Capítulo 04

...Mikaela Alencar...

É início da manhã e finalmente saí da delegacia, após um plantão de 24 horas e terei minhas maravilhosas 72 horas de folga. Não que esteja reclamando ou não goste do meu trabalho, mas plantões de 24 horas sempre me deixam muito cansada.

E tudo que mais preciso no momento é de cafeína para manter meu sistema acordado até chegar em casa e finalmente poder dormir.

Resolvi passar em uma cafeteria pequena que fica escondida entre dois prédios do centro. Um lugar tranquilo, onde poucos poderiam me reconhecer como delegada.

Peço um café forte, tiro o celular do bolso e sento perto da janela para aproveitar o raro momento de silêncio.

— Olha só quem eu encontro. A mulher mais brava da cidade tomando café como gente normal. — a voz veio acompanhada de um sorriso atrevido.

Ergo meus olhos e aqui está ele parado em minha frente. Miguel Adams, agora com a barba começando a aparecer, camiseta preta, jeans e aquele mesmo olhar de quem achava graça em provocar.

— Miguel Adams. — digo, cruzando os braços. — Achei que tinha sumido.

— Só dei um tempo do ambiente policial. Fica meio pesado quando a ex tá presa, né? — ergo uma sobrancelha, sem esconder minha cara de deboche.

— Vejo que você está lidando bem com a situação. — digo e ele dá de ombros, se aproximando da mesa como quem já tinha sido convidado e puxou a cadeira.

— O tempo ajuda. E descobrir que eu merecia mais do que ser usado também. — tomo um gole do meu café, fingindo desinteresse.

— E agora tá cheio de sabedoria? — pergunto.

— Não, mas tô com mais bom gosto. — ergo os olhos para ele.

— Tá tentando jogar charme pra mim, moleque? — ele sorri sem se abalar.

— Moleque não. Já tenho vinte. E uma ficha limpa, graças a você.

Sorrio surpresa pela resposta. Isso está longe da atitude impulsiva e descontrolada de meses atrás. Ele ainda é jovem, ainda traz uma ousadia meio inconsequente, mas agora há algo diferente, um pouco mais de maturidade, um pouco mais de verdade no olhar.

— Você devia arrumar uma garota da sua idade. — digo ainda sorrindo.

— Tentei. Mas nenhuma me chamou de “moleque” com essa cara de que queria sorrir e se controlar ao mesmo tempo. — balanço a cabeça, mas sem tirar os olhos dele.

— Continua insolente.

— Continua linda. — ele rebateu.

Por um segundo, nós dois ficamos em silêncio. A tensão agora é outra. Não é de autoridade, nem de investigação. É de curiosidade. De dois mundos que, apesar da distância, parecem se alinhar nesse momento, por mais errado que pareça.

— Tá bom, Miguel. — digo me levantando. — Vai continuar me seguindo ou vai deixar eu tomar meu café em paz? — ele levantou também, com as mãos nos bolsos e o sorriso ainda nos lábios.

— Depende. Se eu ficar, você me expulsa?

— Se você ficar, eu talvez peça outro café. — respondo me virando para o balcão. — Mas ainda vou te chamar de moleque.

— E eu ainda vou achar isso sexy. — sorrio balançando a cabeça, caminhando em direção ao balcão com ele logo atrás.

Talvez esse moleque ainda me surpreenda mais do que imagino.

O balcão da cafeteria está quase vazio. Peço outro café, desta vez com um toque de canela e Miguel, um chocolate quente, o que me fez rir discretamente.

— Chocolate quente? — provoco, apoiando o cotovelo no balcão. — Vai pedir um biscoito também?

— Não subestime o chocolate quente. Ele cura mais que muito psicólogo. — ele responde com aquele sorriso preguiçoso.

Após pegarmos os pedidos voltamos para a mesa. O clima está mais leve, mas a tensão ainda pulsa nas entrelinhas.

— Você anda bem diferente. — comento, depois de um gole no meu café. — Menos impulsivo, mais... contido.

— Às vezes a vida dá umas rasteiras que servem como aula. Ver a Júlia sendo presa... perceber que ela só me usava pra despistar a polícia. Eu estava cego. E magoado também. — ele olhou para a xícara. — Mas acho que o fundo do poço é ótimo pra enxergar quem realmente quer sair dele. — assinto em silêncio.

Sei muito bem o que é recomeçar. E nem sempre é fácil.

Tive que recomeçar minha vida, após passar boa parte dela com uma única pessoa, e isso não foi fácil, aliás, não está sendo, pois faz pouco tempo e eu ainda não me acostumei a nova vida e de fato ainda não a recomecei totalmente.

— E você? — ele pergunta, de repente. — É sempre durona assim ou isso é só escudo?

— É parte do trabalho. Parte da história. — respondo com calma, mas sem me abrir demais. — Eu só não gosto de me iludir.

— Então me diz: eu sou ilusão? — eu o encaro.

Essa pergunta pode ter soado como piada, mas há seriedade nos olhos dele. Sinceridade. E uma ousadia doce que me faz querer recuar e avançar ao mesmo tempo.

— Você é jovem demais, Miguel. Tem uma vida pela frente. E eu tenho responsabilidades que não combinam com flertes em cafeterias.

