A lama do pântano mesopotâmico era uma prisão fria e pegajosa para a Águia Negra. Alalu, sacudindo a tontura do impacto e a dor lancinante que lhe atravessava o ombro esquerdo, forçou a abertura manual da comporta, o metal retorcido rangendo em protesto. O ar que o atingiu era uma bofetada – espesso, úmido, carregado com odores que sua fisiologia Anunnaki, acostumada ao ar filtrado de Nibiru ou à esterilidade asséptica do espaço, registrava como perigo e decadência. Cheiro de lodo primordial, de vegetação exuberante e apodrecida, de vida desconhecida e talvez hostil.
Os primeiros ciclos terrestres foram um borrão de sobrevivência crua. A gravidade de Ki, mais forte que a de Nibiru, pesava sobre seus membros como chumbo, cada movimento exigindo um esforço consciente. O Sol amarelo, embora filtrado pela copa densa das árvores pantanosas, era mais intenso, mais direto, e sua pele, desprotegida pela fina atmosfera de seu mundo natal, ardia sob seus raios. As noites eram frias, úmidas, e a escuridão, absoluta, quebrada apenas pelo brilho fosforescente de fungos estranhos e pelos olhos de criaturas invisíveis que o observavam do emaranhado de raízes e cipós.
Seu primeiro refúgio foi a própria carcaça da Águia Negra. Embora a proa estivesse enfiada na lama e um dos motores tivesse explodido durante a reentrada, a cabine de comando e uma parte dos compartimentos internos ainda ofereciam alguma proteção contra os elementos e os predadores noturnos cujos grunhidos e chamados ecoavam pela vastidão do pântano. Com as poucas ferramentas que conseguiu salvar, vedou as frestas maiores, racionou a energia dos cristais de emergência para manter uma iluminação mínima e, crucialmente, para operar os purificadores de ar e água. A água do pântano era intragável, salobra e cheia de parasitas microscópicos que os sensores da nave identificaram como potencialmente letais.
A comida era um problema ainda maior. As rações de Nibiru, calculadas para uma fuga rápida, não para um exílio prolongado, diminuíam a um ritmo alarmante. Ele tentou usar os bancos de dados botânicos da nave (os que ainda funcionavam) para identificar plantas comestíveis, mas a flora de Ki era vasta, alienígena, e o risco de envenenamento, alto. Lembrou-se, com uma ironia amarga, dos jardins hidropônicos de Nibiru, da comida sintetizada perfeitamente balanceada. Ali, estava reduzido a examinar raízes e frutos desconhecidos com a cautela de um animal faminto.
E havia a solidão. Uma solidão diferente daquela do espaço profundo, que era um vazio limpo e estrelado. Ali, a solidão era cercada por uma vida fervilhante e indiferente, uma vida que não o reconhecia, que talvez o visse apenas como presa ou intruso. Passava os longos ciclos de escuridão na cabine avariada, ouvindo os sons do pântano, remoendo sua queda, sua traição por Anu, seu fracasso com os vulcões. A raiva ainda ardia, mas agora era uma brasa sob as cinzas do desespero. O que faria ali, sozinho, num mundo perdido? Seria aquele o seu túmulo inglório, um rei Anunnaki esquecido num pântano primordial?
Mas a semente da teimosia, ou talvez da grandeza que um dia o levara ao trono de Nibiru, ainda não se extinguira. Ele não viera tão longe para morrer como um animal. Viera em busca de algo. Viera para provar seu valor, para talvez encontrar uma forma de barganhar seu retorno, ou pelo menos para gravar seu nome na história de uma forma que não fosse apenas como o rei que falhou. E havia o ouro. A lenda do ouro de Ki.
Com a energia que conseguia desviar dos sistemas de suporte de vida (um risco calculado), Alalu começou a reativar os sensores geológicos de longo alcance da Águia Negra, ou o que sobrara deles. Apontou-os para o solo abaixo, para os rios que cortavam o pântano. Ignorou os sinais de ferro, de cobre, de outros minerais comuns. Seu foco era um só.
Por muitos dias terrestres, a busca foi infrutífera. Os sensores, danificados e operando com energia mínima, davam leituras erráticas, confusas. A frustração roía Alalu. Estaria perseguindo um fantasma? Seria a lenda do ouro de Ki apenas isso – uma lenda, um sonho vão?
Então, numa manhã em que a névoa se erguia do pântano como o sopro de um dragão adormecido, um dos sensores emitiu um sinal. Fraco, quase perdido no ruído de fundo, mas inconfundível para quem conhecia a assinatura espectral do metal precioso. Vinha de um dos braços maiores do rio que desaguava no mar próximo.
Uma nova energia tomou conta de Alalu. Esqueceu a fome, o cansaço, a solidão. Usando os pequenos drones de coleta de amostras que ainda funcionavam, e aventurando-se ele mesmo pelas margens lamacentas e perigosas do rio, enfrentando sanguessugas gigantes e répteis de couraça espessa, ele começou a recolher amostras de água e sedimento.
