Alice Moretti

As manhãs na mansão Moretti começavam antes do amanhecer, com o som abafado de passos apressados e ordens sendo sussurradas pelos corredores. Para Alice, cada dia era uma batalha silenciosa.

Desde que se entendia por gente, ela sabia que não era bem-vinda ali. Crescera ouvindo os sussurros das criadas sobre a noite em que foi deixada na porta da mansão. Em como foi abandonada provavelmente pela mãe, sem um nome, apenas com um cobertor fino e um broche antigo, ela fora encontrada por um dos funcionários, o único ali que foi seu amigo, o pobre jardineiro tinha muito carinho por ela, mas, essa amizade fez com que a sua madrasta convencesse o marido que o jardineiro tinha que ser dispensado, e como ela sempre conseguia tudo, assim foi feito.

— Uma criança indesejada. — Era assim que a madrasta sempre se referia a ela, o veneno pingando de cada palavra, mas, isso não era nenhum novidade, Isadora a odiava com todas as forças e isso ela não fazia questão de esconder.

Aos seus 20 anos, Alice carregava as marcas invisíveis de uma vida de rejeição. Embora ninguém dissesse diretamente, ela sabia que era filha de Michael Moretti, o chefe da máfia local. Ele nunca admitira isso, mas o jeito como evitava olhá-la ou como desviava o assunto quando perguntavam sobre ela, dizia mais do que qualquer palavra.

Naquela manhã Alice começou o dia como sempre fazia, limpando o salão principal antes que a família acordasse. O piso de mármore reluzia sob o brilho suave dos lustres, e ela se movia com agilidade, limpando cada canto.

Enquanto arrumava a mesa para o café da manhã, a governanta, uma mulher severa chamada Letícia, entrou na sala.

— Apresse-se, menina. Não temos o dia inteiro. — O tom era frio, quase mecânico.

Alice não respondeu, apenas acelerou o ritmo. Falar de mais ou de menos sempre lhe trazia problemas, então aprendeu que calada sempre a livraria das punições, mesmo que os seus serviços não fossem indispensáveis, tanto na casa, quanto fora de lá.

Ainda que Alice tivesse sangue de um Moretti nas veias, era uma mera serviçal dentro e fora da mansão, Michael a usava para os seus negócios, e sempre deixou claro, que ninguém poderia saber quem ela era; Alice apenas obedecia, já que a única vez que tentou fugir passou uma semana presa no porão, sem comida e apenas uma garrafa com água, sabia que se tentasse novamente o castigo seria pior.

Quando Michael desceu para a sala de jantar, Alice já estava servindo o café. Ele lançou um olhar rápido em sua direção, como se reconhecesse algo nela, mas logo desviou, concentrando-se nos documentos que carregava.

Era inevitável, Alice era dona de uma beleza natural, tão parecida com a mulher que ele amou, mas, tudo ficou para trás, o seu amor se transformou em ódio e rancor, no mesmo dia que Alice foi deixada na sua porta, e Alice pagava por isso, ela era a lembrança viva do abandono.

— Michael, precisamos falar sobre a festa da nossa princesa. — A voz da madrasta soou alta e irritada, interrompendo o silêncio.

Alice permaneceu imóvel, tentando se tornar invisível. Sabia que qualquer erro, por menor que fosse, seria usado contra ela, então ela saiu, os deixando a sós.

Ao final do dia, Alice voltou ao seu quarto, o cômodo diferente dos outros era composto apenas por uma cama, um guarda-roupa e uma penteadeira, ali era o único lugar onde ela podia respirar sem sentir os olhos julgadores da madrasta ou dos empregados.

O espaço era pequeno, tão diferente da mansão luxuosa, ainda assim, Alice estava grata ao menos por ter um teto, mesmo que odiasse aquele lugar e aquelas pessoas, um dia ela conseguiria a sua liberdade.

