César encerrou o expediente mais por exaustão emocional do que por fim de tarefas. A cabeça fervia, mas o corpo apenas queria descanso. Ao chegar em casa, abriu a porta e foi recebido por um silêncio que parecia ter se instalado ali há semanas. Um silêncio diferente. Não o de quem descansa… mas o de quem foi deixado.
Deixou as chaves caírem no sofá, junto com a pasta, o paletó e o que restava da compostura. Foi direto à pequena adega no canto da sala — uma daquelas aquisições de adulto responsável que ele jurou usar só em ocasiões especiais. Bem, hoje era especial: ele estava emocionalmente destroçado. E, honestamente, isso parecia uma boa justificativa.
Puxou uma garrafa de vinho caro, daquelas que vinham com nome francês e preço que fazia chorar antes mesmo de abrir. Pegou um copo — um só, como sempre foi desde que Dominique passou a dormir em outro lugar — e sentou-se numa das cadeiras da cozinha.
O som da rolha saindo foi quase terapêutico. Serviu-se. Bebeu. A cada gole, o peito ficava um pouco mais apertado. Talvez fosse o álcool. Talvez fosse tudo.
Então vieram as lembranças.
Dominique, rindo desajeitado na cozinha, derrubando açúcar no chão enquanto tentava fazer panquecas. O sofá bagunçado depois de noites mal dormidas por causa do bebê. Os dois, exaustos, mas se olhando com um tipo de amor que parecia eterno.
E o primeiro passo do filho deles. Aquele passinho meio tropeçado, meio milagroso. César estava lá. Ele se lembrava do jeito que o coração parecia ter parado, só pra poder guardar aquela imagem.
As lágrimas vieram antes que ele percebesse. Caíram pesadas, silenciosas. E, quando tocaram o chão, parecia que tinham o peso de uma vida. Tinham a delicadeza de uma furadeira ligando direto na alma.
Ele limpou os olhos com a manga da camisa, fungou como quem finge não estar chorando (apesar de estar claramente chorando) e resmungou, meio rindo, meio soluçando:
— Eu devia ter pegado dois copos... um pro vinho, outro pro orgulho que eu perdi.
Do outro lado da cidade, Dominique fechava o zíper da última mala com um suspiro longo, desses que carregam mais do que cansaço — carregam decisões. O quarto estava silencioso, iluminado apenas por uma luz baixa do berçário ao lado, onde o som mais forte era a respiração suave de um bebê profundamente adormecido.
Ele se aproximou devagar, os passos leves, como se o silêncio ali fosse sagrado. Encostou-se ao batente da porta, os braços cruzados, observando o filho dormir. Um pequeno anjo, envolto em cobertas macias e paz. Dominique sorriu, aquele sorriso tímido de quem está machucado, mas ainda assim encontra beleza em algo.
— Você não faz ideia do quanto me segura, sabia? — murmurou baixinho, mais pra si mesmo do que pro bebê.
Sentou-se no chão, encostando as costas na parede, e ficou ali apenas... olhando. Relembrando.
A primeira vez que César o abraçou no meio da madrugada, quando tudo parecia desmoronar e nenhuma palavra foi dita — só o calor de um abraço. As piadas ruins que César contava tentando cozinhar. O jeito como ele segurava o filho com medo de apertar demais, como se estivesse carregando o universo.
Viver com César nunca foi ruim. Na verdade, por muito tempo, foi tudo de bom que ele conhecia.
Mas as coisas boas... ah, como doem quando deixam de caber no presente.
Ele inclinou a cabeça pro lado e sussurrou, com um nó na garganta e uma leve ironia que quase passou despercebida:
— E pensar que eu tô saindo da única casa onde alguém sabia exatamente quantas gotas de açúcar eu gosto no café...
Fechou os olhos por um momento, inspirando fundo. Ele sabia que mudanças eram necessárias. Só não sabia que doíam tanto mesmo quando eram escolhas dele.
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Atualizado até capítulo 85
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