Cléo olhou para ela, séria, mas com um brilho de excitação nos olhos.
— É o único jeito de entender o que está acontecendo. E... eu sinto que precisamos ouvir essa música. Que ela quer nos contar algo.
Elas caminharam em silêncio pelas ruas do bairro antigo, onde a cidade se misturava com os prédios esquecidos pelo tempo e as calçadas rachadas. A noite trazia um vento frio que fazia as luzes piscarem como velas cansadas.
Quando viraram a esquina, Bárbara apontou para uma casa meio distante do vilarejo. As janelas estavam abertas e as cortinas balançavam com o vento. A luz amarelada do abajur iluminava uma figura elegante, sentada ao piano.
Era uma mulher alta, cabelo comprimido preto, que caía sobre os ombros como uma sombra viva. Ela usava um vestido lilás que parecia brilhar sob a luz fraca, e seus dedos se moviam com uma graça hipnotizante sobre as teclas.
A música era um jazz lento e melancólico, com acordes que ecoavam pela rua, misturando o cheiro de asfalto molhado e fumaça de escapamento. Um toque urbano que fazia o coração bater no mesmo compasso do piano.
Bárbara apertou o braço de Cléo.
— Quem é ela?
Cléo não conseguia tirar os olhos da cena.
— Não sei..., mas parece que sempre esteve ali. Como se fizesse parte da cidade
— Bárbara toca a campainha, vai que ela atende — sugeriu Cléo, ansiosa.
Bárbara respirou fundo, aproximou-se do portão enferrujado e apertou o botão. Um som grave e meio distorcido ecoou pela rua silenciosa. A música parou de repente. As teclas do piano ficaram mudas como se a cidade inteira prendesse a respiração.
Cléo apertou a campainha de novo, o dedo hesitando no botão.
A mulher de vestido lilás apareceu no vão da porta, iluminada apenas pela luz âmbar que escapava do abajur antigo. Seu rosto tinha um contorno afiado, e a pele parecia pálida como porcelana. O cabelo comprimido preto escorria pelos ombros, e seus olhos eram tão escuros quanto a noite.
— Quem são vocês? — a voz dela era ronca, rouca, como se cada palavra fosse um segredo. — O que fazem aqui, incomodando minha música?
Bárbara tentou sorrir, mas sentiu um arrepio no corpo.
— Desculpe, senhora. É que… ouvimos o piano. Estávamos curiosas.
A mulher inclinou a cabeça, como se pesasse cada palavra.
— Curiosas? — ela repetiu. — Curiosidade, às vezes, leva a lugares de onde não volta
— Na verdade temos uma outra curiosidade — falou Cléo, a voz baixa mas firme, enquanto a mulher a observava com um ar de quem já sabia demais.
A mulher ficou desconfiada, ergueu a sobrancelha, franzindo levemente os lábios pintados de vinho escuro.
— O que seria? — perguntou, com um tom que mesclava desdém e interesse.
Cléo enfiou a mão no bolso do casaco e puxou a pequena bússola de metal. O objeto parecia antigo, com a capa arranhada e a rosa dos ventos girando de forma errática.
Ela a ergueu, como se fosse um amuleto.
— Encontramos essa bússola perto do antigo cais — disse Cléo. — E parece que ela tem alguma conexão com o que você toca… ou com o que você guarda.
A mulher de vestido lilás estreitou os olhos, como se estivesse tentando ler a alma de Cléo apenas com o olhar. A música do piano parecia ainda ecoar em silêncio ao redor delas, como se a noite tivesse guardado cada nota em segredo.
Por um momento, ninguém se mexeu.
Então a mulher respirou fundo e abriu a porta um pouco mais.
— Entrem — disse ela, com a voz agora quase um sussurro. — Mas lembrem-se: às vezes, a bússola não mostra o caminho que você quer. Mostra o que você precisa.
Elas entraram na casa da mulher, e a porta se fechou atrás delas com um rangido pesado que soou como um aviso.
Bárbara estava assustada. O coração batia rápido, a respiração curta. Elas não deveriam estar ali — era a única coisa que ecoava em sua mente, um alerta silencioso. Como poderiam confiar naquela mulher que parecia ter saído de um sonho antigo, ou de um pesadelo?
A mulher as conduziu por um corredor estreito, onde retratos em preto e branco de marinheiros cobriam as paredes. Homens com uniformes antigos, chapéus de aba larga e olhares duros, como se desafiassem o tempo e o destino.
Chegaram à sala de estar, onde o piano repousava ao lado de uma estante de livros poeirentos. A mulher se sentou em um sofá de veludo gasto, cruzando as pernas com a elegância de quem sabe exatamente onde pisa.
— Eu nem perguntei nomes de vocês
—Eu chamo-me Cléo e essa é minha irmã Bárbara
— Prazer, eu me chamo Isabelly
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Atualizado até capítulo 44
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