Ela caminhou até a penteadeira e sentou-se, escovou os cabelos castanhos avermelhados e olhou para o centro, lá estava o broche que foi deixado com ela quando a encontraram. A peça de prata, delicadamente esculpida, era a única conexão que tinha com o passado. Ela o segurou por um momento, estudando os detalhes desgastados pelo tempo. Quem o colocara nela? Quem fora sua mãe? Essas perguntas a perseguiam, especialmente nas noites solitárias.

Ela suspirou, colocando o broche nos longos cabelos, antes de abrir um dos livros antigos que havia encontrado na mansão. Ler era sua única fuga, imaginar uma vida simples fora dos muros que a fazia prisioneira de certa forma, uma vida sem precisar ser refém do seu próprio pai.

Alice fechou os olhos e se imaginou numa casa de frente para o mar, a brisa bagunçando os seus cabelos, o ar preenchendo os seus pulmões, a água salgada molhando os seus pés, mas tudo não passava de um desejo, algo que se quer Alice estava perto de alcançar.

Levantando da cadeira, ela retirou o broche e se preparou para dormir, o dia seguinte seria tão longo quantos os outros.

Na manhã seguinte, enquanto Alice limpava os corredores, ouviu os passos apressados da madrasta. Antes que pudesse evitar, a mulher surgiu à sua frente, com os olhos faiscando de raiva.

— Você deixou poeira no salão principal. — A acusação veio sem aviso.

— Eu limpei, senhora. — Alice respondeu, mantendo o tom calmo.

— Está me chamando de mentirosa? — A voz subiu, ecoando pelo corredor, seguido pelo barulho de um tapa forte.

Alice levou a mão ao rosto, onde certamente estava avermelhado pela bofetada, ela sabia que não importava o que dissesse, a madrasta sempre encontraria uma desculpa para puni-la.

— Não, senhora. Vou limpar novamente. — Ela disse, baixando os olhos para evitar o confronto direto.

A mulher riu, um som frio e cortante.

— Isso mesmo. Lembre-se de que você está aqui por caridade. Você deveria ser grata.

Alice manteve a cabeça baixa, mas por dentro, sentia a raiva crescendo. “Grata?”, pensou, com amargura. Grata por uma vida de servidão? Por ser tratada como um erro? Pelo que exatamente eu deveria ser grata?

Ela apertou os punhos, prometendo a si mesma que um dia sairia dali.

Naquela noite, Alice saiu para o jardim, buscando um momento de paz. As estrelas estavam escondidas por nuvens pesadas, e o vento frio fazia os galhos das árvores balançarem.

Ela caminhou até o portão, os olhos fixos na estrada deserta além dos muros altos. Era ali, naquele ponto, que sua vida havia começado.

— Um dia, eu vou sair daqui. — Ela murmurou para si mesma, com a voz carregada de determinação.

Alice sabia que sua vida não seria definida pela rejeição ou pelo ódio que enfrentava na mansão. Ela era mais forte do que isso. E, quando a oportunidade surgisse, ela a agarraria com todas as forças, mesmo que fosse pega novamente, ao menos teria tentado, poderia aguentar uma semana de fome e sede, mas, somente se fosse pega e ela tentaria não ser.

Enquanto retornava ao seu quarto, sentiu o peso do abandono da sua mãe, como um lembrete silencioso de que seu passado era um mistério a ser desvendado, ou talvez fosse melhor só se conformar e ponto.

E, no silêncio da mansão, Alice Moretti jurou que um dia todos saberiam quem ela era e o que era obrigada a fazer.

Alice Moretti - 20 anos

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Comments

Dione Lopes

Dione Lopes

Linda uma princesa que merece ser amada e feliz, esse nojento pai dela merece sofrer por tratar a filha desse jeito.

2025-04-04

0

Vicki Hungria

Vicki Hungria

Grata?? Ah que?? Porque ser você ta falando de ser um capacho de vocês desculpas " querida "... Isso, não é, ser grata pelo contrário e sim um castigo😮‍💨

2025-03-22

0

Edlene Gonçalves

Edlene Gonçalves

Um dia de choro e sofrimento, mas uma hora a vitória vem.

2025-04-24

1

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Atualizado até capítulo 62

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