De volta ao laboratório improvisado na nave, sob a luz trêmula dos painéis de emergência, ele analisou o material. E a confirmação veio, mais brilhante e mais certa do que qualquer estrela no céu de Nibiru. Ouro. Não em traços insignificantes, mas em partículas finas e abundantes, misturadas à areia escura do rio. E, ocasionalmente, pequenas pepitas, do tamanho de um grão de cevada nibiruana, que brilhavam com uma promessa dourada em sua palma.
Aquele era o momento. A epifania. A justificação de sua fuga, de sua aposta desesperada. Ele, Alalu, encontrara. Encontrara a salvação de Nibiru. E, talvez, a sua própria.
A euforia era tamanha que ele quase se esqueceu de sua situação precária. Mas a realidade logo se impôs. De que adiantava aquela descoberta se ele não pudesse comunicá-la? O transmissor de longo alcance da Águia Negra estava seriamente avariado, seus cristais de foco desalinhados, sua fonte de energia principal, morta. Enviar um pulso de táquions coerente através do abismo que separava Ki de Nibiru exigiria um milagre de engenharia e uma quantidade de energia que ele não possuía.
A menos que...
Seu olhar se voltou para o compartimento selado onde as Armas de Terror repousavam. Aqueles dispositivos de poder inimaginável, capazes de rasgar planetas ou, quem sabe, de alimentar um grito desesperado através do vazio. A ideia era uma loucura ainda maior do que usá-las nos vulcões de Nibiru. Ali, sozinho, com equipamentos danificados, o risco de uma detonação acidental que o vaporizaria instantaneamente era imenso.
Mas o que mais lhe restava? Morrer em silêncio naquele pântano, sua descoberta perdida para sempre? Ou arriscar tudo numa última e improvável cartada? Para Alalu, a escolha era óbvia.
Por vários ciclos terrestres, ele trabalhou febrilmente, canibalizando partes de outros sistemas da nave, improvisando condutores de energia, tentando desviar uma fração controlada do poder de uma das Armas para o transmissor danificado. Era uma tarefa de precisão impossível, realizada com ferramentas inadequadas, sob a pressão do tempo e do medo constante de um erro fatal.
Enquanto trabalhava, redigia sua mensagem. Não seria um relatório técnico frio e objetivo. Seria seu legado, sua defesa, sua acusação.
"Que fique registrado!" ditou ele para o cristal de memória da nave, a voz rouca pela emoção e pela solidão. "Para Anu, o Usurpador! Para o Conselho de covardes que o serve! Para todo o povo de Nibiru que um dia me aclamou e depois me abandonou! Eu, Alalu, o rei legítimo, exilado e traído, falo das profundezas de um mundo esquecido!"
Ele descreveu sua jornada, a travessia do Bracelete Martetado, as "ruínas da velha Tiamat" que ele desafiara sozinho. E então, a descoberta.
"Apesar da ingratidão que me lançou neste ermo! Apesar da traição que me roubou o trono! Fui eu que encontrei a solução! Sim! Eu, Alalu, sozinho, neste mundo primitivo, encontrei o que seus exércitos de cientistas e suas frotas de exploradores não conseguiram! O ouro que pode curar nossa atmosfera! Ele jorra das águas de Ki! Ele brilha nos sedimentos de seus rios! A salvação de Nibiru está aqui, descoberta por minhas mãos, por minha coragem!"
Terminou a mensagem com um desafio e uma exigência velada de reconhecimento. Estava pronto. Apontou a antena danificada da Águia Negra para o ponto no céu onde, segundo seus cálculos e a memória das estrelas, Nibiru deveria estar em sua lenta órbita. E então, com uma prece silenciosa aos deuses primordiais do caos de onde viera, ou talvez apenas com a força de sua própria e desesperada vontade, ele desviou a energia da Arma de Terror para o transmissor.
A nave estremeceu como se atingida por um raio. Luzes piscaram e morreram. Alarmes soaram e silenciaram. Um zumbido agudo preencheu a cabine, fazendo seus dentes vibrarem. O cheiro de ozônio e metal superaquecido tornou-se insuportável. Por um instante que pareceu se estender por um shar inteiro, Alalu pensou que tudo iria explodir, que sua audácia final o consumiria.
Mas então, um pulso. Um único e poderoso pulso de energia e informação concentrada foi lançado da antena danificada, um grito de táquions rasgando o tecido do espaço-tempo, iniciando sua longa e improvável jornada através do vazio, rumo ao planeta distante de Nibiru.
Imediatamente depois, os sistemas restantes da Águia Negra entraram em colapso final. As luzes de emergência piscaram uma última vez e se apagaram, mergulhando Alalu na escuridão total, exceto pela luz fantasmagórica do pântano que se infiltrava pelas frestas da fuselagem. O zumbido dos motores silenciou. A nave estava morta.
Alalu recostou-se na cadeira do piloto, o corpo tremendo de exaustão e da descarga de adrenalina. Conseguira. A mensagem fora enviada. Seu grito solitário fora lançado através do vazio. Agora, restava esperar. Esperar que o grito fosse ouvido. Esperar pela resposta que poderia significar sua salvação, sua vingança, ou sua condenação final. Olhou para a escuridão lá fora, para o mundo alienígena que o cercava. Estava mais sozinho do que nunca. Mas, pela primeira vez em muito tempo, uma centelha sombria de esperança, ou talvez apenas de desafio satisfeito, ardia em seu peito Anunnaki.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 61
Comments