CAPÍTULO I – SILÊNCIO, SUBMISSÃO E SEDA

O caminho até o apartamento do Rick pareceu uma eternidade. Eu parecia um zumbi no reflexo da janela. Meus dedos tremiam sobre minha bolsa. O que vi me perseguia como uma sombra grudada nos olhos. A imagem grudada nas pálpebras. O silêncio do carro era opressor. Nem o rádio, nem o som da cidade conseguiam me distrair.

Quando cheguei, Rick já me esperava na porta, descalço, com uma taça de vinho na mão e outra esperando por mim. O aroma do Malbec já invadia o corredor.

Rick – Você está branco. Ele disse, abrindo espaço para que eu entrasse.

Eu só consegui balançar a cabeça, passar por ele em silêncio e me jogar no sofá, como se meus ossos tivessem derretido. Levei as mãos ao rosto, afundando os dedos no cabelo, cobrindo os olhos. A pressão contra as têmporas era quase reconfortante. Quase.

Rick me observava da cozinha, apoiado no batente, a expressão entre a preocupação e a curiosidade. – Ian...

Eu – Eu vou ser demitido. Sussurrei, sem tirar as mãos do rosto. –  Droga! Eu não posso perder esse emprego, Rick. Eu lutei tanto pra conseguir. Eu... eu não abro mão. Não posso.

Rick – Ei. Calma. Vem cá.

Ele se sentou ao meu lado e colocou a taça em minha mão como quem oferece abrigo. O cristal estava gelado, úmido de condensação. O vinho tinha um tom profundo, escuro como o que eu sentia dentro do peito.

Rick – Respira... Ele pediu, a voz firme, mas gentil. – Bebe um pouco. E agora me conta... o que aconteceu?

Respirei fundo. O aroma encorpado do vinho me invadiu antes mesmo de tocar os lábios. Dei um gole curto, apenas o suficiente para aquecer a garganta. E então me larguei contra o encosto do sofá, a cabeça virando lentamente em direção a ele.

Eu – Você lembra que eu te falei que o sr. Seo Joon é reservado, né?

Rick – O cara que só fala com você por e-mail, mesmo sentado a dois metros? Sim.

Eu – Isso. E você também sabe que ele não gosta de gente circulando fora de hora na empresa...

Rick assentiu com a cabeça.

Eu continuei. –  Então... hoje à noite, depois que ele foi embora, ou pelo menos achei que tinha ido... Eu fiquei no escritório, resolvi antecipar meu trabalho de amanhã, já que não estava com pressa.

Rick – E ele estava lá?

Eu – Sim. Travei por um segundo. Meu coração acelerou de novo, como se estivesse naquele momento mais uma vez. – Mas ele não estava sozinho.

Rick ergueu uma sobrancelha. Eu sabia o que ele estava pensando, e me apressei em negar:

Eu – Não era um encontro romântico. Não era... aquilo.

Rick – Tá, então o quê?

Eu olhei para o vinho. Para o reflexo do meu rosto no líquido rubro. E disse, com a voz mais baixa do que pretendia:

Eu – Eu não sei se posso contar... ou se devo. É algo íntimo.

Rick – Agora você me deixou mais curioso ainda. Conta logo, você sabe que não sairá daqui de qualquer forma.

Respirei fundo. Até relembrar a imagem, me roubava o ar. – Tudo bem, mas vou contar do início. Acho que cometi um erro imperdoável!

Rick – Você?! Duvido!

Eu – Deixa eu te contar para você chegar a uma conclusão... Saí um pouco mais tarde do meu horário, estava acompanhando uma reunião sobre o orçamento trimestral e fiquei responsável pela Ata. Resolvi finalizar hoje, mesmo que passasse do meu horário, assim poderia colher as assinaturas amanhã pela manhã. Após terminar, fui a copa tomar um café e passar o tempo, pois estava chovendo muito e não consegui um carro de aplicativo para voltar para casa. Aproveitei para dar uma olhada nas minhas redes sociais e me distrair um pouco. Quando voltei a minha mesa para recolher minhas coisas e ir embora, encontrei a sala do sr. Seo Joon entreaberta e uma luz baixa saindo por ela. Estranhei, ele havia se despedido de mim um pouco mais cedo.

