Capítulo 2 – Espelhos Partidos

O colégio amanheceu pesado. As nuvens baixas pareciam apertar o ar contra os telhados, e a umidade escorria pelas paredes como lágrimas antigas. Os alunos circulavam em silêncio, passos hesitantes ecoando pelos corredores vazios — como se todos soubessem, mesmo sem dizer, que algo ali havia mudado para sempre.

Valentina

Na sala 3B, Valentina segurava o caderno encontrado no pátio. A flor seca ainda repousava entre as páginas e, ao encarar seu nome em tinta vermelha escura, seu coração deu um salto doloroso. Ela passou o dedo sobre as letras, sentindo o papel áspero como pele machucada.

— “Quem fez isso?” — murmurou, voz trêmula, mas o eco devolveu apenas o silêncio.

O ar pareceu comprimir seu peito. Cada batida retumbava nos ouvidos, misturando culpa e medo. Memórias de risos e confidências afloraram: Helena sorrindo no vestiário, seu abraço suave antes do pesadelo. Valentina fechou os olhos, tentando afogar o turbilhão.

Quando reabriu, sentiu o olhar de todos pairando sobre ela, mesmo sem ninguém encará-la diretamente. O colégio inteiro parecia observar cada passo seu, acusando-a em silêncio.

Enquanto isso…

Lívia

Mais tarde, a biblioteca estava deserta. As estantes projetavam sombras longas sobre o piso encerado, e o silêncio parecia sugar o som dos próprios passos. Lívia sentou-se num canto escuro, o caderno antigo apoiado nos joelhos. Os dedos rabiscavam símbolos que ela mal compreendia — como se alguém guiasse sua mão.

Cada sopro de vento que entrava pela janela movia as páginas, trazendo fragmentos de memórias: risos abafados, passos apressados, a mão trêmula de Helena contra a porta do vestiário. O ar frio fazia os pelos de seu corpo se arrepiarem.

— Ela quer justiça... — sussurrou, a voz quase inaudível.

Num instante, a porta de vidro rangeu sozinha. Lívia ergueu os olhos e, na superfície polida, formou-se uma única palavra em vapor:

Sim.

Seu coração disparou. Um calor subiu pelo rosto. Ela fechou o caderno com força, sentindo as páginas se moverem como asas de morcego. Agora, não havia como negar o chamado.

Horas depois…

Arthur

Arthur jantou em silêncio, cada garfada parecia afundar como pedra no estômago. Tentou se concentrar no tilintar da colher contra o prato, mas a cabeça rodava com imagens do sonho.

— “Merda...” — sussurrou, ainda sentindo o toque gelado na nuca.

Levantou-se e foi até o banheiro. Acendeu a luz, encarou o espelho e passou as mãos no rosto. Seus olhos, fundos de tanto sono e medo, encontraram um presságio: um chiado baixo ecoou pelo corredor — como uma fita antiga sendo rebobinada.

Ele ficou imóvel, o coração martelando no peito. O som cresceu, metálico e insistente, como se algo rastejasse por trás da porta.

O espelho embaçou e, lentamente, formaram-se letras:

> “Deseja.”

O suor escorreu pela testa de Arthur. A respiração dele ficou ofegante. Ele sentiu algo o observando por trás. Quase girou o corpo para fugir, mas ficou paralisado. Sabia que, se se virasse, veria Helena de novo.

— “Não pode ser...” — murmurou, voz trêmula.

Ele estendeu a mão para tocar o espelho, mas recuou quando a superfície gelada lhe queimou a pele. Foi como um aviso.

Transição

Enquanto o sol se punha e o colégio se preparava para fechar, um presságio pairou no ar: os sinos tocaram sozinhos, ecoando pelas salas vazias. Um vento gelado percorreu os corredores, apagando lâmpadas e sussurrando nomes.

Clímax no espelho

Na manhã seguinte, Valentina voltou à sala de dança interditada. O collant preto colava-se ao corpo, e cada respiração reverberava no peito. Ela hesitou na soleira, sentindo a madeira fria sob os pés descalços.

Ligou o aparelho de som, buscando consolo na melodia suave. A música começou, mas logo estalou num ruído estridente e se distorceu em sussurros:

— “Por que você não me ajudou, Val?”

O sangue gelou. Valentina parou no centro da sala, ofegante, as mãos tremendo. Seu impulso era correr, arrancar o collant, desaparecer no chão frio — mas algo a manteve ali.

Ela fechou os olhos, lembrando do rosto de Helena: o sorriso ingênuo, o abraço final.

Quando abriu, olhou para os espelhos que cobriam a parede. Sua imagem hesitou por um segundo. Então Helena surgiu ali, nos reflexos: vestida de branco, cabelos pingando, olhos negros como poços.

Valentina recuou, quase tropeçando. Medo e desejo se entrelaçaram num nó no peito. O ar ficou denso, como se o mundo inteiro aguardasse seu próximo movimento.

— “Eu… eu sinto muito...” — sussurrou, voz quebrada.

Helena deslizou para fora do espelho, silenciosa como neblina. Valentina sentiu as pernas falharem. Quando tentou dar um passo atrás, o corpo se recusou. Helena aproximou-se, ergueu a mão e tocou-lhe a nuca — um beijo frio, como febre congelada.

Num estalo ensurdecedor, os espelhos estilhaçaram-se. Pedaços de vidro voaram em todas as direções, cortando o ar com um som metálico. Valentina gritou, um som cru que misturou dor e alívio. O chão tremeu sob o impacto dos cacos.

A coordenadora irrompeu na sala, mas parou diante da cena: Valentina, de joelhos, lágrimas e sorrisos simultâneos, o olhar perdido entre culpa e rendição.

Vídeo no auditório

Na tarde seguinte, o auditório estava lotado para a homenagem a Helena. Murmúrios nervosos se espalharam quando o projetor falhou duas vezes antes de finalmente ligar. O chiado de fita sendo rebobinada ecoou pelos alto-falantes, fazendo o público estremecer.

A tela acendeu, exibindo um vídeo caseiro: Helena viva, desesperada, chorando no vestiário.

— “Alguém me ajuda... por favor...” — sua voz falhou no silêncio.

A imagem congelou, ficou preta. Um segundo de silêncio absoluto. Depois, um único grito que rasgou a quietude.

As luzes piscaram, e a diretora correu para desligar o projetor, mas não havia botão que acalmasse o horror. Os alunos se levantaram em pânico, empurrando uns aos outros. Arthur sentiu a mão gelada de Lívia apertar seu braço, firme como correntes invisíveis.

Fechamento de capítulo

Na saída, Arthur e Lívia pararam diante do mural de fotos de Helena. Uma folha seca rodopiou entre eles e pousou sobre a imagem dela sorrindo em um palco de balé.

Arthur virou-se para Lívia, olhos marejados e voz embargada:

— “Foi você quem passou o vídeo?”

Lívia ergueu o caderno, exibindo a flor seca e as páginas rabiscadas. No reflexo de seus olhos, Arthur viu não apenas sua amiga, mas o brilho faminto de Helena, misturado ao deleite de quem tem o poder da vingança.

— “Ela quer que todos vejam. Quer que sintam o que eu senti.”

— “Ela está te usando.”

— “Ou talvez eu esteja deixando.”

Lívia sorriu — um sorriso que não era só dela, mas de Helena. Arthur deu um passo para trás, sentindo o eco do sussurro “Desejo” vibrar pelos corredores vazios.

E soube, sem precisar de mais nada, que o pior ainda estava por vir.

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