O relógio marcava 7h58 quando Clara entrou novamente na recepção do 27º andar. Estava com o cabelo preso em um coque baixo, blazer cinza claro e nada de perfume — só um leve cheiro de amaciante na roupa recém-passada. A bolsa discreta, o salto médio. Tinha seguido à risca as “regras silenciosas” de Helena.
Logo foi recebida por uma mulher elegante, com ar simpático, que estendeu a mão:
— Você deve ser a nova. Clara, certo?
— Sim.
— Sou Denise, secretária da diretoria administrativa. Trabalho aqui há oito anos. Se precisar de ajuda com as ferramentas, impressoras ou pra entender a agenda da chefona, pode me chamar.
Clara agradeceu com um sorriso genuíno. O gesto de acolhimento fez o coração relaxar um pouco.
Denise apontou para uma mesa discreta logo ao lado da porta de vidro de Helena. Uma tela de computador, um telefone fixo e uma pilha de pastas já a esperavam.
8h00 em ponto.
A porta de Helena se abriu como se tivesse sensor de horário.
— Bom dia — disse a voz firme.
Clara se levantou de imediato.
— Bom dia, senhora Vasconcelos.
Helena olhou para ela de cima a baixo, como se checasse a roupa com um scanner mental. Depois assentiu brevemente.
— A primeira reunião é às 8h30. Imprima o relatório que está nesse pendrive e traga dois cafés. Um preto, sem açúcar. O outro... você decide.
Ela colocou o pendrive sobre a mesa de Clara e voltou para sua sala.
Clara piscou. O outro café era pra quem? Pra ela mesma? Era algum tipo de teste? Pegou o pendrive, conectou ao computador e começou a procurar a impressora certa com a ajuda de Denise.
8h25. Ela entrou com os dois cafés — um preto puro, outro com leite e canela. Arriscou. Helena pegou o dela sem tirar os olhos do notebook.
— Sabe que pode sentar durante as reuniões, certo?
— Achei que só quem fala na reunião se senta — respondeu Clara, sem pensar.
Helena ergueu o olhar. Pela primeira vez, uma expressão entre surpresa e leve diversão atravessou seu rosto. Mas logo sumiu.
— Sente-se. Observe e aprenda.
Durante a reunião com dois diretores, Clara fez anotações. Helena falava com firmeza, não media palavras, mas ninguém a enfrentava. Todos escutavam como se cada frase fosse uma ordem gravada em pedra.
Depois de 40 minutos, a reunião terminou e os homens saíram. Helena se virou para Clara.
— Impressões?
— Eles estavam nervosos. Um deles ficou puxando a manga da camisa o tempo inteiro. O outro tentou argumentar, mas não conseguia manter o olhar no seu rosto por mais de três segundos. Você impõe respeito.
Helena arqueou uma sobrancelha.
— Só respeito?
— E talvez um pouco de medo — respondeu Clara, sorrindo.
Helena não respondeu de imediato. Levantou-se, caminhou até a janela e cruzou os braços. O silêncio não era tenso, mas também não era confortável.
— Medo não é sempre um problema. Evita erros.
Clara se levantou, organizando os papéis.
— Ou evita conexões — soltou, sem encará-la.
Ao sair da sala, percebeu que talvez tivesse falado demais. Mas Helena não respondeu. Só ficou ali, olhando a cidade como quem analisava estratégias de guerra.
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Durante o resto da manhã, Clara lidou com e-mails, lembretes e mais cafés. Helena não era cruel, mas era direta ao ponto e nunca dizia “por favor” ou “obrigada”. Ainda assim, Clara achava fascinante ver uma mulher tão no controle. Era como assistir a um filme... só que ela agora fazia parte do roteiro.
Na hora do almoço, desceu até a cafeteria do prédio e se sentou com Denise.
— Sobreviveu? — brincou ela.
— Ainda tô viva. Mas tenho a leve impressão de que a senhora Vasconcelos me escaneia a cada vez que me vê.
— Ah, ela escaneia mesmo. Mas se não te mandou embora até agora, é porque te achou útil.
Clara riu. Útil já era um bom começo.
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Ao fim do dia, quando Clara pegava sua bolsa para ir embora, ouviu a voz firme atrás de si:
— Clara.
Ela virou-se. Helena estava na porta do escritório.
— Gostei do café com canela. Mantenha esse.
Foi embora sem dizer mais nada.
Clara ficou ali, parada por um segundo. Era pouco. Mas vindo de Helena Vasconcelos, era quase uma declaração.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Maria Andrade
eu acho que está história vai ser mais uma que vou me viciar
2025-05-09
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