PEQUENOS CONFLITOS

Narradora em ação:

A mesa estava farta, o jantar na residência dos Stuart era pontualmente servido às 23h, diferente da rotina de outras famílias; para eles, era um hábito passado de geração em geração. Alexandre, o cabeça da casa e da família, estava em seu assento frontal, sua esposa Lily estava do outro lado da mesa. Do lado direito, estavam Eloise, Emily e Emilio, do lado esquerdo, os assentos ainda estavam vazios, pois Erick e Enrico até então não haviam chegado.

Lily, a dama da família Stuart, parecia um pouco tensa, encarando copiosamente o relógio de parede que estava pousado no canto da vasta sala de jantar. O tique-taque rítmico do relógio parecia amplificar o silêncio que pairava no ar, e a preocupação estampada no rosto de Lily não passava ilesa. Após alguns minutos depois do início da refeição, Erick se adentra em casa. Lily, sua mãe, se levanta do assento da mesa e vai em direção a ele.

— Finalmente você chegou, onde estava? — A voz de Lily saiu urgente, enquanto suas mãos checavam os ombros do filho, como se precisasse sentir que ele estava realmente ali.

— Está tudo bem, mãe — Erick respondeu, evitando o olhar ansioso da mãe, enquanto se dirigia ao quarto. — Só estava com o Enrico e alguns amigos no parque. Não precisa se preocupar.

A desculpa foi rápida, e o jovem se apressou para escapar das perguntas, já começando a tirar a camisa, ansioso para tomar um banho e se esconder por mais alguns minutos.

— Pois não demore para jantar, seu pai já está à mesa — Lily falou, agora com uma voz mais baixa, mas ainda carregada de uma preocupação que não passava despercebida.

Erick acenou com a cabeça, a promessa de que logo voltaria para jantar era quase uma formalidade. Na sala de jantar, o restante da família continuava mergulhado em um silêncio opressor. Alexandre, desapontado e furioso, descontava sua frustração nos talheres de ouro, arranhando a porcelana fina com movimentos bruscos. Cada ruído parecia cortar o ar como um aviso de que a paz ali era frágil.

— Pai, está tudo bem, o senhor precisa relaxar — Eloise, sempre a voz da razão, tentou apaziguar o clima, sua voz soando quase como um pedido.

Lily voltou à mesa, sua mão trêmula pousando nos ombros tensos do marido.

— Ele já vai descer, querido. Está tudo bem — sussurrou, como se tentasse convencer a si mesma tanto quanto a ele.

Mas Alexandre não se deu por satisfeito. Seus olhos escuros faiscavam com desconfiança, e seu tom, quando falou, era carregado de uma frieza que fez Lily recuar um passo.

— Onde é que ele estava? — Sua voz coberta por um tom rude cortou o clima como se fosse uma lâmina afiada.

Antes que Lily pudesse responder, Emilio se intrometeu, tentando defender o irmão.

— Ele estava estudando, pai. Erick não faz outra coisa a não ser isso.

A tentativa de Emilio foi ignorada com um silêncio severo. Emily, com a inocência de seus poucos anos, cochichou para Eloise  de forma travessa:

— Ou talvez ele tenha uma namorada...

Eloise arregalou os olhos, dando um rápido "psiu" para a irmã mais nova, tentando evitar qualquer comentário que pudesse piorar a situação.

Lily, engolindo em seco, respondeu o que lhe foi perguntado, agora com a voz trêmula:

— Ele estava com amigos e o Enrico... nada de mais.

Mas Alexandre já havia perdido a paciência. Levantou-se abruptamente, sua cadeira rangendo com o movimento áspero.

— Eu já terminei — disse, a voz cheia de desdém. — Com licença.

Sem esperar por qualquer reação, ele caminhou em direção ao quarto de Erick, o som de seus passos ecoando pela casa, como se cada um carregasse a culpa de sua frustração.

Erick mal teve tempo de terminar o banho quando seu pai entrou no quarto, sem bater. Enrolado apenas em uma toalha, ele se virou surpreso.

— Pai? O senhor está aqui... — A voz de Erick saiu hesitante, enquanto seus olhos percorriam o semblante tenso do pai.

Alexandre ignorou o filho por um momento, os olhos correndo pelas medalhas de honra que brilhavam na cômoda de Erick, como símbolos de uma perfeição que ele exigia de todos ao seu redor.

— Bonitas medalhas... — murmurou, quase para si mesmo, antes de se virar para encarar o filho com o olhar frio e desapontado.

— Você sempre foi bom em tudo o que fez, não é, Erick? — A voz de Alexandre finalmente quebrou o silêncio, calma, porém pesada. — Essas medalhas... todas elas são provas de que você pode ser o melhor.

Erick sentiu a pressão de uma expectativa que há muito tempo o sufocava. Não era a primeira vez que o pai o encarava daquela maneira, e ele sabia o que estava por vir. Tentando parecer calmo, Erick puxou a toalha com mais força em torno de seu corpo, mas no fundo, seu coração batia mais rápido.

Alexandre deu mais alguns passos dentro do quarto, como se estivesse tomando o controle do espaço, dominando o ambiente apenas com sua presença. Ele olhou novamente para as medalhas, passando a ponta dos dedos por elas, sem tirar os olhos das inscrições gravadas em ouro. Havia um orgulho silencioso em seu gesto, mas também algo mais profundo, quase obsessivo.

— No colégio, você tem que ser o número um. Sempre. — Alexandre avançou ainda mais, pousando sua mão firme no ombro de Erick, que agora sentia o aperto forte.

