Capítulo 4 – Entre a Necessidade e o Desejo
O sol se escondeu atrás de nuvens escuras, como se o próprio presídio quisesse obscurecer o ambiente, refletindo o estado de espírito dos detentos e, de certa forma, de Helena também. O tempo parecia mais lento dentro daqueles muros, e a sensação de estagnação pairava no ar, como se nada realmente mudasse, apesar dos dias que passavam.
Helena estava na enfermaria, organizando os registros dos pacientes e tentando se concentrar em seu trabalho, quando a porta se abriu. Estênio entrou, com um semblante sério.
— Doutora, precisamos de você. — Estênio disse com um tom urgente, enquanto se aproximava.
Helena se levantou, sentindo a pressão começar a aumentar. O que seria dessa vez? Estava começando a perceber que as situações dentro do presídio não tinham fim. Sempre havia algo a ser resolvido, alguém a ser atendido ou algum jogo oculto a ser desvendado.
— O que aconteceu? — ela perguntou, já se preparando para a novidade.
— É o Avelar. Ele está causando um certo tumulto na ala 4. — Estênio suspirou, com visível desconforto. — Ele se recusou a ir à triagem hoje e está se comportando de forma errática. Alguns dos outros detentos começaram a ficar nervosos com a situação. Precisamos que você o examine, antes que ele cause mais confusão.
Helena sabia que, ao lidar com Miguel Avelar, nada era simples. Ele não se conformava com as regras estabelecidas e, de alguma forma, sempre tinha algo a mais escondido por trás de seus olhos atentos.
— Tudo bem, vamos até lá. — disse Helena, enquanto pegava sua prancheta e se preparava para seguir Estênio.
A ala 4 era uma das mais complicadas do presídio. Detentos conhecidos por seu comportamento agressivo e indomável estavam alojados lá, e qualquer distúrbio podia se transformar em uma situação caótica rapidamente.
Ao chegarem à porta, Estênio bateu de leve, esperando uma resposta. O som que se seguiu foi uma mistura de ruídos abafados, como se alguém estivesse mexendo com objetos. Após alguns segundos, a porta foi aberta.
Dentro da cela, Miguel estava sentado no canto, como sempre, mas sua postura estava diferente. Seus olhos, normalmente calculistas e frios, estavam agora inquietos, como se algo estivesse se passando em sua mente. Ele não parecia ser o mesmo de antes.
— Avelar. — Estênio disse, em um tom firme. — O que está acontecendo aqui?
Miguel olhou para eles com um leve sorriso, mas não respondeu imediatamente. Ele se levantou lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo. Seus passos eram tranquilos, mas Helena podia perceber uma tensão sutil em seus músculos.
— Eu não preciso de mais ninguém me dizendo o que fazer. — Miguel disse, com uma voz baixa, mas cheia de autoridade. — Já me examinei o suficiente, doutora. Não preciso do seu auxílio.
Helena não recuou, apesar da dureza das palavras dele. Ela sabia que lidar com Miguel Avelar não seria como os outros atendimentos. Ele estava desafiando-a, e ela poderia sentir isso em cada palavra.
— Você não tem escolha, Miguel. Todos os detentos precisam passar pot um exame médico. — disse ela, mantendo a calma, mas com um tom firme.
Ele a encarou por um momento, como se estivesse avaliando a seriedade dela. O ambiente entre os dois parecia elétrico, e Helena podia perceber que ele estava testando os limites dela.
— Eu não preciso ser tratado como um detento qualquer. — Miguel finalmente respondeu, com a voz carregada de um desafio claro. — E você não precisa ser mais uma médica sem poder aqui dentro. Então, por que não voltamos a trabalhar em silêncio, cada um no seu lugar?
Helena franziu o cenho, sua paciência começando a se esgotar.
— Eu sou médica, Miguel. Não sou parte do sistema. Eu estou aqui para fazer o meu trabalho. — ela respondeu, sem se deixar intimidar.
Estênio observava a troca de palavras com atenção, sem intervir. Ele sabia que qualquer palavra errada de sua parte poderia inflamar ainda mais a situação. A tensão estava clara, e todos dentro daquela cela podiam senti-la.
Miguel finalmente deu um passo em direção a Helena, ficando a uma distância segura, mas próxima o suficiente para que ela sentisse a presença dele. Seus olhos estavam fixos nos dela, e a intensidade da troca de olhares entre os dois aumentava a cada segundo.
— Você tem uma grande coragem para uma mulher que está presa entre essas paredes. — Miguel disse com uma voz suave, mas cheia de uma intensidade que Helena não sabia descrever. — Eu posso ver isso em seus olhos, doutora. Você não se deixa intimidar, mesmo quando sabe que está em território perigoso.
Aquele comentário a deixou desconcertada por um instante, mas Helena não cedeu.
— E você? — ela perguntou, se aproximando um pouco mais. — Você vai se deixar intimidar?
Miguel sorriu de leve, mas não respondeu de imediato. Ele apenas deu de ombros e se afastou, indo até a janela da cela. Helena observava-o, tentando entender as camadas daquele homem.
— Eu não sou intimidado por ninguém. — ele disse, com uma calma surpreendente e um sorrisp discreto no rosto. — Mas você... você parece ser diferente.
Aquela frase pairou no ar. Helena não sabia o que responder. O jogo entre ela e Miguel começava a ficar mais complexo do que ela imaginava. Ele não era apenas mais um detento para ela. Havia algo mais em sua atitude, algo que a desafiava a encarar as próprias limitações.
Antes que pudesse processar o que ele havia dito, Estênio interrompeu o silêncio.
— Doutora, precisamos resolver isso agora e voltarmos para enfermaria. — ele disse, com um tom de urgência.
Miguel olhou para Estênio com um olhar quase desdenhoso, mas, surpreendentemente, não fez mais objeções. Ele se sentou na cama, cruzando os braços.
— Façam o que tiverem que fazer. — ele disse, com uma leve ironia. — Mas não pensem que vão me controlar.
Helena respirou fundo e começou a examinar Miguel. Enquanto trabalhava, o silêncio entre eles aumentava a tensão. Mas ela sabia que algo estava se formando ali, algo que ela ainda não podia compreender completamente.
Enquanto examinava, ela não conseguia afastar a sensação de que Miguel estava, de algum modo, manipulando as regras não só do presídio, mas também dela. E o que era pior: ela começava a sentir que estava caindo nesse jogo, mesmo sem saber as verdadeiras consequências.
Ao sair da cela, Helena foi abordada por Jair novamente, que a observava com um olhar curioso. Ele tinha um sorriso malicioso no rosto.
— Avelar é um caso complicado, doutora. Mas posso garantir que você nunca vai entender totalmente o que ele quer. — Jair disse, com uma risada baixa.
Helena o encarou por um momento, tentando manter a compostura.
— Eu não preciso entender, Jair. Só preciso fazer o meu trabalho.
Jair balançou a cabeça, como se tivesse ouvido isso muitas vezes antes. Era notório que Helena já não era mais a mesma mulher que entrou no presídio dias antes.
Enquanto ela voltava à enfermaria, sua mente ainda ecoava as palavras de Miguel. Ele a desafiava de formas que ela ainda não podia entender. E, de alguma forma, ela começava a acreditar que esse jogo entre eles estava apenas começando.
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Atualizado até capítulo 40
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