O sol mal havia despontado no horizonte, tingindo de dourado os prédios frios de Milão, quando Stefan Vitale ligou o motor de sua Maserati. O ronco do motor era familiar, reconfortante, mas nada naquele dia o deixava à vontade. A cidade seguia seu curso habitual: veículos apressados, engravatados correndo para reuniões, cafés sendo servidos nas esquinas. Mas Stefan não seguia para sua empresa, como fazia todas as manhãs. Hoje, o destino era outro. Um prédio afastado do centro, luxuoso, protegido por paredes de mármore branco e segredos milenares — sede do Conselho.
Yuri, seu braço direito, ocupava o banco do carona em silêncio. Sabia reconhecer o vulcão prestes a explodir quando olhava para Stefan. Os dedos do patrão tamborilavam no volante, a mandíbula tensa, o olhar perdido no asfalto. Estava longe dali. Longe demais.
— Ele escondeu isso de mim, Yuri — murmurou Stefan, como se falasse consigo mesmo. — O Paolo… meu próprio irmão.
Yuri engoliu seco, mas não respondeu. Nada do que dissesse amenizaria o furacão que Stefan carregava no peito.
Chegaram. O prédio do Conselho impunha respeito com sua fachada clássica mármores e vidros espelhados, que não refletiam nada além de poder. Dois seguranças abriram os portões automaticamente. Sem hesitar, Stefan subiu os degraus de mármore, seguido por Yuri.
A porta do escritório de Mateo, o Consigliere, abriu com violência. Stefan entrou sem bater. Seus olhos cravaram nos de Mateo como lâminas.
— Por que Paolo escondeu uma filha? — disparou. — Por que diabos eu nunca soube disso?
Mateo, sentado à mesa com um copo de conhaque, somente sorriu. Era o tipo de sorriso que irritava profundamente Stefan: provocativo, superior.
— Porque, caro Stefan, nem todos os segredos pertencem a você — disse, com a voz tranquila. — Esse era de Paolo. E como todo segredo importante, tinha seu tempo certo para ser revelado.
Stefan deu um passo à frente, ameaçador.
— E esse tempo seria quando?
— Quando ela completasse dezoito anos — respondeu Mateo, cruzando as mãos sobre a mesa. — E faltam alguns meses para isso acontecer.
O sangue subiu à cabeça de Stefan, mas ele se manteve em pé, rígido. Mateo continuou, sua voz agora carregada de cinismo.
— Você vive brincando de empresário civilizado, Stefan. Fingindo que o mundo do crime não te pertence mais, que é apenas um homem de negócios. Mas o sangue da família Vitale corre em suas veias. E agora chegou a hora de honrá-lo.
— Isso é um jogo, Mateo? — rosnou Stefan. — Está me dizendo que sou o último a saber porque me recuso a me curvar ao Conselho?
— Não — disse Mateo, erguendo o copo de conhaque. — Estou dizendo que, enquanto você não aceitar o lugar que o seu pai Enzo queria como Don, será sempre o último a saber.
Stefan cerrou os punhos. Yuri, atrás dele, se aproximou discretamente, temendo que ele perdesse o controle.
— E tem mais — disse Mateo, saboreando cada palavra como veneno. — A garota... Zoe... Ela seria uma excelente esposa para você.
O mundo parou.
— O quê? — A palavra saiu da boca de Stefan como um tiro.
— Uma união perfeita — continuou Mateo, como se estivesse selando um contrato. — Sangue puro. Fortaleceria o nome Vitale.
Stefan se aproximou da mesa, os olhos faiscando de raiva.
— Ela é minha sobrinha!
— E isso nunca impediu grandes dinastias, meu caro — murmurou Mateo, com um sorriso frio.
— Você é louco. — Stefan cuspiu as palavras. — Eu jamais... jamais faria isso.
Mateo apenas deu de ombros.
— Sua responsabilidade é cuidar dela agora. Até que esteja pronta. E isso inclui protegê-la, mantê-la por perto... Prepará-la.
— Eu não sou babá de adolescente mimada — rebateu Stefan, tentando manter a voz firme.
Mateo levantou-se, encarando-o.
— Você seria tão tolo a ponto de me desafiar?
O silêncio caiu como uma guilhotina.
Stefan hesitou por um segundo. E então se virou, sem dizer mais nada, saindo da sala como uma tempestade silenciosa, deixando Yuri para trás.
No carro, ainda sem conseguir respirar direito, o celular vibrou. O toque estridente que Stefan havia configurado para emergências.
— Fala — disse, com voz áspera.
Do outro lado, Yuri soava preocupado.
— Tivemos problemas no cassino. Uma das máquinas foi fraudada. Um roubo interno.
Stefan respirou fundo, controlando o turbilhão de emoções.
— Descubra quem foi — ordenou. — E me diga se vai ser na bala ou no alicate.
Ele desligou sem esperar resposta. Traição era algo que ele não tolerava. Era uma linha que ninguém cruzava e voltava vivo.
Horas depois, já na mansão Stefan se mantinha trancado no seu escritório. Um copo de uísque intacto em cima da mesa. O rosto entre uma das suas mãos. Zoe. Aquela maldita garota agora fazia parte da sua vida. Não por escolha. Por sangue.
Yuri entrou sem bater, o rosto grave.
— Encontramos o sujeito. Está no térreo.
Stefan se levantou com fúria contida. Aquele era seu terreno. Seu refúgio. E seu campo de tortura.
Antes de sair do escritório, olhou para Yuri por cima do ombro.
