Fora de Horário

Na manhã seguinte, Clara chegou às 7h50. Ainda era cedo, mas já havia gente circulando pelo andar. Ao se sentar em sua mesa, encontrou algo inesperado: um pequeno post-it colado no monitor.

"Hoje teremos um coquetel às 18h. Reunião com investidores. Você fica." — H.V.

Clara suspirou. Tinha planejado sair mais cedo para visitar a avó, mas não se sentia no direito de contestar. Afinal, ainda estava em fase de adaptação.

Durante o dia, tudo correu como de costume. Helena estava focada, implacável e silenciosa. Clara já havia se acostumado com os comandos curtos e a ausência de qualquer elogio — tirando o comentário sobre o café, o que já parecia um marco histórico.

18h em ponto.

Clara entrou no salão reservado no andar inferior, onde o coquetel seria realizado. O ambiente era chique, com iluminação baixa, garçons andando entre os convidados com taças e bandejas de canapés.

Ela ficou perto de uma mesa lateral, observando os convidados se misturarem. Muitos homens engravatados, mulheres de salto, risadas contidas. Nada que ela estivesse acostumada.

E então Helena entrou.

Usava um vestido preto justo, com decote discreto, mas que revelava a silhueta com elegância. O cabelo solto, levemente ondulado. Clara precisou de um segundo para reagir.

Helena passou por ela e, com um leve gesto, indicou que a seguisse. Clara pegou uma taça de espumante só para não parecer tão perdida e caminhou logo atrás.

A noite seguiu com apresentações, conversas em inglês e trocas de cartões. Clara se limitava a sorrir e anotar nomes mentalmente. Sempre atenta, mas à margem.

Em um momento mais calmo, Helena se aproximou com uma taça na mão e disse, num tom mais leve que o habitual:

— Está indo bem.

Clara virou-se, surpresa com o elogio disfarçado.

— Obrigada... tentei não tropeçar em ninguém.

Helena sorriu, um pouco. Seu olhar percorreu o ambiente antes de voltar para Clara.

— Você está se saindo melhor do que muitos que passaram anos aqui.

— Porque eu observo — respondeu Clara. — E porque estou tentando não ser... uma distração.

Helena ergueu a sobrancelha.

— Ainda lembra do que eu disse no primeiro dia?

— Lembro de tudo o que você disse. E do que não disse também.

Helena a encarou por um segundo mais longo do que o socialmente aceitável. Depois desviou os olhos, sorvendo o espumante com elegância.

— Tome cuidado com essa memória afiada, Clara. Pode ser uma arma.

— Ou uma proteção — rebateu ela, de forma natural.

Helena não respondeu. Mas algo em sua expressão dizia que ela havia entendido mais do que parecia.

---

Mais tarde, quando os convidados começavam a se dispersar, Clara pegou seu casaco e caminhou em direção ao elevador. Helena, que conversava com um investidor, encerrou rapidamente a conversa e foi atrás dela.

— Clara.

Ela virou-se, já perto da porta.

— Sim?

— Eu te levo até o carro. É tarde. E esse prédio já não é tão seguro assim quando esvazia.

Clara sorriu. Não sabia se aquilo era gentileza, protocolo ou outra coisa.

— Na verdade, eu vim de metrô.

Helena parou por um segundo.

— Então... eu te levo até sua casa.

O silêncio entre elas durou alguns segundos. Clara tentou ler nas feições da empresária alguma hesitação, mas Helena parecia apenas... determinada. Como em tudo.

— Está bem — respondeu Clara, com a voz quase baixa.

No carro, o silêncio reinou nos primeiros minutos. A cidade passava pelas janelas como um filme acelerado. Helena dirigia com segurança, sempre firme, até mesmo no trânsito caótico.

— Mora sozinha? — perguntou, sem tirar os olhos da rua.

— Sim. Num apartamento pequeno. Nada luxuoso como seu carro.

Helena sorriu, levemente.

— Nem tudo precisa ser luxuoso. Só... confortável.

— E seguro — completou Clara, relembrando as palavras dela mais cedo.

Quando o carro parou em frente ao prédio de Clara, ela hesitou por um segundo antes de abrir a porta.

— Obrigada por me trazer.

Helena apenas assentiu.

Clara saiu do carro, mas antes de fechar a porta, ouviu:

— Clara.

Ela se inclinou levemente, olhando de volta para o interior do carro.

— Sim?

— Trocou o perfume.

— É... um toque de baunilha. Achei que canela todas as manhãs podia enjoar.

Helena a observou, séria por um instante.

— Não enjoaria.

E então, partiu.

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Maria Andrade

Maria Andrade

já está pintando um clima

2025-05-09

1

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