Capítulo 2

O silêncio que caiu sobre o átrio da Mansão Thornbird era tão denso que o som da respiração de Vanessa parecia uma afronta.

Ela continuava no chão frio de mármore negro, os trapos rasgados expondo seus ombros frágeis, a pele marcada pelas correntes. Sua testa tocava o piso, e seus olhos arregalados encaravam a figura diante dela: o Duque Prateado.

Raphael Ackerman não se moveu.

Apenas observou.

E cada segundo sob seu olhar era como uma lâmina afiada passeando pela espinha de Vanessa. Seus olhos — de um azul tão pálido quanto gelo antigo — não refletiam fúria, nem surpresa. Apenas uma quietude cruel. Ele não perguntou quem ela era. Não exigiu explicações.

Sabia. E não se importava.

— Levantem essa coisa — disse ele, enfim. Sua voz era baixa, profunda, como uma promessa maldita sussurrada ao ouvido de um condenado.

Os criados se apressaram. Vanessa foi puxada rudemente pelos braços. Os gêmeos observavam, mudos. Orion tinha o cenho franzido, Jasper apenas desviava o olhar, envergonhado.

— A Imperatriz realmente sabe me divertir — murmurou Raphael, fitando Vanessa como quem avalia um animal estranho.

Liliane apareceu no topo da escadaria, vestida com um robe dourado translúcido, os cabelos loiros presos em um coque imperfeito. Desceu devagar, sem se apressar, como se fosse ela a verdadeira dona da mansão.

— Já recebeu o presente, meu amor? — perguntou com doçura.

Raphael desviou os olhos de Vanessa e olhou para a esposa como se ela fosse uma pintura empoeirada na parede.

— Ela fede — disse simplesmente. — Leve-a. Dê-lhe um banho. Corte as unhas. Queime essas roupas. E não a matem... ainda.

Virou as costas e subiu as escadas, sem dizer mais nada.

 

Vanessa não lutou enquanto a arrastavam. Estava entorpecida. O banho foi com água fria. Três criadas a esfregaram com escovas de cerdas duras até sua pele arder. Cortaram seus cabelos ondulados às pressas, mas ainda assim eles caíram pesados, belíssimos, até o meio das costas. Quando as criadas tentaram raspar parte deles, a faca que usavam escorregou e cortou o pulso de uma delas.

Elas pararam.

— Melhor deixarmos assim — disse uma, nervosa.

Vanessa foi vestida com um vestido simples, de tecido cinza claro, sem adornos. As correntes foram substituídas por um colar de ferro com o selo da casa Ackerman. O metal gelado pesava mais que qualquer joia real.

Ela foi deixada sozinha em um quarto escuro, no porão da ala principal. Sem cama. Sem janelas. Apenas um canto limpo com uma jarra de água e pão velho.

Vanessa se encolheu ali. Tremia. Não de frio, mas de alguma emoção que ainda não tinha nome. Não era medo. Era algo mais instintivo, mais profundo. A sensação de ter sido marcada. Observada. Escolhida — ainda que contra a vontade do próprio escolhido.

Naquela noite, ela não dormiu.

 

Do alto da mansão, Raphael observava a escuridão pela janela de seu quarto. Seu reflexo no vidro era pálido. Os dedos tamborilavam a madeira do parapeito. Liliane se aproximou pelas costas, envolveu a cintura dele com os braços.

— Está estranho esta noite, Raphael — ela disse, beijando sua omoplata nua.

Ele não respondeu.

— A escrava... tem algo de curioso, não tem?

— Um animal curioso ainda é um animal — ele respondeu, seco.

Liliane sorriu. Beijou o pescoço dele, lenta. Mas Raphael não reagiu. Seus olhos estavam presos à escuridão, onde, atrás de dezenas de paredes e corredores, uma garota de olhos verdes tentava não chorar.

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5 Capítulo 5
6 Capítulo 6 – O Banquete dos Corvos (Parte 1/3)
7 Capítulo 6 – O Banquete dos Corvos (Parte 2/3)
8 Capítulo 6 – O Banquete dos Corvos (Parte 3/3)
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