Capítulo 3

O banheiro era do tamanho de um segredo mal contado, mas Gabriela já tinha se hospedado em lugar pior — uma vez dormiu num hostel onde o chuveiro era sobre o vaso sanitário. Pelo menos ali havia uma cortina, e o chuveiro cuspia água quente com esforço, como quem diz "vai ser rapidinho, né?".

Depois de se lavar com um sabonete que cheirava a lavanda e sabedoria de vó, Gabriela vestiu um pijama leve, deitou na cama e soltou um longo suspiro de alívio. Estava finalmente limpa, fresca e minimamente parecida com uma pessoa civilizada.

O celular vibrou. Era chamada de vídeo.

— Ai, meu Deus... — murmurou, ajeitando o cabelo com os dedos e tentando encontrar um ângulo que não mostrasse sua olheira do tamanho da dívida pública brasileira.

Atendeu. E, como sempre, foi um caos instantâneo.

— GABIIIIII! — gritaram cinco vozes masculinas em coro, cada uma em um tom diferente, enquanto a câmera tremia como se estivesse sendo operada por um terremoto.

— Aponta isso direito, Pedro! — ralhou a voz da mãe, Maria, do fundo.

A tela se dividiu em vários rostos que tentavam caber ao mesmo tempo. Parecia uma reunião de condomínio em alta definição.

— Ai, meu Deus, olha essa cara! Tá comendo direito, menina? — perguntou Maria, com os olhos marejados e um sorriso de mãe que já dizia: "tô com saudade demais".

— Tô sim, mãe. Só não tô digerindo direito. Acho que comi uma lasanha com alma de cimento.

— Ah, foi a lasanha de Florença que você mandou a foto, não foi? Aquilo ali engana, viu? — comentou Carlos, o pai, com ares de quem já sabia tudo da culinária italiana sem nunca ter pisado fora do Brasil.

— Pai, o senhor nunca saiu do bairro...

— Mas tenho estômago de viajante. Isso é quase a mesma coisa!

— Fala sério, Gabi — interrompeu Pedro — já beijou algum italiano ou só o garfo até agora?

— Que garfo, Pedro? Tu acha que ela tá num rodízio?! — gritou Rafael, rindo.

— Ei, respeita a princesa! — entrou Wesley, com uma camiseta do Atlético toda torta. — Ela tá em missão cultural.

— Missão nada — disse João. — Tá é se achando a Lizzie McGuire. Faltam só os duetos.

Gabriela ria tanto que a barriga doía.

— Gente! Eu tô aqui só tem alguns dias, nem deu tempo de me apaixonar, só de me arrepender de ter comido três pedaços de lasanha em jejum.

— Isso é estratégia de guerra — falou Eduardo. — Se for correr perigo, ao menos morre feliz.

— Vocês são doidos — ela disse, enxugando uma lágrima de riso. — Mas obrigada por me ligarem. Já tava começando a sentir falta do caos.

— Falta? — a mãe arqueou uma sobrancelha. — Amanhã a gente faz uma chamada só com os cachorros latindo e o liquidificador ligado, pra matar essa saudade de verdade.

— Manda beijo pro Nonô e pro Fubá — pediu Gabriela.

— Eles tão aqui! — gritou Pedro, apontando a câmera pra dois vira-latas sonolentos que nem se moveram.

— Amo vocês — disse Gabriela, de coração cheio.

— Também te amamos, filha — respondeu Maria. — Se cuida. E nada de trazer italiano metido, hein?

— Mãe... eu tô na Itália. Metido é o que mais tem.

— Então traz um humilde. E bonito. Se for possível, com pão de alho.

Após mais algumas risadas, acenos e ameaças de print vergonhoso, a chamada finalmente chegou ao fim. A tela voltou ao silêncio, e Gabriela sentiu o quarto parecer um pouco mais quieto do que antes. Mas um tipo bom de silêncio. Aquele que vem depois de risadas barulhentas e amor demais para caber numa tela.

Ela se levantou, esticou o corpo e foi até a janela.

A vila parecia uma pintura. As luzes acesas nos postes baixos, as janelas iluminadas das casas, o som distante de risadas e pratos batendo. Era como se alguém tivesse borrifado poesia no ar. Por um segundo, pensou em descer, caminhar um pouco, talvez até encarar o restaurante mágico que ela se apaixonou no caminho.

Mas então lembrou.

— A lasanha de Florença ainda tá aqui... — disse, olhando pro próprio estômago com certo rancor. — Aquilo não era molho branco. Era cimento afetivo.

Riu sozinha, pegou o celular e abriu suas redes sociais. Deslizou pelo feed, curtiu três gatinhos, uma frase motivacional e ignorou os stories da ex-colega que agora vendia batons com nomes de frutas exóticas.

Colocou um filme de comédia romântica qualquer - algo com cara de sessão da tarde e trilha sonora otimista — e se aninhou nos lençóis.

Meia hora depois, com um riso bobo nos lábios e uma cena congelada na tela onde os protagonistas iam se beijar debaixo da chuva, Gabriela já estava dormindo.

E nos seus sonhos, talvez já estivesse jantando com alguém que falava italiano com aquele sotaque que arrepia e cozinhava como quem sabe que comida boa se mede pelo silêncio à mesa e pela briga pelo último pedaço de pão.

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