A última visita

Era uma noite silenciosa e abafada.

A casa, onde eu estava hospedado por causa de um trabalho de última hora, parecia engolida por um silêncio pesado, do tipo que se arrasta pelos cantos e gruda na pele.

As paredes respiravam de maneira irregular, como se a casa estivesse viva  e cansada.

O quarto era pequeno, mas confortável.

Uma cama grande e simples dominava o centro, com um cobertor grosso jogado de qualquer jeito sobre ela.

As cortinas, de veludo escuro, estavam sempre fechadas, tornando o ar ainda mais abafado.

A única janela dava para o jardim vazio, bem cuidado, mas com uma estranha sensação de ausência.

Como se algo tivesse sido retirado dali.

Na primeira noite, não dei importância.

O trabalho me deixara exausto, e o sono me derrubou assim que toquei o travesseiro.

Mas na segunda noite, algo mudou.

Eu estava acordado, e meus olhos não conseguiam se afastar da janela.

Sentia-me observado.

Não era uma sensação comum, era como se o ar me olhasse de volta.

Um arrepio subiu pela espinha, seco e gelado.

Tentei ignorar.

Olhei o relógio.

Tarde da noite.

A casa mergulhada em um silêncio absoluto, exceto pelo som da minha própria respiração irregular, tensa.

Mas eu sabia: algo estava errado.

Fechei os olhos, tentando forçar o sono, mas a sensação não passou.

Quando os abri de novo, ela estava lá.

Uma presença.

Do outro lado da janela.

Levantei, hesitante.

Puxei a cortina.

O estômago deu um salto.

Nada.

Apenas o jardim iluminado pela lua.

Sombras longas, imóveis.

Mas, entre elas, juro que vi algo se mover.

Rápido demais para ser certeza.

Voltei para a cama.

O relógio marcava cada segundo como uma batida no peito.

Eu não estava só.

Podia sentir isso.

Os minutos se arrastaram até parecerem horas.

Então, eu o vi.

Na janela. Uma silhueta.

Não humana, mas familiar.

Suas mãos longas, finas tocavam o vidro como se procurassem uma fresta.

E, de alguma forma, eu sabia: ele me conhecia.

Sabia quem eu era.

Recuei.

O corpo tremia.

Mas uma parte de mim, a mais silenciosa, entendia que aquilo não era delírio.

Na terceira noite, o medo deu lugar à necessidade.

Eu precisava ver.

Levantei devagar, sem barulho, e me aproximei da janela.

O jardim estava mais escuro que nunca.

A figura, mais próxima.

Os olhos  ou o que pareciam olhos, brilhavam em cinza fosco.

Não pareciam reais. Eram névoa, ou lembrança.

Quis gritar, mas o som não saiu.

Ele esperava.

Imóvel.

A sensação era clara: eu não devia estar ali.

Mas também não conseguia me afastar.

O medo tem um poder curioso ele nos prende, não nos afasta.

Aproximei-me e o vidro começou a escurecer. Uma mancha negra se espalhou na superfície, contorcendo-se como se tivesse vida.

As bordas se moviam, formando rostos, sombras, memórias, coisas que não pertenciam àquele mundo.

Fechei a cortina num impulso.

Dei dois passos para trás e respirei fundo.

Não abri mais os olhos naquela noite.

Na manhã seguinte, o sol entrou pelas frestas.

Tudo parecia normal.

O jardim, calmo e vazio.

A casa, em silêncio.

Mas quando me olhei no espelho, algo me gelou o sangue.

O reflexo era meu.

Mas não era.

Os olhos, escuros, profundos, pareciam conter o jardim inteiro lá dentro.

O que me observava agora me habitava.

O vidro da janela estava limpo.

Mas eu sabia.

Lá fora, ele ainda esperava.

Imóvel.

Paciente.

E, no fundo, eu também esperava.

Porque, de algum modo, compreendi:

O próximo passo seria o meu.

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