Capítulo 03 - Vermelho Burlesco

A boate Mambo Five era um dos pontos mais famosos da cidade, conhecida pelos diversos ambientes com música ao vivo e apresentações de estilo burlesco, onde Sophie, sua melhor amiga, brilhava como uma das estrelas. Era um lugar vibrante e badalado, atraindo uma mistura de pessoas de todos os cantos e estilos de vida, todos em busca de diversão e escapismo.

Mesmo estando relativamente vazia devido ao horário, a movimentação interna era intensa, com funcionários indo e vindo em preparação para a noite. Kyera cumprimentou cada colega com familiaridade enquanto atravessava o salão a caminho do bar. A equipe da boate era como uma segunda família para ela, criando um senso de pertencimento que a fazia se sentir em casa.

Do escritório no andar superior, Philipp Novac, o dono da casa, observava tudo com um olhar atento. Ele acenou para Kyera com um sorriso, um gesto rotineiro entre eles, que ela prontamente retribuiu. No entanto, o olhar de desaprovação de Liliane Gonzales, a namorada de Philipp, não passou despercebido. A morena latina deslumbrante nunca ocultou seu ciúme da amizade próxima entre Kyera e Philipp. O desconforto de Liliane era palpável, mas Kyera não podia evitar o afeto fraternal que sentia por Philipp.

— Oi, bebê! – a voz alegre de Sophie interrompeu seus pensamentos. Ela se aproximou do bar com um sorriso largo, e Kyera sorriu de volta, enquanto ajustava o avental por cima do uniforme padrão da boate: calça social preta, camisa branca de botões, suspensórios e gravata borboleta.

— Oi, Sophie! Você está maravilhosa hoje. – disse Kyera, admirando o visual ousado da amiga, que usava uma peruca rosa sobre seus cabelos loiros naturais, adicionando um toque vibrante ao seu look.

Sophie deu uma ajeitada no traje preto coberto de lantejoulas, complementado por meias arrastão e sapatos de salto prateados.

— Gostou? Comprei com a verba do clube. – Sophie respondeu, com um brilho travesso nos olhos.

Kyera imediatamente a repreendeu com uma expressão de leve reprovação.

— De novo, Sophie? – exclamou Kyera, com um suspiro. – Você sabe que o Philipp vai surtar quando descobrir que você comprou mais um traje com o dinheiro para as melhorias das apresentações.

Sophie deu de ombros, despreocupada.

— Ah, ele vai brigar um pouco, como sempre faz, mas no fim concordará que o investimento valeu a pena. – Ela piscou, sorrindo. – Além disso, esse traje novo definitivamente melhora o meu número.

Kyera riu, conhecendo bem o jeito despreocupado e encantador de Sophie, que sempre conseguia contornar as excentricidades de Philipp.

De repente, o rosto de Sophie ficou sério.

— Kye, eu vi o Lews mais cedo rondando a entrada do clube. Acho que ele estava te esperando – disse, enquanto enfiava a mão num pote de amendoins. – Eu o mandei embora, mas tenho a sensação de que ele pode voltar.

O nome de Lews fez um arrepio percorrer a espinha de Kyera. A lembrança da humilhação que ele a fizera passar ainda era viva. Desde que ela pôs um fim no relacionamento, Lews não aceitava a rejeição. Ele passou a segui-la, aparecendo onde quer que ela estivesse – nas corridas clandestinas, no trabalho, e até no prédio onde morava. Embora nunca tivesse se tornado uma ameaça real, sua presença era incômoda e constante.

— Espero que ele não tenha coragem de aparecer hoje. – suspirou Kyera, tentando afastar o desconforto crescente.

Sophie apertou suas mãos, transmitindo conforto com o toque.

— Não se preocupe, eu pedi ao Hugo para ficar de olho. Ele não vai deixar nada acontecer. – garantiu ela, sorrindo para Kyera.

Agradecida, Kyera a abraçou. Elas ficaram assim por um momento, compartilhando o apoio e a amizade de sempre, até que a voz de Philipp chamou por Sophie do outro lado do salão.

— É melhor eu ir antes que o chefe me alcance. – Sophie disse, pulando do banco com uma risada.

Kyera riu, dando um leve tapa na mão de Sophie quando ela tentou pegar mais amendoins. Sophie fez uma careta brincalhona, mostrou a língua e correu em direção ao camarim.

As horas passaram rapidamente, e Philipp decidiu abrir as portas da Mambo Five meia hora mais cedo, já que uma fila crescente se formava do lado de fora, algo comum nas noites de sexta-feira. Assim que as portas se abriram, o clube logo se encheu. O DJ contratado embalava a multidão com batidas animadas, e o público, tomado pela energia das músicas populares, logo tomou a pista de dança.

Kyera se concentrou no bar, preparando drinques e servindo os clientes que se aglomeravam ao seu redor. Ela mergulhou no trabalho, permitindo que a vibração contagiante da noite afastasse seus pensamentos inquietos sobre Lews. Havia algo de reconfortante na rotina intensa de bartender, em manter as mãos ocupadas e os ouvidos sintonizados com as conversas e risadas ao redor.

Cerca de uma hora após a abertura, o espetáculo burlesco teve início no palco principal. Os frequentadores mais assíduos deixaram a pista de dança e se dirigiram às mesas próximas ao palco, prontos para assistir ao show das dançarinas. A apresentação mais esperada da noite, como de costume, era a de Sophie. Ela era a estrela, seja no pole dance ou interpretando canções de divas famosas, sempre roubava a cena com seu talento e carisma.

Enquanto Kyera organizava os pedidos no bar, um cliente familiar se aproximou do balcão: Moe Harrison. Ele era uma figura imponente, já na casa dos sessenta, sempre ostentando riqueza e acompanhado por jovens atraentes. Como de costume, Moe estava ao lado de uma mulher muito mais jovem, alguém que parecia ter idade suficiente para ser sua neta. Era raro vê-lo sem companhia, e, quando aparecia sozinho, não demorava a sair acompanhado.

— O de sempre, Moe? – perguntou Kyera, sem levantar os olhos enquanto preparava o pedido antes mesmo que ele respondesse.

Moe deu um sorriso satisfeito, claramente confortável com a familiaridade que os anos de frequência ao clube haviam construído entre eles.

— Claro, querida. Você me conhece bem demais. – respondeu ele, com seu tom galanteador de sempre.

Kyera preparou as bebidas conforme os pedidos, incluindo um Cosmopolitan sem açúcar e com muito limão para a acompanhante de Moe. Ela fez uma careta discreta ao testemunhar o beijo exagerado que a garota deu em Moe, uma cena que sempre lhe causava repulsa.

— Eca! – murmurou para si mesma, com um toque de diversão.

A noite avançou sem grandes problemas, e Kyera se concentrou no trabalho, distraída pela energia vibrante da boate. Foi então que, de repente, ela sentiu um arrepio quando seus olhos se encontraram com os de Lews, do outro lado do balcão. Seu sangue gelou. Ele estava ali, a encarando com o mesmo olhar desafiador de sempre.

— Gata de fogo!

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