Observo as ondas revoltas do mar. Estão agitadas, assim como o meu coração, que bate descontroladamente contra o peito. Passei tempo demais em pé. Deito na areia fofa e respiro profundamente, tentando me acalmar. Encaro o céu sem estrelas — elas foram escondidas pelas nuvens. A lua também desapareceu entre elas. A noite, excessivamente escura, reflete o que há dentro de mim, como um espelho.
Fecho os olhos. As palavras do médico se repetem na minha mente, como em um looping:
"A perda auditiva neurossensorial é quase sempre irreversível e progressiva, mas, com o uso do aparelho auditivo e os medicamentos, podemos evitar a perda total da audição e diminuir os sintomas."
Eu estava apavorada e perguntei o que mais temia:
"Eu posso ficar completamente surda, doutor?"
Ele me olhou com compreensão e respondeu:
"É possível. Mas, se seguir o tratamento, pode ser que não chegue a esse ponto. O apoio da família é fundamental. O tratamento depende de você se manter positiva e bem mentalmente."
Minha família… Se pudessem, já teriam me anulado da vida deles. Ainda me lembro quando meu pai descobriu o diagnóstico do médico.
"Surda? Você vai ficar surda? Como eu posso ter uma filha tão fraca e inútil?"
Ele disse aquilo como se eu fosse o ser mais desprezível do mundo. Mas eu não era inútil. Era uma das melhores alunas da escola, sempre em primeiro lugar nas disciplinas. Sempre fui boa em tudo o que fazia — cantar, desenhar, tocar instrumentos. Falo dois idiomas além do português.
Ele continuou, sem se importar se me feria ou não:
"Além de ficar desmaiando por aí, também vai ficar surda? Não quero que ninguém saiba sobre isso. Se entupa de remédios, faça o que for preciso, mas não deixe ninguém saber! O que os meus amigos e sócios vão pensar? Eu planejava casar você com o filho dos Hernandez, e agora?"
Olhei para ele, perplexa. Ele queria me casar com aquele garoto mimado? Aquele que nem sabe respeitar uma mulher? Como ele pode ser um bom marido?
"Bom, agora não importa. Tudo o que você precisa fazer é não deixar que ninguém descubra sobre as suas doenças. Me ouviu? Não seja mais um incômodo nem atrapalhe os meus negócios!"
Ele disse e saiu, batendo a porta.
Abro os olhos. Estou de volta à praia. Um raio corta o céu, anunciando a tempestade que virá. Não havia previsão para tempestades nessa época, mas, de repente, uma onda de frio mudou de rota.
Enxugo as lágrimas que banham meu rosto e caminho de volta para o hotel. Minha família tem uma casa de praia aqui perto, mas eu não sou digna de estar entre eles. Todos os anos, eles fazem uma festa luxuosa e feliz, convidam amigos e sócios — pessoas importantes, pessoas que não podem descobrir quem eu sou de verdade.
Cresci com minha avó materna, mas há dois anos descobrimos que ela tinha Alzheimer, e tivemos que interná-la numa casa de repouso. Eu ainda a visito sempre que posso, mas tive que ir morar com meu pai. Nós duas passávamos os finais de ano juntas, cantando músicas de Natal e fazendo a contagem regressiva para o novo ano. Agora, passo os finais de ano sozinha, num quarto de hotel. Segundo meu pai, se eu ficar com eles, alguém pode descobrir que eu sou 'doente e fraca'. Ainda assim, preciso aparecer de vez em quando, para não parecer estranho.
Caminho para dentro. O hall está vazio — já passa da meia-noite. Coloco as mãos no bolso do moletom preto e sigo em direção ao elevador. No caminho, alguém esbarra em mim. É um garoto, talvez um pouco mais velho que eu. Tem o cabelo loiro, quase ruivo, caído em volta do rosto. Os olhos são castanho-claro-esverdeados, como uma fruta começando a amadurecer.
Ele tem pintinhas salpicadas pelo rosto. São claras, quase invisíveis de longe, exceto as que ficam no canto do olho esquerdo e do lado direito do nariz — essas são maiores e mais escuras. Ele veste um conjunto de moletom branco, com a frase “Good Boy” em letras douradas. A roupa só destaca sua beleza. Em contraste com o cabelo e os olhos, ele parece brilhar.
Ainda encantada com sua aparência, ouço sua voz suave e gentil:
"Desculpe-me. Se machucou?"
Ele estende a mão. Eu a pego e me levanto rápido demais. Sinto meu coração acelerar. Uma tontura me invade e encosto nele para me apoiar. Ouço sua voz novamente:
"Você está bem?"
Ele parece preocupado. Sei que vou desmaiar, então digo:
"Vou desmaiar… coloque-me deitada. Não precisa chamar a ambu…"
Antes de terminar a frase, sou abraçada pela escuridão.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Vera Lúcia Vieira
estou gostando parabéns pelo trabalho emocionante
2025-04-04
1
Elaine Maria
Está história é incrível, 😃
2025-01-21
1
Yukishiro Enishi
Esta história é incrível, só falta atualização! 😌
2025-01-01
1