Linhas e Limites

Na segunda-feira, Clara chegou pontualmente. Mas o ambiente parecia diferente. Talvez fosse o fato de ter andado no carro de Helena. Ou o comentário sobre o perfume. Ou o olhar que ficou gravado na memória como uma vírgula mal colocada num texto que não deveria estar ali.

Tentou ignorar. Vestiu-se de maneira ainda mais neutra, prendeu o cabelo em um coque firme e evitou ao máximo cruzar olhares com a chefe. Mergulhou nos e-mails, na organização da agenda da semana, nos relatórios pendentes. Como se o fim de semana não tivesse acontecido.

Mas Helena não colaborava.

Ao meio-dia, Clara foi chamada à sala.

— Preciso que me acompanhe até uma reunião externa. Pegue sua bolsa.

— Claro — respondeu, levantando-se rapidamente.

O carro as levou até um prédio imponente no centro financeiro da cidade. No elevador espelhado, elas estavam lado a lado. Helena, como sempre, com postura impecável. Clara, lutando contra o reflexo que revelava demais.

— Clara.

— Sim?

— Você parece mais... distante hoje.

Clara hesitou.

— Achei melhor manter distância. Para evitar interpretações erradas.

Helena não respondeu de imediato. Mas seus olhos estavam nela.

— Distância também pode gerar interpretações. A ausência também fala.

Clara prendeu a respiração por um segundo. A porta do elevador se abriu, salvando-a de ter que responder.

---

A reunião durou mais de uma hora. Clara anotou tudo, repassou números, entregou gráficos. Era eficiente, objetiva, quase invisível. Mas Helena notava cada gesto.

Na volta, no banco de trás do carro, o silêncio era outro — não desconfortável, mas denso. Como uma pausa num diálogo importante.

— Por que aceitou esse trabalho, Clara?

Ela virou o rosto lentamente.

— Porque eu precisava. E porque queria aprender com alguém que não fosse só admirada... mas temida.

Helena sorriu, sem tirar os olhos da janela.

— E o que aprendeu até agora?

— Que mesmo os mais temidos também podem ser solitários.

Helena virou o rosto para ela.

— Cuidado. Você está se aproximando demais de linhas que não existem nos manuais.

— Eu sei.

O carro parou em frente à empresa. Ambas desceram. Clara já se preparava para ir direto ao seu lugar quando Helena disse, sem encará-la:

— Reunião no final do dia. Sala de projetos. Às 18h30. Só nós duas.

Clara assentiu.

Mas soube, na mesma hora, que aquilo não seria só uma reunião.

---

18h28.

Clara chegou primeiro. A sala de projetos era menor, com uma mesa redonda, paredes de vidro fosco e luz amarela suave. Mais intimista.

Helena entrou em silêncio. Sentou-se à frente de Clara, jogou a pasta sobre a mesa, mas não abriu.

— Essa reunião é sobre outra coisa.

— Sobre o quê?

— Sobre você me fazer pensar demais no que não devo.

Clara não sabia se devia fugir ou ficar exatamente onde estava.

— Você é minha funcionária, Clara. E isso deveria ser o fim da conversa.

— Mas não é — respondeu, com honestidade.

Helena a encarou, como se estivesse testando os próprios limites.

— Não me desafie.

— Não estou te desafiando. Só não quero fingir que não existe algo aqui.

O silêncio tomou a sala. As palavras flutuaram entre as duas, perigosas e sinceras demais para serem ignoradas.

Helena se levantou, caminhou até a parede de vidro, virou de costas.

— Eu não posso. E você também não deveria.

Clara levantou-se devagar, sem se aproximar demais.

— Então me diga para parar.

Helena fechou os olhos. Por longos segundos.

Quando virou-se, estava mais fria. Mais empresária. Mais controle.

— A reunião acabou.

Clara assentiu. Saía pela porta quando ouviu, baixo demais para ter certeza:

— Você me confunde.

Mas não voltou. Apenas continuou andando, sentindo o coração bater como se tivesse caído na escada inteira de uma vez.

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