Capítulo 2

O dia amanheceu fresco, com uma brisa suave que balançava as folhas das árvores no caminho até a faculdade. O ar carregava aquele cheiro característico de outono, misturado com o aroma de café das bancas de rua. Eu respirei fundo, tentando aproveitar a calma antes das aulas começarem, mas sabia que, cedo ou tarde, minha mente voltaria a se encher de preocupações. Marian me esperava no portão, como sempre. Desde que eu havia confidenciado meu segredo a ela, seus olhos ficavam mais atentos, cheios de perguntas não ditas.

— Você está bem? — perguntou, ajustando a mochila nos ombros enquanto caminhávamos.

Eu sorri, mas era um sorriso curto, quase automático.

— Estou. Só fico mal quando os sete dias estão chegando ao fim. Dá para contar as horas até tudo começar a desmoronar.

Era assim sempre: uma contagem regressiva silenciosa, um relógio invisível marcando cada segundo que me aproximava do limite. Mas eu havia decidido que, desta vez, não me deixaria consumir pela ansiedade antes do tempo. Sofreria apenas quando o sétimo dia chegasse. Antes disso, queria viver sem me preocupar a cada instante, porque, no fundo, eu sabia que essa angústia constante só tornava tudo pior.

A aula de teatro começou como sempre, com a energia inquieta dos alunos se espalhando pelo espaço. Erika, nossa professora, era uma figura imponente. Ela ministrava várias disciplinas do curso e, por isso, estava presente em quase todos os nossos dias. Seu jeito intenso e metódico fazia com que cada atividade fosse calculada ao milímetro, como se ela estivesse sempre um passo à frente, analisando cada gesto, cada reação. Naquele dia, ela propôs um exercício em duplas.

— Fiquem frente a frente e mantenham contato visual por cinco minutos, em silêncio — explicou, com um tom que não admitia questionamentos.

— Isso fortalece a cumplicidade cênica, a capacidade de ler o outro sem palavras.

Normalmente, eu fazia par romântico com Vicente, e até imaginei que seria com ele. Afinal, fazia sentido fortalecer nosso vínculo, já que interpretávamos personagens envolvidos nas peças. Mas Erika, com sua sagacidade afiada, decidiu outra coisa.

— Leo e você. — anunciou, apontando para nós dois.

Meu estômago embrulhou. Leo era… complicado. Distante, quase indiferente. Raramente trocávamos mais do que palavras necessárias, e mesmo assim, era como se eu fosse invisível para ele. Havia algo na maneira como ele se portava, uma arrogância disfarçada, um ego que transbordava em gestos mínimos. Não gostava da presença dele, e a ideia de encará-lo por cinco minutos inteiros me deixou com os nervos à flor da pele. Ele se aproximou com um sorriso debochado, sentando-se à minha frente sem cerimônia.

— Pronta? — perguntou, já me encarando com intensidade antes mesmo de eu responder.

Não houve um "oi". Apenas aquele olhar penetrante, como se ele estivesse determinado a extrair algo de mim à força. Cruzou os braços e inclinou-se levemente para frente, como se estivesse diante de um desafio. Respirei fundo, tentando me concentrar, mas foi impossível não desviar o olhar. Mal haviam se passado dois minutos quando ele soltou um suspiro irritado.

— Você não está levando isso a sério?

— Ainda estou me concentrando! — retruquei, sentindo o calor subir pelo meu rosto.

— Você começou muito rápido.

— Então devemos parar a atividade, certo? — provocou, com um tom que beirava o sarcasmo.

— Claro que não! — gritei, mais nervosa do que gostaria de admitir.

Para minha surpresa, a resposta pareceu acalmá-lo. Ele ficou sério de repente, como se minha reação tivesse dado a ele o que queria. Dessa vez, quando nossos olhos se encontraram novamente, não desviei.

Seus olhos eram escuros, quase negros, e profundos como um abismo. Havia algo neles que me perturbava, uma intensidade que parecia querer me devorar, como se ele conseguisse enxergar além das minhas palavras, além da minha máscara. Foi assustador. Desconfortável. Mas, no fundo, eu sabia que era apenas um exercício. Uma cena como qualquer outra.

Quando os cinco minutos finalmente terminaram, soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Leo se levantou imediatamente, sem uma palavra, sem um aceno. Apenas virou as costas e se afastou, deixando-me com um misto de alívio e irritação.

— Que sujeito insuportável. — murmurei, mais para mim mesma do que para qualquer outra pessoa.

No intervalo, Marian não perdeu tempo.

— Então… — começou, puxando-me para um canto mais isolado da cafeteria.

— Você ainda precisa beijar alguém antes que os sete dias acabem, né?

Eu revirei os olhos.

— Ainda tenho cinco dias. Está tudo sob controle.

— E quando chegar perto do limite? O que você vai fazer se não tiver nenhuma cena de beijo marcada?

— Já passei por isso antes, Marian. Sempre dou um jeito — respondi, tentando soar mais confiante do que me sentia.

Ela franziu a testa, preocupada.

— Mas isso significa que você já beijou… quantos caras?

— Não fica contando! — exclamei, sentindo um pouco de vergonha.

— Na maioria das vezes, eu aproveitava as cenas. Não preciso esperar até o último minuto. Se eu conseguir um beijo antes, ganho mais sete dias. Estou tentando ver o lado positivo.

Marian suspirou, mas seus olhos brilharam com compreensão.

— Deve ser muito difícil…

Ela era assim: Sensível, atenta, sempre tentando encontrar uma maneira de me ajudar. Ficou pensativa por um momento, como se estivesse montando um plano mental. Antes que pudesse dizer mais, porém, Vicente e Davi nos chamaram para se juntar a eles na cafeteria.

Eram bons amigos, mas não próximos. Nosso relacionamento era mais profissional, como colegas de trabalho. As conversas giravam em torno do curso, dos professores, das próximas peças. Mas, naquele momento, qualquer distração era bem-vinda.

Enquanto caminhávamos, senti o peso do segredo pressionando meu peito. Mais cinco dias. Cinco dias para encontrar uma solução. E, de alguma forma, a imagem dos olhos negros de Leo ainda pairando em minha mente não me deixava em paz.

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