Capítulo 4

O dia mal tinha acordado, mas a vila já estava viva. Gabriela abriu os olhos com a testa franzida e os ouvidos atentos.

— Mamma miaaaa! - gritou alguém, com tanta paixão que parecia estar encenando uma ópera.

Em seguida, o som de algo caindo - talvez uma panela, talvez a paciência de alguém - e depois passos apressados.

Gabriela riu, ainda deitada. Sentia-se, curiosamente, em casa. Era como acordar num domingo cheio, com cheiro de café, barulho de chinelos e gritos de mãe ecoando pelo corredor. Só que agora com um sotaque charmoso que transformava até bronca em música.

Espreguiçou-se preguiçosamente, levantou da cama e foi até a janela. O céu estava claro, limpo, com uma brisa suave que carregava o perfume de flores e pão fresco.

Decidiu caprichar no visual. Afinal, era seu primeiro dia inteiro ali, e seu corpo finalmente havia feito as pazes com a lasanha de Florença.

Vestiu um vestido amarelo mostarda, leve e fluido, com alcinhas finas e pequenos botões na frente, que desciam até um babado na barra. Tinha uma fenda discreta na lateral e combinava perfeitamente com o dia ensolarado e a promessa de novos encontros.

Gabriela se olhou no espelho. A pele clara parecia brilhar com a luz da manhã - não o tipo de brilho dourado de um bronzeado saudável, mas aquele tom avermelhado de quem o sol trata como um camarão de luxo. Suspirou.

— Protetor solar em dobro hoje - murmurou.

Seus cabelos cacheados e volumosos, num tom castanho com mechas mais claras feitas pelo sol e pelo acaso, estavam presos de forma estratégica com grampos dourados, deixando alguns cachos rebeldes caírem com charme. Os olhos âmbar, herdados da mãe, brilhavam com curiosidade, e os lábios grossos, claramente herança do pai, estavam levemente coloridos por um balm rosado. Seu corpo, curvilíneo e real como foto sem filtro - coxas grossas, cintura bem marcada, e nada daquela magreza de catálogo - parecia pedir para ser vivido e não medido.

Passou uma leve maquiagem só para parecer acordada e mandou um "Bom diaaa!" no grupo da família, seguido de uma selfie cheia de luz natural e sorriso sincero.

Imediatamente, uma chuva de figurinhas começou a chegar: coração pulsando, "linda demais", "parece boneca", e claro, o tradicional "bota casaco que vai esfriar" da mãe.

Desceu as escadas de madeira com passos leves, ouvindo cada rangido como um sussurro da casa antiga.

Foi então que viu a cena: um garoto passou correndo na frente da porta como se estivesse fugindo de um apocalipse zumbi - ou pior, da própria mãe.

Logo atrás, voou um chinelo azul, que não acertou o alvo, mas bateu na parede com dignidade.

— Matteo, tu guarda quei biscotti, porca miseria! — berrou Fiorella, a dona da pousada, surgindo logo depois com um rolo de massa em mãos e um avental cheio de farinha.

Gabriela travou na escada, observando tudo.

Matteo gritou um "não fui eu!" típico de criança inocente-culpada e desapareceu pela porta.

Fiorella parou ao ver Gabriela, ajeitou o avental e sorriu com aquela expressão de quem acabou de gritar com o filho, mas ainda é a melhor anfitriã da cidade.

— Buongiorno, bella! Dormiu bem?

Gabriela, tentando não rir, respondeu com um sorriso sapeca:

— Dormi como um anjo... de estômago cheio.

— Ótimo! Porque hoje tem café com torta da minha nonna. Vai te curar de tudo de ruim que tenha vivido até hoje.

Gabriela desceu o último degrau e acompanhou Fiorella até a cozinha, onde o aroma de café, pão fresco e confusão feliz invadia cada canto do lugar.

E, pela primeira vez desde que chegou em solo italiano, sentiu que estava exatamente onde deveria estar.

O cheirinho de café fresco, pão assado no forno a lenha e algo doce no ar envolvia o ambiente como um abraço de vó. A cozinha era ampla, com paredes de pedra e uma janela que deixava o sol da manhã pintar o espaço com luz dourada. Era um lugar que parecia ter histórias guardadas nos azulejos antigos e nas panelas penduradas.

— Siediti, cara! O café tá pronto, e hoje tem pão caseiro com azeite, café forte e... la torta della nonna — disse, apontando para a torta com certo orgulho nos olhos.

— Feita pela sua avó? — Gabriela perguntou, curiosa.

Fiorella sorriu, orgulhosa e travessa ao mesmo tempo.

— A receita é dela. Mas as mãos são minhas. Aprendi a fazer com ela quando era menina. Cada vez que faço, é como se ela estivesse na cozinha comigo, mandando eu colocar "mais uma pitadinha" de algo que nem sabia o que é.

Gabriela se serviu com cuidado, cortando um pedaço da torta com casquinha crocante por cima, recheio de creme leve e um toque de limão que perfumava o ar.

Na primeira mordida, fechou os olhos e suspirou.

— Isso é um poema em forma de torta... não tem outro jeito de explicar.

— A nonna aprovaria você — disse Fiorella, satisfeita.

