Magia e superstição

O carro de Eron era um Toyota 4Runner preto fosco. O interior tinha um cheiro amadeirado, discreto, mas marcante. Maya entrou no banco do passageiro e puxou o cinto, cruzou os braços e olhou pela janela enquanto ele dava a volta e sentava no banco do motorista.

— Cinto? — perguntou ele, ligando o motor.

— Sempre.

O carro deslizou pela estrada estreita, deixando para trás a casa, a música e as luzes vibrantes. Lá fora, a floresta era um túnel escuro, as árvores pareciam se curvar sobre a estrada como se escutassem tudo em silêncio.

Por alguns minutos, nenhum dos dois falou. Era um silêncio confortável, mas denso. Até que Eron quebrou o clima com uma pergunta inesperada:

— O que te trouxe pra cá, Maya?

Ela hesitou.

— Meu pai cresceu aqui. Quis... reconectar, talvez. Entender um pouco mais dele. Ele faleceu no ano passado.

— Sinto muito.

— Obrigada. — Ela encarou a estrada à frente. — Ele sempre falava desse lugar como se fosse mágico, sabe? Mas minha mãe odiava. Achava tudo superstição. Cresci no meio desses dois mundos.

Eron assentiu, com um meio sorriso.

— Talvez você seja feita dos dois.

— Como assim?

— Um pé no chão... e o outro na névoa.

Maya olhou para ele, intrigada.

— Você sempre fala assim? Meio poético, meio enigmático?

— Só quando me interesso por alguém.

Ela desviou o olhar, disfarçando o sorriso.

— Charme barato.

— Mas funcionou.

Ela riu.

— Talvez um pouco.

Mais alguns minutos em silêncio. A estrada se estendia à frente como um fio negro entre as árvores. Lá fora, o vento assobiava de leve, carregando o cheiro de folhas úmidas e terra fria.

— Você acredita nessas coisas? — ela perguntou de repente. — Lendas. Tribos antigas. Maldições.

Ele olhou para ela de relance, depois voltou os olhos para a estrada.

— Acho que toda lenda nasce de alguma verdade. Mesmo que deturpada com o tempo.

— Mas você acredita... mesmo?

Eron sorriu, mas não respondeu de imediato.

— E você? — devolveu a pergunta.

— Eu costumava rir dessas histórias. Mas ultimamente... — ela fez uma pausa — tenho tido sonhos estranhos. Sensações. Como se algo estivesse prestes a acontecer. Algo grande.

Eron olhou para ela mais uma vez, e dessa vez o sorriso desapareceu.

— Talvez esteja.

Por um bom tempo, o som do motor foi a única coisa quebrando o silêncio, e Maya percebeu como o ambiente parecia diferente do que ela imaginava. Não havia mais a vibração da festa, nem o barulho dos outros — apenas ela e Eron, ali, dividindo o espaço estreito de um carro, a estrada vazia e as sombras das árvores que passavam ao lado.

— Estamos chegando... — disse Maya, de repente, quebrando o silêncio.

Eron olhou para ela, mantendo o foco na estrada.

— Parece que a viagem acabou, não é?

Ela deu um sorriso de canto, sentindo uma sensação estranha.

— Pois é. — Maya olhou pela janela, observando as luzes de sua casa se aproximando no horizonte. — Chegando à minha caverna. Aqui é onde tudo começa e termina.

— Uma caverna? — Eron riu. — Me parece mais como um refúgio. A gente sempre tem um, não é?

Ela não respondeu de imediato. Era estranho, mas sua casa sempre pareceu um lugar seguro... até recentemente. Algo naquelas paredes parecia ter mudado. Um peso. Uma sensação.

O carro virou na entrada da casa de Maya, um portão simples de madeira, que rangia levemente quando o veículo passou. Eron estacionou e desligou o motor. Maya ficou um momento em silêncio, encarando a casa lá na frente.

— Aqui estamos — disse ela, com um sorriso forçado.

Eron ficou em silêncio por alguns segundos antes de finalmente falar.

— Eu posso... esperar aqui, se você quiser.

Maya olhou para ele, percebendo que ele falava sério. Não era uma simples oferta de educação, mas algo mais. Ele estava esperando algo. Talvez, uma resposta.

— Não precisa — disse ela, soltando o cinto de segurança. — Só... eu realmente não tenho gostado de ficar sozinha aqui, ultimamente.

Eron olhou para ela com mais atenção agora, seus olhos estudando cada movimento. Havia uma suavidade ali, uma sensibilidade que ele não havia mostrado antes.

— Eu entendo. Se precisar de companhia... — Ele deu de ombros, um gesto casual, mas com um fundo de sinceridade. — Eu vou estar por perto.

Ela deu um sorriso mais verdadeiro agora, agradecendo o gesto.

— Vou lembrar disso.

Antes de sair do carro, Maya hesitou por um segundo e, sem pensar muito, disse:

— O que você disse antes... sobre as lendas e tal... você acha que há algo mais acontecendo aqui? Algo que a gente não entende?

Eron a observou, o sorriso se desfazendo lentamente.

— Como eu disse... toda lenda tem alguma verdade. Mas, no final, a verdade é sempre mais estranha do que imaginamos.

Maya permaneceu quieta, absorvendo suas palavras. Ela já sentia que o seu retorno a Nawaniuk não tinha sido um simples acaso.

— Vou pensar sobre isso. — disse ela, finalmente. — Boa noite, Eron.

— Boa noite, Maya.

Ela saiu do carro e, enquanto caminhava em direção à porta de entrada, um frio estranho percorreu sua espinha. Não sabia se era o vento da noite ou algo mais profundo. Algo que ela mal podia entender, mas que sentia, de alguma forma, que estava mais perto a cada momento.

Eron permaneceu ali, sentado no carro, observando ela entrar. A noite estava mais escura agora, mas ele não se moveu, apenas ficou ali, como se esperasse algo. Algo que ele sabia que estava prestes a acontecer, mas que Maya ainda não conseguia perceber.

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Comments

Paulo St

Paulo St

Que indireta mais direta em... kkkk

2025-06-18

1

Paulo St

Paulo St

muito bom

2025-06-18

0

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