— Amanhã. Vá até a casa dela. Traga Zoe para cá.
Yuri hesitou.
— Tem certeza?
— Absoluta — respondeu Stefan, frio como gelo. — Mas se ela acha que vai viver em um conto de fadas, está muito enganada.
Stefan abriu a pesada porta metálica com um rangido agudo, o som ecoando pelo corredor de concreto úmido como o anúncio de uma sentença de morte. O cheiro de ferrugem, mofo e sangue velho impregnava o ar. As luzes fluorescentes piscavam com uma lentidão sádica, lançando sombras irregulares nas paredes manchadas. Lá embaixo, o traidor estava amarrado à velha cadeira de ferro no centro do salão. Suas mãos atadas atrás das costas, os tornozelos presos por correntes. Sangue seco colava-se à sua boca e à camisa rasgada. Mas Stefan não ligava para isso. Ainda não.
Yuri, de terno escuro impecável, permanecia encostado em um dos pilares, observando em silêncio, como um cão de guarda leal e frio. Não havia pena em seus olhos — apenas paciência. Ele sabia o que viria. E, no fundo, talvez até estivesse curioso para ver até onde Stefan iria.
Stefan desceu os últimos degraus devagar, os passos ecoando com um peso que não era apenas físico. Ainda sentia a maldita conversa daquela manhã martelando dentro da cabeça. O Consigliere ousara desafiá-lo, levantando dúvidas sobre suas decisões, sobre sua frieza, sobre sua capacidade de manter o nome da família intacta. Dizia-se preocupado com Zoe, com o legado Vitale... Com moral. Aquilo havia sido como vinagre em carne viva. Ele precisava descontar em alguém. Alguém que merecesse.
E ali estava ele. O verme que fraudou uma de minhas máquinas dos cassinos. Uma máquina nova. Uma das mais lucrativas. O desgraçado havia redirecionado o sistema interno para desviar parte dos ganhos para uma conta criptografada. Audacioso. Burro. Imperdoável.
— Sabe qual é o problema com ratos? — disse Stefan, tirando as luvas de couro preto dedo por dedo, com a calma de um cirurgião antes da incisão. — Eles sempre acham que são mais espertos que os gatos. Mas esquecem que os gatos gostam de brincar antes de matar.
O traidor — Giovanni, era esse seu nome? Stefan nem se importava mais — tentou falar, mas a mordaça abafava suas palavras. Stefan fez um gesto para Yuri, que retirou o pano com um puxão seco.
— Foi um erro! Foi só um erro, eu... Eu juro que ia devolver! — a voz de Giovanni tremeu como uma corda prestes a arrebentar.
Stefan sorriu de lado. Um sorriso sem calor. Sem humor.
— Um erro? — Ele puxou uma cadeira de metal próxima e se sentou à frente do homem. — Não. Um erro é esquecer de limpar os rastros. Você planejou isso. Você executou. Você se achou esperto o bastante pra roubar de mim. — Ele se inclinou para frente. — E ainda mais burro por fazer isso justo numa semana em que eu já estou puto o suficiente pra incendiar a porra da cidade.
O punho veio rápido. Um soco seco, direto na bochecha direita. O estalo dos ossos reverberou pelo salão. Giovanni cuspiu sangue e um dente. Stefan ficou em silêncio por um segundo, observando o sangue escorrendo com uma fixação quase artística.
— Isso é só o começo — murmurou. — Você acha que eu estou com raiva por causa do dinheiro?
Ele levantou-se lentamente, pegando uma ferramenta deixada sobre a bancada — um alicate enferrujado.
— Não. Estou com raiva porque você me expôs. Porque sua burrice me fez parecer fraco. E pior... — Ele se virou com o olhar gélido e assassino. — Porque tive que escutar um velho miserável me dizer que estou me perdendo. Me perdendo, Giovanni. Acha mesmo que agora é o melhor momento pra me irritar?
Yuri, imóvel, apenas cruzou os braços. Conhecia o ritmo. Stefan estava entrando no seu modo mais sombrio: o que falava pouco e fazia muito.
Giovanni começou a gritar antes mesmo que o alicate tocasse sua pele. Stefan nem piscou. A primeira unha saiu com um estalo úmido. Os gritos preencheram o salão como música para uma fúria antiga. Era pessoal agora. Não era só castigo. Era catarse.
Yuri desviou o olhar apenas por um instante. Não por nojo. Por respeito.
Stefan continuou, metódico. Cada tortura uma vírgula. Cada grito, uma vírgula. Uma pausa. Um parágrafo. Um capítulo escrito à força na carne de um traidor.
E quando terminou, com os braços ensanguentados e a respiração ainda irregular, virou-se para Yuri e disse com frieza absoluta:
— Enterra. Mas deixa uma mão de fora. Com o alicate dentro. Quero que sirva de lembrete.
Yuri assentiu com um leve movimento de cabeça. Nenhuma palavra era necessária. A mensagem seria ouvida por toda a cidade.
Stefan subiu as escadas novamente, deixando a raiva para trás no subsolo. Mas só por agora.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
Carla Santos
É Estefan o que menos vc quer vai acontecer nunca diga nunca essa muralha de vidro vai ser quebrada o destino vai selar suas vidas obscuras e sombrias
2025-06-01
2
Maria Aparecida
cuidado Estefan, não diga jamais, o destino irá te pregar uma peça
2025-06-01
1
Maria Aparecida
esse traidor vai receber toda a fúria de Estefan
2025-06-01
1