Além do Gelo - Romance

Além do Gelo - Romance

Dor

O gosto amargo e metálico do sangue se espalhava pela minha boca. Meu corpo doía como se estivesse sendo esmagado, e a cada golpe de Ethan, a dor se tornava insuportável. Meus olhos estavam turvos, lacrimejando, mas eu não podia fechar os olhos. Eu não podia ceder.

— Por favor... — murmurei, minha voz falhando, fraca.

Eu supliquei. Implorei. Mas Ethan não parou. Como um animal raivoso, ele continuou. Seus punhos eram como martelos pesados atingindo meu corpo sem piedade. Cada soco arrancava o ar dos meus pulmões, cada chute fazia minha visão piscar.

— Eu não vou assumir essa porra! — ele gritou, antes de desferir mais um golpe.

A dor rasgava minha carne, mas meu medo era maior do que qualquer hematoma ou osso quebrado. Eu carregava uma vida dentro de mim. Apenas dois meses, mas eu já amava aquele bebê com tudo o que tinha. Meu instinto materno gritava dentro de mim, ordenando que eu protegesse meu filho a qualquer custo.

Com as mãos trêmulas, abracei meu ventre. Tentei me encolher, minimizar os danos, mas Ethan era muito maior, muito mais forte. Ele queria me destruir.

Meu rosto latejava. O calor do sangue escorrendo pela minha testa se misturava ao suor frio da dor. Minha respiração era irregular, entrecortada por soluços e tentativas desesperadas de permanecer consciente.

Mas eu não podia morrer ali.

Com um último resquício de força, empurrei Ethan com tudo o que tinha. Ele cambaleou para trás e caiu. Era minha chance.

Corri.

Corri como nunca. Corri pela minha vida. Corri pela vida do meu bebê.

Meus pés descalços encontravam o asfalto gelado da rua. O frio cortante da madrugada castigava minha pele, mas eu mal sentia. O medo era mais forte que qualquer dor.

Ofegante, fui batendo de porta em porta, esmurrando madeira, tocando campainhas.

— Por favor, me ajudem! — minha voz era um grito desesperado, mas ninguém abriu.

As luzes tremulavam dentro das casas, sombras se moviam atrás das cortinas, mas as portas permaneciam fechadas. O silêncio me esmagava tanto quanto os socos de Ethan.

Eles tinham medo.

Eu também tinha.

Minhas pernas fraquejavam, mas eu não podia parar. Cada passo era uma luta contra o próprio corpo, contra o cansaço, contra a dor latejante que insistia em me puxar para baixo.

A delegacia mais próxima ficava longe, longe demais para alguém na minha condição. Mas não importava. Eu precisava chegar lá.

Sangue pingava de meus lábios cortados, minhas roupas estavam rasgadas, minhas mãos tremiam, mas eu continuei. Um passo de cada vez.

Quando finalmente avistei o prédio da polícia, senti minhas forças falharem. Minhas pernas cederam, e caí de joelhos no asfalto áspero.

— Ajuda... — murmurei, sem fôlego.

A última coisa que vi foram policiais correndo na minha direção antes de minha visão escurecer completamente.

A escuridão me envolveu como um manto pesado, e por um momento, não havia mais dor, nem medo, nem frio. Apenas o vazio.

Então, uma voz distante me puxou de volta.

— Senhorita! Você pode me ouvir? — A voz masculina soava preocupada.

Minha cabeça latejava, meus membros estavam pesados, mas tentei abrir os olhos. As luzes fortes da delegacia fizeram minha visão arder, me forçando a piscar algumas vezes até que tudo ficasse menos embaçado.

Um policial uniformizado estava ajoelhado ao meu lado. Havia outros ao redor, suas expressões uma mistura de urgência e compaixão.

— O que aconteceu com você? Quem fez isso? — ele perguntou, sua voz mais branda agora.

Minha garganta queimava. Tentei falar, mas tudo o que saiu foi um gemido fraco.

Outra policial, uma mulher de olhos gentis, ajoelhou-se perto de mim e pousou uma mão leve no meu ombro.

— Você está segura agora. Nós vamos ajudar. Respire fundo.

Seguro.

A palavra ecoou na minha mente, mas parecia tão distante da realidade. Minha pele ainda ardia, minha cabeça girava, e o gosto de sangue persistia em minha boca. Meus braços ainda protegiam instintivamente meu ventre.

O bebê.

