Dia Infernal

Na manhã seguinte tudo voltou ao normal, Alice levantou cedo e voltou a ser só um serva. Durante o café da manhã enquanto servia, Camilla derramou leite nela, jurando que foi sem querer, ainda que nada que ela fizesse fosse sem querer, alguns minutos depois, assim que Michael saiu da mesa, Camilla jogou tudo no chão e deixou claro que Alice que limparia, ninguém mais, Isadora sorriu satisfeita e as duas saíram.

O dia inteiro foi dessa forma, Camilla procurando um jeito de infernizar a vida de Alice, o troco por Enzo tê-la ignorado na noite interior.

A noite havia finalmente chegado, se transformado em um silêncio quase sufocante no pequeno quarto da mansão Moretti. Alice estava sentada no chão frio, limpando meticulosamente uma das poucas luminárias que iluminavam seu pequeno mundo. Os dedos ágeis trabalhavam sem descanso, mas sua mente estava longe, perdida em pensamentos sobre liberdade.

De repente, a porta se abriu, e a luz da lanterna de Enzo cortou a quase escuridão do cômodo. Ele entrou com passos firmes, fechando a porta cuidadosamente atrás de si.

— Você realmente deveria aprender a descansar, Alice — ele comentou com um sorriso meio cansado, agachando-se ao lado dela.

Alice sorriu de volta, mas não parou o que estava fazendo. — E você deveria aprender a não se arriscar vindo aqui.

Enzo deu de ombros, sentando-se ao lado dela. — Soube que a Camilla pegou no seu pé o dia inteiro.

— Nada que ela já não tenha feito.

Ela riu suavemente, um som raro que fez Enzo se sentir um pouco mais leve. Ele sabia que a vida dela era um constante peso, e momentos como aquele eram tudo o que podia oferecer.

— Trouxe algo pra você. — Ele puxou um sanduíche embrulhado em um pano limpo e estendeu para ela.

Alice o aceitou com um olhar agradecido. — Obrigada.

Por alguns instantes, os dois ficaram em silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos, tudo que Alice não queria era ter que falar sobre o episódio da noite anterior. Ela partiu o sanduíche ao meio e ofereceu uma parte para Enzo, que aceitou sem protestar.

— Ali, sobre ontem eu queria me desculpar.

— Não precisamos falar sobre isso, bom, tenho treinado o que você me ensinou — Alice comentou de repente.

— Mesmo? — Ele ergueu uma sobrancelha, divertido. — Quero ver o progresso.

Alice se levantou, animada, e fez um gesto para que ele ficasse de pé também. — Vamos, então.

Enzo riu, mas obedeceu, assumindo uma postura defensiva. — Tudo bem, mostra o que você tem.

Alice avançou com um golpe rápido, mas Enzo desviou com facilidade. Ela tentou novamente, dessa vez mirando um soco no abdômen dele, que segurou seu punho com firmeza.

— Bom, mas previsível — ele disse, girando o braço dela gentilmente e a imobilizando.

Alice bufou, mas não desistiu. Com uma reviravolta ágil, ela conseguiu se soltar e dar um chute na direção das costelas dele. Enzo riu ao bloquear o golpe.

— Você está ficando melhor — ele admitiu.

— Melhor o suficiente para fugir? — Alice perguntou, a seriedade em sua voz pegando Enzo de surpresa.

Ele relaxou a postura, soltando um suspiro.

— Alice...

— Não me diga que é impossível. — Ela cruzou os braços, encarando-o. — Mesmo que não me ajude eu vou tentar.

Enzo desviou o olhar, passando uma mão pelos cabelos castanhos. Ele queria ajudá-la, mais do que qualquer coisa. Mas a ideia de perdê-la para o mundo — ou, pior, para os perigos que esperavam lá fora — era quase insuportável.

— Não é que eu não queira ajudar você, Alice. É que o mundo lá fora não é como você imagina. E Michael... Ele não vai deixar isso barato, fugir não deveria ser uma opção.

— Ele já me tomou tudo. — A voz dela tremeu, e ela abaixou os olhos. — O que mais ele pode tirar de mim?

Enzo deu um passo à frente, colocando uma mão firme e reconfortante no ombro dela. — Ele não vai te tirar de mim. Enquanto eu estiver aqui, vou fazer o que puder para te proteger.

Alice levantou o olhar, encontrando os olhos castanhos de Enzo. — Então me ajude a fugir.

Enzo encarou os lábios dela, Alice se afastou suavemente do toque dele percebendo a situação, e antes que ele pudesse responder, ambos ouviram um barulho abafado vindo do andar de baixo. Enzo franziu o cenho, os sentidos imediatamente alertas.

— O que foi isso? — Alice perguntou, a voz baixa.

Enzo colocou um dedo sobre os lábios, pedindo silêncio. Ele caminhou até a porta e encostou o ouvido, tentando captar algo. O silêncio foi quebrado por passos pesados e vozes abafadas, algo que ele não esperava ouvir àquela hora da noite.

— Fique aqui. Não saia por nada — ele sussurrou, virando-se para Alice.

— O que está acontecendo? — Ela segurou o braço dele, o olhar cheio de preocupação.

— Não sei, mas vou descobrir.

Antes que Alice pudesse protestar, ele abriu a porta e desapareceu na escuridão do corredor.

Alice ficou sozinha novamente, o coração batendo rápido. Ela sabia que algo estava errado. A mansão Moretti, com todos os seus segredos, nunca era completamente silenciosa, mas havia algo diferente naquela noite. Algo que fazia os pelos de sua nuca se arrepiarem.

E algo dizia que, dessa vez, o perigo não vinha de dentro da mansão.

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