Nesse momento, o adolescente de expressão sonolenta apareceu encostado no batente da porta, o cabelo numa rebeldia típica de quem não ligava para espelhos de manhã cedo. Ele vestia uma camiseta preta amassada e um short branco, e seus olhos castanhos analisaram Gabriela com uma curiosidade discreta.

— Ah, olha quem resolveu acordar! — exclamou Fiorella. — Vem aqui, Leonardo. Seja educato per una volta na sua vida!

— Mamma... — murmurou ele, arrastando os pés até a mesa.

— Esse é Leonardo, meu filho mais velho. Aquele que te ajudou ontem com a mala como se estivesse carregando um piano nas costas.

— Prazer, Leonardo - disse Gabriela, sorrindo com gentileza.

Ele assentiu com a cabeça e murmurou um "ciao" baixo, coçando a nuca.

— Ele é assim mesmo, tímido ou preguiçoso, depende da fase da lua — brincou Fiorella.

Logo depois, como um foguete, surgiu Matteo — o menino fugitivo do chinelo. Ele entrou correndo pela cozinha com a cara mais travessa do mundo.

— E esse aqui é o Matteo, meu terremoto pessoal de dez anos — disse Fiorella, estreitando os olhos. — Matteo, seja educado com a Gabriela, senão vou te botar pra lavar prato com a nonna lá no além!

— Ciao! — disse Matteo, com um sorriso sapeca e uma piscadinha para Gabriela.

— Tem café aí? — ele emendou, já puxando uma cadeira.

— Pra você tem pão, leite e... silêncio, por favor — respondeu Fiorella, servindo uma xícara para Gabriela. — Agora senta, antes que eu perca a paciência de vez.

Gabriela pegou o celular e, com a caneca na mão, tirou uma selfie sorrindo. Mandou no grupo da família:

" Olhem esse café da manhã que parece feito por anjos aposentados. Papai passaria mal de tanto comer essa torta."

Logo a tela vibrou com notificações. Mãe, irmãos, até a vizinha fofoqueira que nem sabia que ainda estava no grupo. Todos responderam em menos de um minuto.

— Você é do Brasil, né? — perguntou Fiorella, sentando-se. — Mas de onde exatamente? Rio? São Paulo?

Gabriela quase engasgou de tanto rir.

— Todo mundo acha que o Brasil é só isso, né? Mas olha... tem mais vida além de Cristo Redentor e trânsito! Eu sou de Minas Gerais.

— Minas?

— É. Lugar de gente que ama café, queijo e conversa boa. E onde se tropeça numa montanha a cada dois metros.

— Caffè, formaggio e montagna? Ah, parece quase com aqui!

— Só que lá, em vez de gritar "mamma mia!", a gente grita "uai, sô!" — completou Gabriela, rindo.

Fiorella gargalhou alto.

— Me gusta você, Gabriela! Você tem alma leve. Eu gosto de gente assim.

Ela parou por um segundo, o olhar se suavizando.

— Depois que meu marido se foi, as coisas ficaram um pouco mais difíceis. Era um bom homem, mas o coração... — tocou o peito — não aguentou a vida corrida. Então decidi alugar aquele quarto. Não só pela renda, mas porque essa casa... precisava de vida. Voz nova. Risada nova.

Gabriela assentiu, com os olhos gentis.

— E que sorte a minha de ter parado justamente aqui.

— Mais café? — perguntou Fiorella, já estendendo a garrafa térmica antes mesmo da resposta.

— Se eu disser não, pode me expulsar. — Gabriela riu, estendendo a xícara.

— Brava ragazza. — Fiorella piscou, enchendo a caneca. — Olha, se quiser esticar as pernas e ver um pouco da vila, eu estava pensando em ir ao mercado daqui a pouco. Preciso comprar algumas coisas frescas pro almoço - e também mostrar que agora tenho uma hóspede bonita e simpática, senão as velhas da praça vão pensar que tô criando um fantasma em casa.

— Adorei o convite. Mas agora fiquei na dúvida... o mercado é só pra compras ou também serve pra causar inveja nas vizinhas?

— In Italia, amore, tudo serve pra um pouco dos dois.

Gabriela deu uma gargalhada gostosa e ajeitou os cabelos com os dedos, ainda segurando a xícara.

— Ainda bem que já vim pronta, então. Não quero humilhar ninguém de pijama no mercado.

Fiorella sorriu, os olhos iluminados pela diversão.

— Faz bem. Aqui todo mundo se arruma até pra comprar tomate. Mas vai com calma, senão vão pensar que a brasileira nova veio casar com algum dos netos da Dona Carmela.

— E eles são bonitos? Já tô curiosa.

— Piano, piano, garota. Aqui a gente conhece as pessoas pelos olhos, depois pelo sobrenome. E só depois — muito depois — pelo beijo.

Gabriela riu de novo, levando a caneca aos lábios.

— Se for depender do beijo, acho que só volto pro Brasil casada com um tomate mesmo.

Do outro lado da mesa, Matteo soltou um pequeno sorriso abafado, enquanto Leonardo fingia que não ouvia nada e mordia o pão com exagero.

Fiorella olhou para os filhos e suspirou, teatral.

— Santo cielo, essa casa vai finalmente ter assunto novo pra mesa de jantar.

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