Capítulo 3: O Estranho na Névoa

A manhã estava fria, e a névoa densa cobria a pequena vila como um manto silencioso. Herla caminhava pelas ruas de terra, seus pensamentos imersos na solidão de sua perda mágica. Desde que despertara, ela se sentia deslocada, incompleta, como se parte de sua essência tivesse sido arrancada.

Foi durante esse devaneio que ela notou um estranho. Uma figura alta, envolta em um manto escuro, caminhava pela trilha da floresta em sua direção. Ele parecia pertencer a outro mundo, alguém diferente dos aldeões que ela havia observado.

Quando se aproximou, o homem parou, seus olhos escuros analisando Herla com curiosidade. Havia algo nele que despertava a desconfiança de Herla, mas, ao mesmo tempo, uma sensação incômoda de familiaridade.

— Faz tempo que não vejo alguém como você por aqui — disse ele, sua voz carregada de mistério.

Herla estreitou os olhos, tentando disfarçar seu desconforto. Sem magia para protegê-la, ela se sentia vulnerável, mas não demonstraria isso.

— Talvez você esteja olhando nos lugares errados — retrucou ela, seu tom frio e calculado.

O homem sorriu de canto, como se sua resposta o tivesse divertido.

— Pode ser. — Ele deu de ombros, e por um momento, seus olhos encontraram os dela. — Meu nome é Kael.

Ela não respondeu imediatamente, apenas observou. Havia uma tensão no ar, algo subjacente à troca de palavras. Eles estavam medindo um ao outro, como duas feras à espera do primeiro movimento.

3.2. A Revelação do Estômago

Mais tarde naquele dia, Herla e Kael acabaram se encontrando na taverna da vila. O lugar estava movimentado, com aldeões ruidosos aproveitando suas refeições simples. Kael, sentado em um canto isolado, parecia um predador à espreita, calmo e observador. Herla, por outro lado, estava focada em manter sua fachada de indiferença intacta.

No entanto, havia um problema. Ela estava faminta. Desde que havia despertado, sobrevivera comendo algumas frutas encontradas na floresta, e seu estômago estava se tornando uma ameaça iminente ao seu disfarce de maga misteriosa e poderosa.

Enquanto ela se sentava, tentando ignorar o cheiro de comida no ar, seu estômago decidiu traí-la. O ronco que ecoou em seu corpo foi tão alto que parecia um rugido de alguma fera mística prestes a emergir.

Kael, que até então observava as pessoas ao redor com indiferença, ergueu uma sobrancelha e olhou diretamente para Herla, lutando visivelmente para conter um sorriso.

— Parece que você não é a única coisa que está acordando por aqui. — Ele inclinou-se um pouco para frente, a expressão no rosto meio divertida.

Herla congelou, o rosto imperturbável, mas o rubor começando a subir em sua pele pálida entregava o constrangimento. Ela odiava a situação, odiava a fome, odiava aquele maldito ronco que parecia mais alto que qualquer feitiço que já conjurara.

— Estou perfeitamente bem — ela murmurou, tentando manter a dignidade. Mas, antes que pudesse recuperar completamente o controle, seu estômago roncou novamente, desta vez com uma intensidade ainda mais dramática.

Kael soltou uma gargalhada baixa, e apesar de seu humor contido, Herla podia sentir que ele estava se divertindo muito à sua custa.

— