Luna já havia deixado Aurora em casa e, assim que chegou, jogou a mochila no sofá e foi direto para o banheiro. O cansaço pesava nos ombros, e o calor do dia havia grudado na pele como um cobertor desconfortável.
Girou o registro e deixou a água quente cair sobre seu corpo, relaxando cada músculo tenso. O tempo estava mudando, e ela adorava isso. Um friozinho gostoso se espalhava pelo ar — aquele tipo de clima que pedia um moletom, cobertor e talvez um bom filme ou um caderno para escrever.
Fechou os olhos por alguns segundos, sentindo o vapor subir, e como sempre, os pensamentos foram direto para Aurora. O sorriso dela naquela manhã, o jeito como mexia no cabelo enquanto falava com os amigos, como se o mundo inteiro parasse só pra vê-la brilhar.
Luna suspirou, apoiando a testa contra a parede fria do box.
— Você precisa parar com isso... — murmurou pra si mesma.
Depois de um belo banho demorado, ela foi se vestir. Dessa vez, escolheu uma calça de moletom cinza, uma blusa de frio marrom e um tênis branco — pra não chamar tanta atenção. Secou o cabelo, se olhou no espelho e, como sempre, estava ótima.
— LUNA, VAI JANTAR EM CASA? — a mãe gritou lá de baixo.
Por que mãe tem mania de gritar tanto assim? pensou ela.
Desceu correndo igual uma doida, assustando a mãe, que a olhou indignada.
— Não, mãe. Vou pra casa da Alice — respondeu, ligando a TV da sala.
— Okay então! Qualquer dia você quebra a cara... vê se presta atenção quando desce!—
— Não se preocupa,mãe.
Eu sou médica — falou rindo.
— Vai achando que só porque é médica tem sete vidas, igual o Sállem..—
Sállem era o gato da casa.
— Falando nisso, cadê ele?—
Luna mudava de canal procurando algo legal, mas já estava sem paciência e largou o controle de lado.
— Tá na rua, putianeando como sempre. Ele dá mais trabalho que você!—
As duas riram, porque sabiam que era verdade.
— Ele é mais pegador que eu... queria namorar igual ele.—
— Nem me fale! Eu também preciso namorar. Sou uma coroa tão bonita e ninguém me quer...—
A mãe de Luna era viúva. Seu esposo morreu em um acidente de carro, e desde então ela nunca mais quis ninguém. Às vezes dizia que queria, mas Luna sabia que no fundo ela só tinha medo, medo de tentar de novo, e medo de Luna não aprovar.
— Mãe, eu já falei que a senhora merece ser feliz — disse Luna, sincera.
Ela sempre incentivava a mãe.
— É difícil, Luna... muito difícil encontrar alguém que preste.—
— Realmente é difícil. Tira as conclusões por mim: tô aqui sem ninguém.—
A mãe se sentou ao lado dela e pegou sua mão com carinho.
— Por que você não fala com a Aurora, filha?
Luna soltou uma risada nervosa. Aquela pergunta...
— Ai, mãe... eu tenho medo — disse, desanimada.
— Filha, você tem que enfrentar esse medo... senão vai continuar sofrendo.—
— Eu já tô sofrendo horrores, mãe. O problema é que ela é minha amiga... e vive dizendo que me considera uma irmã. É por isso que eu tenho medo..medo dela não sentir o mesmo.—
— Pois deveria enfrentar logo esse medo. Sei que não é fácil, filha... Mas mesmo que ela não sinta o mesmo, pelo menos você tira essa dúvida. Vai saber se ela gosta ou não —
disse a mãe, com aquele tom acolhedor de sempre.
— Prometo que vou pensar com carinho, mãe. A senhora sabe que eu te amo muito,né?—
Luna abraçou sua mãe apertado e deu um beijo em sua testa.
— Eu sei, filha... E eu te amo muito mais. Se fosse em outra época, eu até ia pensar que você queria dinheiro! —
falou em tom de brincadeira.
— — Ai, mãe, tenho que ir, já são 18h e eu nem tinha percebido — falou Luna, se levantando e pegando a chave do carro.
— Tá bom, filha. Já que você vai pras garotas, eu vou sair com sua tia.—
— Vão pra onde?—
— Sua tia não me falou... você sabe como a tia Aisha é doida.—
Luna riu com o comentário da mãe.
— Doida é pouco, mãe! Mas eu amo minha tia mesmo assim.—
— Parece uma adolescente, aquela doida.—
— Isso já é genético. Você e ela estão no mesmo nível,mãe.—
A mãe ficou indignada e deu um peteleco na cabeça dela.
— Cadê o respeito, uhu? Ai ai, viu..—
Luna só sabia rir da cara da mãe
— Doeu, mãe! Mas enfim, até mais tarde — disse, dando um beijo na bochecha dela.
