Ecos do Passado

Capítulo 5 – Ecos do Passado

O relógio na parede da enfermaria parecia avançar lentamente, como se o tempo fosse diferente dentro daquele lugar. Cada som, cada passo no corredor, fazia o coração de Helena bater mais rápido. Desde que começara a trabalhar no presídio, ela sentia como se estivesse sendo observada o tempo todo. Não apenas pelos guardas, mas também pelos próprios detentos, cujos olhares investigativos eram impossíveis de ignorar.

Ela não se dava conta, mas estava começando a mudar. O comportamento reservado e a postura impessoal que tentara manter no início começavam a ruir, substituídos por uma curiosidade crescente, principalmente quando o assunto envolvia um detento específico de nome Miguel Avelar.

Era uma manhã chuvosa quando Helena entrou na enfermaria, já sabendo que o dia seria longo. Estênio não estava lá, e ela ficaria responsável pelos atendimentos sozinha. A rotina da prisão continuava, com os detentos entrando e saindo para consultas rápidas, alguns reclamando de dor, outros com problemas de saúde mais graves.

Enquanto organizava os materiais médicos e preparava as consultas, ela foi interrompida por um barulho vindo do corredor. Helena olhou pela janela da enfermaria e viu um grupo de detentos se aproximando. Entre eles, ela notou novamente a presença de Miguel. Ele caminhava com uma calma inquietante, como se não estivesse em um ambiente de confinamento, mas em um lugar onde ele tinha total controle. Seu olhar, mais uma vez, encontrou o de Helena, e por um breve momento, ela sentiu um calafrio percorre-la.

Estênio apareceu logo depois, interrompendo seus pensamentos.

— Doutora, o Avelar vai ser transferido para o pátio para o trabalho. Preciso que você faça uma última checagem nele antes de ele sair. — Estênio disse, com um tom que escondia um certo desconforto. — Ele não é um preso qualquer. Cuidado.

Helena olhou para ele, sem compreender completamente a gravidade das palavras de Estênio, mas sentindo que algo estava prestes a acontecer. Ela não tinha ideia do que o futuro reservava, mas o fato de Miguel estar sempre ao redor a inquietava cada vez mais.

Ao se dirigir para o pátio, Helena tentou ignorar a sensação de que todos os olhos estavam sobre ela. O pátio era um espaço aberto, onde os detentos eram autorizados a trabalhar, mas também era onde as disputas de poder aconteciam com mais frequência. Quando ela chegou, Miguel estava em um canto, conversando com alguns outros detentos. A maioria parecia evitá-lo, mas Helena percebeu que ele, de alguma forma, ainda dominava a situação, mesmo sem dizer uma palavra.

Ela se aproximou com cautela, observando Miguel com mais atenção. Ele estava de costas para ela, aparentemente alheio à sua presença, mas sabia que ele a sentia chegando. Ele não era o tipo de homem que ignoraria uma presença como a de Helena.

— Doutora. — Sua voz soou suavemente, mas com uma intensidade que imediatamente capturou a atenção de Helena. — Fiquei esperando você vir aqui. Não teve coragem de me procurar no corredor, então veio até o pátio, onde não há como escapar, certo?

O tom de provocação estava claro, mas, ao contrário do que Helena esperava, ela não se sentiu intimidada. Ao invés disso, uma sensação de desconforto começou a crescer dentro dela. A maneira como ele a observava, como se soubesse exatamente como mexer com ela, era desconcertante.

— Eu não sou um desafio para você, Avelar. Estou aqui para trabalhar e lhe examinar. — Helena respondeu, tentando manter a compostura.

Miguel sorriu de leve e se virou para encará-la diretamente. A proximidade deles aumentava a tensão do momento.

— Eu sei o que você pensa, doutora. Mas você não pode se enganar. Aqui dentro, todos jogam um jogo, e você, apesar de tudo, já está no meio dele. — Miguel disse, dando um passo mais próximo dela. — Você se afastou de mim ontem, mas hoje está aqui, esperando o quê? Uma explicação? Você realmente acha que vai entender alguma coisa por aqui?

Helena respirou fundo, tentando controlar as emoções que começavam a aflorar. Ela não sabia exatamente o que ele queria dela, mas não podia negar que sentia a necessidade de compreender. Mas mais do que isso, ela queria sair daquele jogo, ser a observadora, não a participante. Mas algo em Miguel a desafiava.

— Eu estou apenas fazendo meu trabalho. Nada mais. — Helena disse, com firmeza, mas as palavras soaram vazias até mesmo para ela mesma.

Miguel a olhou por um momento, como se estivesse analisando suas palavras, e depois sorriu novamente, mas desta vez, algo em seu sorriso parecia mais sincero, como se ele tivesse, por um breve instante, deixado cair a máscara de mistério que carregava.

— Eu sabia que você diria isso. — Miguel respondeu com uma leveza irônica. — Mas, no fundo, você já sabe que não pode sair de tudo isso tão facilmente. Este lugar, a forma como as coisas acontecem aqui... elas vão mudar você, doutora. E não tem como fugir disso.

Helena o encarou, e algo dentro dela se quebrou. As palavras dele a tocavam mais do que ela gostaria de admitir. Ele estava certo. Não importava o quão firme fosse, ela sabia que algo havia mudado dentro de si desde o momento em que entrou naquele presídio. Algo que não podia mais voltar atrás.

Antes que ela pudesse responder, o som de passos apressados interrompeu a conversa. Era Jair Lima, que apareceu ao longe, com seu habitual sorriso cínico no rosto.

— Doutora, parece que nosso amigo Avelar está tentando mexer com você. — Jair disse, com uma risada baixa.

Helena virou-se para ele, tentando não demonstrar a crescente frustração que sentia.

— Estou apenas tentando trabalhar Jair. — ela respondeu, olhando de volta para Miguel, que agora observava Jair com um olhar curioso.

— Eu sei, eu sei. Não se preocupe. — Jair disse com uma leve provocação. — Mas saiba que, se continuar por aqui, não vai ser mais simples como antes.

Aquelas palavras ficaram com Helena enquanto ela se afastava. Ela sabia que, com cada dia que passava, estava se afundando mais nas complexas relações daquele lugar. O jogo entre ela e Miguel era intenso. E o pior de tudo era que, de alguma forma, ela começava a perceber que não queria sair dele.

Ao retornar para a enfermaria, Helena tentou se concentrar no trabalho, mas a sensação de que estava perdendo o controle sobre a situação a incomodava. O que mais Miguel queria dela? E por que Jair parecia sempre estar à espreita, como se soubesse mais sobre ela do que ela mesma? A prisão não era apenas física, mas psicológica. E ela ainda não sabia como sair.

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