— Nada menos do que isso será aceitável. Não podemos nos dar ao luxo de ser medianos. Você precisa dar tudo de si, cada segundo, cada esforço. Ser o melhor em tudo que faz... é a única maneira de honrar essa família.

O peso daquela conversa parecia esmagar Erick. Ele sabia que o pai não aceitava falhas, e essa cobrança constante o deixava sem fôlego. Mesmo assim, ele murmurou:

— Entendo, pai. — Eu vou sempre ser o melhor.

Mas, por dentro, Erick sentia o peso da perfeição cada vez mais forte. Ele sabia que precisava ser impecável, mesmo que isso significasse sacrificar partes de si.

Poucos minutos depois da conversa incessante entre Alexandre e Erick, Enrico havia voltado para casa.

A relação entre Alexandre e Enrico não era uma das melhores, enquanto Erick ouvia tudo e consentia calado, Enrico retrucava e respondia ao pai com a mesma firmeza e tom rude nas palavras.

Alexandre desceu as escadas em direção à sala de estar, onde Enrico acabava de entrar. O ambiente era diferente daquele que havia deixado no jantar. Havia uma tensão acumulada no ar, densa e quase palpável, como se a discussão entre pai e filho fosse inevitável.

Enrico jogou a jaqueta de couro no sofá, sem se preocupar com a ordem das coisas, um gesto que sempre irritava Alexandre. Enrico olhou para o pai, percebendo o olhar severo que o seguia. Sem hesitar, ele iniciou a conversa, num tom que misturava cansaço e desafio.

— Quer começar agora ou vai esperar eu me sentar? — disse Enrico, os olhos fixos nos de Alexandre.

Alexandre estreitou os olhos, mas manteve a calma. Ele sabia que Enrico não era como Erick. As palavras que usava com o filho mais velho nunca funcionariam com o filho do meio.

— Onde você estava? — A voz de Alexandre saiu fria, quase mecânica.

Enrico cruzou os braços, não se incomodando em suavizar a resposta.

— Com amigos. Não é da sua conta.

Alexandre deu um passo à frente, seu semblante endurecendo.

— Tudo o que acontece com você é da minha conta, Enrico. Essa atitude irresponsável, essa sua rebeldia… — ele fez uma pausa, como se as palavras certas lhe escapassem — você está jogando fora tudo o que poderia ser!

Enrico sorriu, um sorriso cínico, e deu um passo em direção ao pai.

— Eu não sou o Erick, pai. Nunca serei. Não quero ser o seu "campeão", o filho perfeito, que você molda e controla como se fosse uma marionete.

Alexandre, sentindo o sangue ferver, apontou o dedo para o filho, interrompendo-o.

— Isso não é sobre ser perfeito, Enrico! É sobre responsabilidade, honra, sobre dar continuidade ao legado desta família! Enquanto você está aí, se escondendo atrás dessas desculpas baratas, o mundo não vai esperar por você. Eu não vou esperar por você!

— Eu não preciso que você espere por mim, eu não lhe pedi para me tirar daquele maldito orfanato — Enrico gritou, com a voz cheia de ressentimento. — E só fez porque a mamãe insistiu. Se dependesse de você, eu ainda estaria lá, esquecido.

Do outro lado, Lily, que estava perto da porta, levou a mão à boca e com os olhos cheios de lágrimas. Ela sabia que essa briga era inevitável, mas ouvir aquelas palavras machucava sem tamanho cabimento.

Erick, estava agachado, ainda sem roupas, na porta do quarto enquanto escutava tudo.

Ao escutar a discussão e perceber o tumulto que aquilo estava causando, Eloise convidou Emily e Emilio para dar um passeio no jardim, na tentativa de proteger as crianças daquela guerra travada.

— Alguém a fim de contar vagalumes? — Eloise falou, enquanto segurava a mão de Emily, puxando-a para ir.

— Eu quero — Emilio gritou do lado, se prontificando para ir também.

Enquanto a mansão Stuart voltava lentamente à calmaria após a discussão entre seu pai e Enrico, Erick se pegou pensando em algo completamente diferente. Não era sobre a briga, nem sobre as exigências do pai, mas sobre Alicia. A pergunta que ele tinha feito para ela no jogo da garrafa ainda ecoava em sua cabeça.

Ele conhecia Alicia há muito tempo, mas a relação entre eles nunca tinha ido além de cumprimentos formais, como um "bom dia" ou "boa tarde" quando eram mais novos. Naquela noite, no entanto, algo parecia diferente. Talvez fosse o jeito descontraído como ela respondeu à pergunta, ou talvez fosse só o clima do jogo, mas a verdade é que ele agora pensava mais nela do que o habitual.

Erick pegou o telefone e abriu o Instagram. Ele nunca tinha procurado o perfil de Alicia, e ela também não o seguia. Por um momento, ficou olhando para o botão de "seguir", indeciso. Era um gesto tão simples, mas que de repente parecia ter mais importância do que ele esperava. Será que ela notaria? Será que faria diferença?

Suspirando, Erick clicou em "seguir". Deixou o telefone de lado, tentando não pensar muito no que aquilo significava, mas uma parte de si sabia que algo dentro dele havia mudado.

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Comments

Tânia Campos

Tânia Campos

A história é muito boa,
Estou gostando,
Esse pai é um troglodita.

2024-10-29

1

Tânia Campos

Tânia Campos

Que responsabilidade esse pai coloca nos ombros do filho!!!

2024-10-29

1

Tânia Campos

Tânia Campos

Ignorante e arrogante!!

2024-10-29

1

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