— Não vai dormir lá?—
— Acho que não mãe,mas qualquer coisa eu te ligo.—
— Tá bom filha, e toma cuidado no trânsito.—
— Pode deixar, senhora.—
A mãe a levou até a porta, e se despediram com um abraço e um “te amo”.
Luna deu partida no carro, já estava atrasada. Ainda bem que o trânsito não estava tão ruim, e ela levou só uns 20 minutos pra chegar.
Estacionou seu carro na garagem da Alice e percebeu que nenhum dos carros das meninas estava lá — sinal de que elas ainda não tinham chegado. Pela primeira vez, ela não tinha sido a última. Riu dos próprios pensamentos.
Bateu na porta, e nada. O jeito foi gritar
— ALICE, ABRE AQUI, CARNIÇA!—
Nem assim Alice escutou. Então, Luna ligou pra ela, mas desligou assim que atendeu, e começou a bater novamente, agora com mais força.
— TÔ INDO, INFERNO! — gritou do outro lado da porta, e logo abriu com um sorriso.
— Tá com ouvido no cu? Eu, hein — disse Luna, entrando e já se jogando no sofá, abraçando o gato da amiga.
— Ai, eu tava na cozinha! Era impossível te ouvir.
— Isso se chama velhice precoce.
Luna adorava zoar as amigas. A única que ela não zoava era a Aurora.
Alice deu um tapa no ombro da Luna e a empurrou pro lado, pra sentar também.
— Que milagre você chegar primeiro. O que aconteceu?—
— Eu queria era saber o que aconteceu pras meninas se atrasarem, isso sim.—
— A Aurora falou que ia pegar a Anna e depois a Lisa.—
— Mas as casas delas são quase grudadas. Impossível esse atraso.—
Luna fazia carinho no bolinho de pelo, que estava bem aconchegado em seu colo.
— Você promete que não vai contar pra Aurora o que eu vou te dizer?—
Luna olhou sem entender nada.
— Como assim? E por que a Aurora não me contou?—
Pronto. Já estava irritada. Pra quem dizia que eram irmãs, ela deveria ter contado, pensou.
— Bom… é que ela ia contar hoje, mas não sabia qual ia ser sua reação — disse Alice, simples, fazendo carinho também no gatinho.
— Ué? Mas eu não sou irmã dela?? Ela fez merda,né?—
Se levantou, indo até a cozinha pegar um copo d’água. Alice foi atrás.
— Tá vendo? Por isso ela não contou.—
— Conta logo, Alice, eu já tô estressada!—
— Percebe-se, né? Se acalme, jovem.—
— ENTÃO CONTA, INFERNO! Porra, que porrra de inrolacão—
Alice estava se divertindo com a cara da Luna.
— Então… se acalme, viu?—
Foi até perto da amiga, agarrou seus ombros com os dois braços e a encarou.
— Fala logo, Alice! Meu coração tá até acelerado, parece que vai sair do meu peito!—
— Que drama, misericórdia — respondeu com um sorriso no rosto.
Luna se sentia apreensiva, inquieta por dentro. O medo tomava conta do seu peito, e sua mente não parava um segundo. Pensava se Aurora teria feito algo pior… e se tivesse saído com alguém? E se já estivesse até namorando e só não quis contar?
Seu coração apertava com cada hipótese criada na própria cabeça. O maior medo dela era que Aurora tivesse conhecido outra pessoa. Um encontro, um beijo, ou até algo mais sério... Só de imaginar, Luna sentia o estômago revirar.
“Será que ela não me contou pra não me magoar? Ou porque realmente não sente nada e nem se importa em esconder?”, pensava, enquanto olhava pra Alice
A mente estava a mil. Um caos silencioso.
Alice deu continuidade, enquanto se divertia com a cara que Luna fazia.
— Então... é que a Aurora saiu... —
Antes que Alice completasse a frase, a porta se abriu e as três garotas entraram com várias sacolas nas mãos, rindo e falando alto.
Aurora foi a primeira a notar o clima estranho.
— O que tá acontecendo aqui? — perguntou, franzindo o cenho ao perceber o silêncio repentino e a expressão da Luna.
Luna respirou fundo, tentando manter a compostura. Seu coração acelerava, mas ela não queria explodir na frente de todos.
Sem dizer nada, virou as costas e saiu da sala, indo direto pra cozinha.
Deixou todas ali, sem dar uma explicação sequer.
Aurora ficou ali parada, sem entender o que tinha acabado de acontecer, segurando as sacolas, com a expressão confusa e um nó estranho se formando em seu peito.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
filzah
Já li muitos livros, mas esse certamente é um dos melhores que já tive o prazer de ler. Parabéns, autora!
2025-04-26
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