— Mas combinam com risadas, cafés com canela e gente que não mente pra você.

Silêncio…

Olho para ele por mais um instante, depois desvio o olhar para a rua lá fora, onde o sol já está bem forte.

— Isso aqui não vai dar em nada, Miguel.

— Talvez não. — ele disse. — Mas e se der? — sorrio, sem conseguir evitar.

E, mesmo tentando manter a distância, sei que algo aqui mudou de repente.

Termino meu café, e antes de me levantar, olho nos olhos dele uma última vez.

— Cuidado, Miguel. Você está brincando num terreno perigoso.

— E você tá fingindo que não gosta do risco.

Viro-me, indo embora sem me despedir, mas ele não pareceu incomodado. Apenas me observou enquanto saía, olhei por cima do ombro e seus olhos acompanhando cada passo meu.

A porta da cafeteria se fechou com um leve tilintar.

Assim que entro no meu carro, solto um suspiro longo e apoio as mãos no volante, sem ligar o motor de imediato. O aroma do café ainda paira nas minhas narinas, mas agora é outro calor que me incomoda: o da inquietação.

Moleque atrevido.

Penso, sem conseguir segurar um sorriso curto.

Mas o sorriso some rápido. Sei muito bem que isso não pode acontecer. Sei que entre nós dois há uma linha clara traçada pela idade, pela profissão e pela diferença de mundos. Eu sou delegada. Ele, o garoto que meses antes quase foi indiciado por encobrir uma criminosa.

E ainda assim… há algo nele. Algo que mudou. Ele olha nos olhos agora, fala com mais firmeza, e ainda guarda aquele charme inconsequente que finjo não notar.

"Isso é só carência, Mikaela." — Repreendo-me.

"Você está cansada, sobrecarregada, e um garoto bonito aparece com sorrisos e frases afiadas. Só isso."

Mas então lembro do jeito que ele falou. Das palavras simples, mas cheias de verdade. De como, mesmo com toda a ousadia, havia respeito nos olhos dele. E isso, eu sei que é raro.

Ligo o carro.

"Nada vai acontecer. Você é adulta, profissional. Não vai se envolver com um garoto recém-saído da adolescência só porque ele te olha como se enxergasse além da delegada."

Mas enquanto dirijo pelas ruas movimentadas da cidade, com o rádio ligado baixinho e os dedos batucando no volante, uma frase dele ecoa insistente:

"E se der?"

Aperto os lábios, respiro fundo e acelero.

Talvez não hoje. Talvez nunca. Mas a verdade é que Miguel Adams está mexendo com certezas que eu sempre achei inabaláveis.

E isso… isso é mais perigoso do que qualquer arma.

...Miguel Adams...

Jogo a chave do apartamento em cima da bancada da cozinha — agora tenho um — e me jogo no sofá, com os braços abertos e os olhos no teto. Ainda sinto o gosto do chocolate quente e o som da risada dela martelando nos meus ouvidos.

"Ela riu." — penso, sorrindo sozinho. "De verdade. Nem debochada, nem protocolar. Riu porque achou graça. Riu comigo."

E isso para mim já é uma vitória.

Pego o celular, abro a câmera frontal e me olho, estou bagunçado, barba rala crescendo torta, cara de menino tentando bancar o homem.

"Ela ainda me vê como moleque." — digo em voz baixa. "Mas não desviou o olhar. E não me mandou embora."

Meu sorriso aumenta. Lembro dos olhos dela, sérios, mas não frios. Da forma como cruzava os braços quando queria se proteger. Do jeito que dizia “não” com palavras, mas deixava o silêncio carregar um talvez.

Desde que Júlia foi presa, prometi para mim mesmo que mudaria. Não por ela. Por mim mesmo. E, talvez, um pouco por Mikaela. Não faz sentido, mas faz.

Ela é o tipo de mulher que parece inalcançável, firme, inteligente, cheia de cicatrizes e segredos. Mas naquela cafeteria, por alguns minutos, ela não era a delegada Mikaela Alencar. Era só Mika. Uma mulher que gosta de café forte e que sorri por trás de olhos atentos.

"Não tô com pressa." — penso. "Ela pode me chamar de moleque o quanto quiser. Mas eu sei que tô no caminho certo."

Levanto do sofá e vou até o banheiro, passo a mão no cabelo, olho de novo no espelho.

"Um passo de cada vez."

E saio do banheiro com uma ideia: na próxima vez, não vou deixá-la fugir tão fácil.

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Comments

Charlotte Peson

Charlotte Peson

Ai ai ai o moleque vai dar um chá bem dadão na delegata aí quero ver vai ser promovido a macho alfa logo logo kkkk!!!

2025-05-11

12

Charlotte Peson

Charlotte Peson

Esses dois tá com cara de pega fogo cabaré kkkkk!!!! Onde tem uma moita to fazendo kkkk!😂😂😂

2025-05-11

4

Leandra Carla De Oliveira

Leandra Carla De Oliveira

Autora no reencontro deles tem que ter um beijão, aí depois você faz um hot daquele que nós faz suspirar só lendo 🫣🫣😉😉😉😉

2025-05-11

2

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