Rick sorriu, a malícia estampando seu olhar.

Eu – Não é o que você está pensando! Fui até a porta, no intuito de verificar se estava tudo bem e apagar as luzes. Bati na porta, mas não houve resposta, então entrei. Só posso imaginar que minha cara era de choque. Senti meu rosto queimar e saí de lá o mais rápido que pude, mas não antes de capturar toda a cena que se desenrolava. O sr. Seo Joon estava ajoelhado em frente a sua cadeira, sem o paletó e a gravata, os botões de sua camisa abertos, seus braços presos ao corpo por uma corda vermelha, com vários nós elaborados, percorrendo todo seu abdômen. Seu cabelo estava solto, caindo por seu ombro enquanto seu olhar recaia para baixo, em submissão.

Rick – Espera! Não me diga que ele é um submisso?

Encarei Rick. – Não... quer dizer, ele não tem nada de submisso, pelo contrário, ele é dominador em tudo.

Rick riu. – Continua, depois eu te explico.

Eu assenti. – Na sua frente, uma linda mulher, loira, alta, vestida com um elegante vestido preto, colado ao seu corpo. Seu cabelo pendia em um lindo rabo de cavalo por suas costas, chegando na altura de sua cintura. O salto agulha alto, de couro preto reluzente e solado vermelho, estava ameaçadoramente próximo a virilha dele, enquanto ela segurava a ponta da corda que o amarrava em uma das mãos. Sua postura dizia que ela estava no comando e que poderia fazer o que quisesse.

Rick – Uma dominatrix. O Seo Joon é um submisso.

Eu encarei Rick ainda sem entender o que ele queria dizer.

Rick – Ian, pelo amor né?! Era uma cena de BDSM, eles estavam em um momento de dominação/submissão.

Assenti, as peças se encaixando em minha mente. – Vou continuar. Quando entrei, os dois se assustaram, os olhos do sr. Seo Joon faiscaram, me fazendo estremecer. Eu saí disparado, pegando minha bolsa sobre a minha mesa e descendo pelas escadas de emergência, não me dispus a esperar o elevador.

Rick riu. – Eu teria assistido um pouquinho a mais.

Eu – Rick, para com isso! Não sei o que farei. Até agora, ele não me mandou nenhuma mensagem ou e-mail. Também não me ligou. Não sei nem se preciso ir amanhã.

Ficamos em silêncio por um instante, apenas o som do vinho deslizando no cristal e o pulsar descompassado no meu peito preenchiam o ambiente.

Rick – Ian... você não vai ser demitido por isso. Ele tentou me tranquilizar. – Eles estavam fora do expediente, em situação pessoal. Você não fez nada de errado.

Eu – Mas ele é o diretor. E se isso for um segredo absoluto? E se ele entender isso como uma invasão de privacidade?

Rick – Pode ser que sim, mas... você viu algo que, claramente, não era para ser visto. E o que você vai fazer com isso?

Olhei de novo para o vinho, depois para minhas mãos. E, pela primeira vez desde que tudo aconteceu, percebi que elas não estavam só tremendo de medo. Estavam inquietas. Não era só medo. Tinha algo mais. Um pensamento escondido nas entrelinhas da minha mente, como um sussurro indecente em uma sala de reunião.

Rick pareceu perceber. – Ian... tem algo mais, não tem?

Demorei alguns segundos, mas enfim admiti. – Desde que vi aquilo... eu não paro de pensar no Seo Joon. Seu corpo exposto. Sua posição submissa.

Rick – Seo Joon? Cadê o senhor na frente.

Eu – Para com isso Rick! O que eu vou fazer?

Rick sorriu e jogou um de seus braços sobre meu pescoço, me puxando para mais perto, enquanto me servia mais uma taça de vinho. O resto da noite passamos em silêncio, somente bebendo, cada um perdido em seus pensamentos. Rick sabia que eu precisava pensar e sempre respeitava isso. Passei a noite em seu apartamento. Precisava espairecer.

***

Mal preguei os olhos. Aproveitei que Rick e eu vestimos quase o mesmo número e assaltei seu guarda-roupa. O caminho para a empresa pesava como uma sentença de morte. O ar estava parado, não conseguia prestar atenção aos sons ao redor e não percebi quando chegamos ao prédio. Paguei o taxista e saí do carro, sendo recebido pelo porteiro. Tentei devolver seu sorriso, mas só posso dizer que tudo que fiz foi esboçar um arremedo de sorriso.

