O ambiente do presídio parecia se moldar a cada dia que passava. Helena tentava manter o foco no trabalho, mas não podia ignorar as dinâmicas entre os detentos. O olhar atento deles, as conversas sussurradas nas esquinas, as trocas de olhares furtivos. Cada ato e cada palavra pareciam carregar um peso maior dentro daquele espaço confinado.
Ela entrou no refeitório do presídio na manhã seguinte, acompanhada de Estênio, que a orientava nas primeiras semanas de trabalho. O lugar estava lotado. Detentos se empurravam nas filas, alguns tentando se fazer notar, outros preferindo permanecer na sombra.
— Doutora, o refeitório é onde a coisa mais tensa acontece. — Estênio disse em voz baixa, enquanto observava alguns dos presos mais conhecidos se cumprimentarem com olhares carregados de significado. — Aqui, as alianças e disputas acontecem bem na sua frente. Só não se envolva.
Helena olhou em volta, sentindo o peso das palavras de Estênio. Os homens estavam em um constante jogo de olhares e movimentos. Alguns falavam em sussurros, outros discutiam abertamente, mas todos pareciam estar, de alguma forma, em um jogo muito maior do que o que ela poderia compreender.
Foi então que ela viu Miguel novamente. Ele estava sentado no canto, com um prato simples diante de si. Seus olhos estavam voltados para o fundo do refeitório, mas algo em seu semblante chamou a atenção de Helena. Ele estava calmo, mas havia uma tensão no ar ao seu redor. Outros detentos evitavam sua proximidade, não por medo, mas por respeito. Respeito que vinha de algo muito mais forte que o simples poder.
Ela caminhou em direção a uma mesa próxima, tentando não chamar atenção. Estênio se sentou ao seu lado, observando tudo com um olhar cínico.
— Você vai ver, doutora... — ele disse, com um tom de aviso. — O Avelar não gosta de se misturar com os outros. Mas sempre tem alguém tentando se aproximar dele, por algum motivo. Ele é... diferente, como já disse.
Helena assentiu, mas seus olhos continuaram fixos em Miguel. Ele não parecia fazer esforço algum para interagir com os outros, como se estivesse acima de tudo aquilo. Ela não sabia se isso era uma defesa, uma estratégia ou algo mais profundo, mas, de alguma forma, ela sentia que ele a observava também. Era quase como um jogo silencioso, onde as regras ainda não estavam claras para ela.
A refeição seguiu seu curso, mas a tensão na sala não desapareceu. Em dado momento, Miguel se levantou, sem pressa, e caminhou até a saída do refeitório. Seus passos eram firmes e calculados, e, quando ele passou por ela, o olhar que trocou com Helena foi carregado de uma intensidade que ela não soubera identificar.
Estênio, que havia notado o olhar trocado entre os dois, bufou.
— Esse é o problema, doutora. Ele sabe como jogar o jogo. Mas você vai aprender. — Estênio disse, como se estivesse compartilhando uma sabedoria antiga.
Helena sentiu um arrepio na espinha, mas tentou ignorar a sensação. Não era apenas a presença de Miguel que a inquietava, mas a sensação de que, de alguma forma, ela estava sendo puxada para um redemoinho que ainda não compreendia totalmente.
Após o almoço, o resto do dia foi uma mistura de atendimentos médicos e observação. Helena tratava de detentos com queixas variadas: dores musculares, ferimentos antigos, problemas respiratórios. Cada um deles tinha uma história, mas eram histórias que ela não estava pronta para ouvir de imediato. A cada paciente, ela sentia o peso da solidão e da dor que permeava aquele lugar.
À tarde, enquanto revisava alguns dos registros de saúde, foi abordada por Jair Lima, o homem com quem havia conversado no dia anterior.
— Doutora, eu sei que você é nova aqui... — ele começou, com um tom de voz casual, mas os olhos observavam Helena com interesse. — Mas se você quiser sobreviver neste lugar, vai precisar entender o que acontece nos bastidores.
Helena olhou para ele, sua expressão impassível, mas não estava cega ao fato de que Jair tinha mais informações do que estava deixando transparecer.
— Eu estou aqui para ajudar, Jair. Não para me envolver em qualquer tipo de jogo entre os detentos. — ela respondeu, com firmeza.
Jair deu um sorriso, mas seu olhar era cínico.
— Todo mundo se envolve, doutora. Ou você escolhe ficar à margem e ver tudo acontecer ao seu redor... ou você entra no jogo, seja pela força, seja pela persuasão. — ele disse, encurtando a distância entre eles. — E eu tenho certeza de que você não quer ser apenas uma espectadora.
Helena não respondeu de imediato. Ela sabia que Jair tinha razão em parte. Não havia neutralidade naquele lugar. Mas ela ainda se recusava a aceitar que tinha que fazer parte do sistema. A ajuda que ela queria oferecer tinha que ser feita de uma maneira diferente.
— Eu vou fazer o meu trabalho, Jair. E, com o tempo, você vai ver que esse lugar não me controla. — Helena disse, de forma firme, mas com uma leveza que sugeria que, por dentro, ela ainda estava tentando encontrar seu lugar.
Enquanto o dia se arrastava para o fim, Helena começou a sentir a pressão do ambiente ao seu redor. Quando ela voltou à enfermaria, encontrou Estênio esperando por ela, com um olhar que denunciava uma certa preocupação.
— Temos uma situação com o Avelar. — Estênio disse, com um tom de urgência.
Helena ergueu as sobrancelhas, mas não disse nada. Estava começando a entender que Miguel Avelar era mais do que apenas um detento difícil. Ele era uma presença que tinha o poder de mexer com o equilíbrio do lugar.
— O que aconteceu? — Helena perguntou, já se preparando para outra surpresa.
— Ele... está na enfermaria. Insistiu em passar por aqui, disse que precisava de atendimento, mas não explicou o que edtava sentindo. Não podemos deixá-lo sair sem entender melhor o que está acontecendo. — Estênio disse, com uma leve tensão na voz.
Helena suspirou, sabendo que não poderia escapar dessa vez. Ela caminhou até a enfermaria, com o coração batendo mais forte, não apenas pelo trabalho, mas por algo mais profundo, algo que ela não conseguia entender ainda.
Quando entrou na sala de atendimento, encontrou Miguel sentado, sua expressão ainda inexpressiva, mas seus olhos... aqueles olhos estavam fixos nela. Era como se ele soubesse algo que ela não sabia.
— Miguel... — Helena começou, tentando manter a compostura. — O que aconteceu?
Miguel a olhou por um momento e, pela primeira vez, sorriu de uma forma quase imperceptível.
— Eu só queria ver você Doutora— ele disse, com a voz suave e sedutora.
Aquela simples frase deixou Helena em silêncio.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
minan zuhri
Vou ler de novo! 📚
2025-05-01
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