Gabriela se afastou do restaurante como quem se despede de um crush platônico: virando pra trás a cada três passos, como se os aromas pudessem puxá-la de volta.
— Eu volto. Juro por Deus, por Nossa Senhora do Glutamato Monossódico e por todas as calorias da Itália — murmurou, enquanto seu estômago fazia um ruído dramático de despedida.
Alguns metros depois — que pareciam muitos só porque o sol estava batendo bem no meio da cara e as mochilas pareciam carregar o peso emocional de todos os términos de relacionamento de sua vida — ela finalmente viu a plaquinha pendurada numa casa cor de chá com leite: “Casa di Fiore – La tua casa in Italia
— Minha casa na Itália é... Vamos ver se é lar ou cilada, né? — disse, encarando a fachada com desconfiança curiosa.
A casa era pequena, de dois andares, com janelas floridas, uma varanda torta mas charmosa, e um cheiro no ar que misturava bolo assando com lavanda e um leve toque de... gato molhado? Ou seria manjericão velho? Não importava. Gabriela já estava encantada.
Empurrou a portinha de madeira que rangeu de um jeito dramático — quase um "bem-vinda, forasteira" — e deu de cara com um hall apertado decorado com quadros de flores secas, guarda-chuvas antigos e um sino pendurado com fita vermelha escrito "Toque se for feliz".
Ela tocou.
Ding-ding!
Nada aconteceu.
Tocou de novo. E mais uma vez. Até que ouviu passos apressados e uma voz feminina gritando em italiano algo que parecia uma bronca, seguida de um som que só podia ser uma travessa caindo.
Do corredor saiu uma mulher baixinha, com bochechas coradas, um avental florido e olhos tão brilhantes quanto os da sua avó quando via novela mexicana.
— Ciao, bella! Gabriela, vero? A brasiliana!
— Sim! Gabriela! — disse ela, tentando sorrir com o fôlego que ainda tinha. — E você deve ser... a dona?
— Fiorella. Ma tutti mi chiamano mamma. Porque aqui, quem se hospeda, ganha comida, conselho e um pouco de drama — disse ela, rindo alto e puxando Gabriela para um abraço apertado, com direito a tapinha nas costas e cheiro de molho de tomate no cabelo.
— Meu Deus, eu nem fiz check-in e já ganhei uma mãe italiana. Isso aqui é um filme da Disney?
— Vieni, vieni! Te mostro sua stanza! Leonardo! Ajuda com a mala da signorina!
Um adolescente surgiu das sombras, com fones no ouvido e expressão de quem preferia estar jogando FIFA do que carregando mochilas de turistas suadas. Ele deu um sorriso educado — ou talvez entediado, não dava pra saber — e pegou a mochila de Gabriela como se fosse feita de chumbo.
— Cuidado com essa mochila aí que tem coisa frágil... tipo minha dignidade. — Ela tentou brincar, mas Leonardo só fez um joinha e saiu escada acima.
O quarto era surpreendentemente adorável. Paredes em tom pêssego-claro, cortinas rendadas, cama com colcha florida e um ventilador de teto que girava com o esforço de quem está tentando se aposentar. Na mesinha de cabeceira, um bilhetinho escrito à mão dizia: “Se precisar de algo, bata palmas duas vezes. Ou grite. Preferimos que grite.”
Gabriela se jogou na cama com um suspiro longo e feliz.
— Eu consegui. Tô hospedada, viva, e ainda tenho um restaurante alma gêmea a poucos — mas nem tanto — metros de distância. Isso sim é viver o sonho europeu com orçamento controlado para não ter que economizar o resto do ano.
Ela ficou ali, deitada, observando a luz dourada entrando pela janela, ouvindo o som de pratos batendo na cozinha e uma ópera italiana tocando baixinho no andar de baixo. Era como estar dentro de uma caixinha de música italiana, só que com um leve cheiro de alho e promessas de carboidrato.
Estava em casa. Ou quase isso.
Ela sorriu, fechou os olhos e pensou: agora sim... que comecem os capítulos bons dessa viagem.
Mal sabia ela que a receita dessa história estava só começando.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 80
Comments