— Meu bebê... — murmurei, os olhos marejados de pavor.

A policial imediatamente se inclinou, entendendo minha preocupação.

— Você está grávida?

Assenti com a cabeça, os soluços começando a escapar da minha garganta.

— Por favor, salvem meu bebê. Ele me bateu muito... — minha voz falhava, meu corpo tremia.

Os policiais se entreolharam, e um deles rapidamente chamou uma ambulância.

— Vamos levá-la ao hospital agora. Você precisa ser examinada.

As sirenes soaram ao longe, e em poucos minutos, paramédicos me colocaram em uma maca. Meus olhos começaram a se fechar novamente, mas dessa vez, não era o desespero me puxando para a escuridão. Era o cansaço. O esgotamento absoluto.

Enquanto era levada para a ambulância, senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. O medo ainda estava ali, mas, pela primeira vez em muito tempo, também havia uma centelha de esperança.

Eu sobrevivi. Meu bebê ainda tinha uma chance.

E Ethan...

Ele nunca mais me tocaria.

A dor veio como uma onda avassaladora. Primeiro, uma pontada no baixo ventre, uma fisgada incômoda que me fez franzir a testa. Mas logo se tornou algo pior. Algo insuportável.

Eu estava deitada na cama do hospital, ainda tonta, meu corpo fraco depois de tudo o que havia acontecido. Mas quando a dor aumentou, um aperto gélido tomou conta do meu peito. Algo estava errado.

— Ahn... — gemi baixinho, minhas mãos instintivamente indo até minha barriga.

Meu coração começou a bater forte, rápido demais. Não, não, por favor, não.

Um calor estranho se espalhou entre minhas pernas. Meu corpo gelou. Algo estava muito errado.

Com o coração disparado, olhei para baixo. Meu sangue pareceu evaporar quando vi o lençol branco tingido de vermelho.

Sangue.

Muito sangue.

O grito escapou da minha garganta antes mesmo que eu percebesse.

— Não! Meu bebê! — A angústia cortou minha voz, e as lágrimas desceram em cascata pelo meu rosto ferido.

O desespero me sufocava. Eu queria segurar, impedir, proteger, mas tudo o que sentia era o calor do sangue escorrendo. Meu bebê...

Uma enfermeira entrou correndo ao ouvir meu grito. Seu olhar arregalado confirmou o que eu já sabia, mas me recusava a aceitar.

— Precisamos de ajuda aqui! — ela gritou, apertando o botão de emergência na parede.

Minha respiração estava errática, descontrolada. Meu peito subia e descia em soluços de puro desespero.

Não pode estar acontecendo. Não agora. Não assim.

Meu corpo se contorceu quando mais uma onda de dor me atingiu. Algo dentro de mim estava errado... algo estava se desfazendo.

— Não tirem ele de mim... — implorei, minha voz rouca, meu corpo tremendo.

Mais pessoas entraram no quarto. Médicos. Enfermeiros. Todos falando ao mesmo tempo, vozes apressadas e preocupadas que se misturavam num ruído distante.

Alguém me virou de lado. Alguém espetou meu braço com algo. Eu tentei lutar, tentei dizer que meu bebê precisava de mim, que eles tinham que fazer algo, mas a dor me engoliu.

Então, veio a escuridão.

Quando meus olhos se abriram novamente, o quarto estava mergulhado em silêncio. O ar frio fazia minha pele arrepiar, mas o que me incomodava não era isso.

Era o vazio.

Minha mão trêmula deslizou até minha barriga. Meu coração parou por um segundo.

Ainda estava ali. Mas vazia.

Uma sensação horrível se espalhou por mim, um frio cortante, um pavor tão grande que me tirou o ar.

Uma sombra se moveu ao meu lado. Levantei os olhos e vi uma enfermeira me observando. Seu rosto carregava um olhar que eu nunca mais queria ver na vida.

Pena.

Eu não queria pena.

Eu queria meu filho.

— Sinto muito... — a enfermeira começou.

Mas eu já sabia.

O ar me faltou. Meu peito se apertou, como se mãos invisíveis esmagassem meu coração.

E então, a dor veio. A pior de todas.

Um soluço escapou dos meus lábios antes que eu pudesse contê-lo. Meus olhos se encheram de lágrimas, e o choro veio sem controle, sufocante, inescapável.

Meu bebê se foi.

E junto com ele, uma parte de mim morreu também.

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