val’Khar, o Rei Antigo. Seu olhar fixo, inabalável, como se pudesse ver além das palavras. Milhares de anos haviam moldado aquele semblante — duro, frio, sem pressa.
Ao redor, seus conselheiros e rastreadores discutiam em voz baixa, tentando não demonstrar medo.
— Três meses — disse o líder dos farejadores, ajoelhado diante do trono. — Três malditos meses atrás desse grupo. E sempre... sempre um passo à frente. Chegamos e as fogueiras já esfriaram. Os rastros, apagados com precisão. Comida enterrada. Cinzas misturadas à terra. Não é sorte, isso. É método.
Outro se aproximou, o manto rasgado de tantas florestas atravessadas:
— Achamos um olheiro dias atrás. Estava sozinho. Antes que pudéssemos pegá-lo... ele se matou. Mordida na própria língua. Morreu engasgado com o próprio sangue. Eles preferem morrer do que falar.
O silêncio pesou no ar.
— Achamos que era um bando como qualquer outro — sussurrou um terceiro, o mais jovem, com os olhos abaixados. — Mas... há algo estranho. Às vezes sentimos... uma presença. Algo que guia eles. Algo... antigo. Não sabemos o quê.
Val’Khar permaneceu imóvel. Seus olhos de brasa semicerrados, observando cada um como se analisasse não as palavras, mas o medo por trás delas.
Ele levantou lentamente, e todos se ajoelharam com reflexo imediato. A sala pareceu congelar.
— Vocês dizem que é sorte — sua voz era grave, pausada, cada sílaba como pedra caindo em um poço fundo — mas sorte não dura três meses. Nem salva todos. Nem esconde trilhas sob o nariz dos melhores caçadores do meu reino.
Ele desceu do trono, passos pesados que ecoavam como trovões nas paredes. Parou diante do mapa esculpido na pedra.
— Não são só humanos... há outra coisa com eles. Uma mão invisível. Um olhar que vê além do alcance. Algo... que não deveria existir fora do meu domínio.
Ele tocou um ponto no mapa — uma antiga floresta ao norte.
— Continuem. Não parem. Quero ossos, ou nomes. Tragam a verdade ou tragam a morte.
Virou-se, subindo novamente para o trono.
— Eles vão errar. E quando errarem...
Val’Khar, o Rei Sombra, estará esperando.
O Pressentimento de Sangue
A floresta estava quieta demais.
Lisa movia-se com leveza entre as árvores, pés descalços sobre folhas úmidas, o arco de madeira curvada pendendo em suas costas. O frio da manhã mal tocava sua pele. Ela ouvia cada som — o roçar de galhos, o eco de um corvo solitário, o bater de asas de um inseto. Aquilo era parte dela.
De súbito, parou. Um cheiro familiar no ar: cervo. Estava perto. Ela se agachou entre as raízes retorcidas, preparando o disparo.
Mas então veio.
Como uma pancada no peito. Como se a floresta desaparecesse por um instante. Os olhos verdes de Lisa se dilataram, fixos no vazio. A imagem tomou sua mente com a força de uma avalanche.
Cinzas espalhadas. Sangue pisado na neve. Garras. O som de uivos ao longe. E atrás disso tudo, uma sombra maior que qualquer besta.
Eles vinham. Com mais força. Com mais ódio.
Val’Khar havia sentido algo. Agora não viriam só com rastreadores... viriam em peso.
Ela respirou fundo. Os olhos voltaram ao presente. O cervo fugira, mas isso não importava mais.
Lisa se levantou e correu.
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Na Clareira
— Vamos reforçar a alimentação — disse Lisa, ao entrar no pequeno acampamento. Os poucos caçadores reunidos se calaram imediatamente. Ela não gritava. Não mandava. Só falava — e todos obedeciam. — A próxima viagem será longa. Ninguém dorme hoje. Precisamos partir antes do amanhecer.
— O que houve? — arriscou perguntar uma jovem, puxando as alças de um cesto com raízes.
— Eles estão vindo. Mais rápido. Mais fortes. Não vão errar o rastro outra vez — respondeu Lisa, já pegando seu manto.
— De novo? — murmurou um ancião.
— Dessa vez, nem os olheiros ficam pra trás — ela disse, firme. — Nem um. Ninguém será deixado. Nem velhos. Nem crianças. Nem doentes. Temos um lugar seguro ao sul. Se andarmos sem parar, podemos chegar em três dias.
— Como você sabe...? — alguém começou a perguntar, mas logo calou-se. A pergunta nunca era completada. Eles sabiam que Lisa sabia. Sempre soubera. E se ainda estavam vivos, era porque ela existia.
Lisa se abaixou para amarrar a capa ao redor de uma menina pequena, depois ajudou um homem idoso a levantar com sua bengala.
— Preparem tudo. Comida, água. Escondam os rastros. Acendam fogueiras falsas a oeste, para despistá-los.
E então, num tom mais baixo, para si mesma:
— Porque desta vez, o rei virá com olhos abertos.
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Atualizado até capítulo 40
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