O som do elevador chegando ao andar, me arrancou dos meus pensamentos, me fazendo suspirar fundo. Após apertar o botão do último andar, me encolhi no fundo do elevador, rezando para que ninguém puxasse assunto. Acho que minhas preces foram ouvidas e pude manter o foco no caos dos meus pensamentos.

Segui para minha mesa e, como de costume, separei os documentos que exigiam atenção imediata e os organizei na mesa do sr. Seo Joon. Meus olhos se demoraram um pouco mais pelo ambiente, que parecia intocável, como sempre. A cena me invadiu em um rompante e engoli em seco ao relembrar os contornos do corpo dele, sua pele sob a amarra e seu olhar submisso.

Me sacudi mentalmente, saindo daquele torpor e voltei para minha mesa, me obrigando a prestar a atenção na planilha a minha frente. O som do elevador chegando ao andar, me fez dar um pulo.

O sr. Seo Joon saiu do elevador, vestido em um lindo terno grafite, que acentuava suas curvas, seu cabelo preso em um perfeito coque samurai, todos os detalhes perfeitamente no lugar. Prendi o ar. Ele passou por mim, fazendo um breve aceno, como sempre, e seguiu para sua sala. Só então que eu percebi que segurava minha respiração e soltei um suspiro profundo, tentando me controlar.

O dia passou entre reuniões. Eu evitei ficar muito tempo a sós com ele, mas nos momentos em que estivemos juntos, ele apenas me passou as orientações sobre os relatórios que precisavam ser atualizados e mais algumas demandas da diretoria. Mal tive tempo de almoçar. Quando ele saiu para um compromisso externo que não requeria minha companhia, aproveitei para comer algo.

Encontrei duas secretárias que comentavam sobre o sr. Seo Joon. Elas haviam acompanhado a reunião da manhã, e como quase todos naquela sala, não conseguiam tirar os olhos dele. Elas estavam comentando como um homem tão lindo podia ser tão duro. Uma delas disse que ele hoje estava excepcionalmente bonito, mesmo quando seu olhar impunha medo em todos naquela sala, inclusive nos outros diretores. Eu não pude deixar de rir, ele realmente sabia se impor só com o olhar.

No final do dia, o sr. Seo Joon se despediu de mim, como sempre, após revermos sua agenda de amanhã. Ele não tocou no assunto da minha intromissão de ontem. Meu alívio foi imenso, não quero sair desse emprego, além do alto salário, é uma excelente posição para meu desenvolvimento e meu currículo.

Mas havia algo me atormentando. Nas poucas horas que consegui dormir, sonhei com a cena que vi. Não exatamente igual, mas eu sonhei com o sr. Seo Joon amarrado a uma cadeira, sem sua camisa, o olhar baixo de submisso. Mas quem segurava a ponta da corda era eu.

Acordei sem fôlego. O sr. Seo Joon é um homem atraente e bonito. Apesar de sua personalidade austera, sua presença é marcante.

Ele é alto, facilmente tem 1,90 de altura, e forte. Seu corpo é definido, seus músculos visíveis sob os ternos de cortes justo que costumava usar. Com ombros largos, a cintura um pouco mais fina e coxas grossas, é um belo homem. Seu torso é composto por músculos perfeitamente definidos (apesar de ter olhado por instantes, não tive como não prestar atenção).

Seu rosto tem os traços característicos de sua ascendência coreana, com lábios carnudos e delicadamente delineados, seu nariz pequeno e reto, completados por olhos castanhos profundos e intrigantes. Seus cabelos são longos, na altura do ombro, emoldurando seu belo e austero rosto. Ele está na casa dos trinta, mas sua aparência é de um homem mais jovem. Ele realmente é uma visão, mas seu temperamento me assusta.

Esse sonho me fez acordar excitado. A mera ideia de eu dominar esse homem me excitava. Mas eu precisava dissipar qualquer pensamento que fizesse menção de ir por esse caminho.

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Comments

Author: Carola Borges

Author: Carola Borges

Malbec é perfume de homem que não presta ( meu irmão usa)

2025-06-19

2

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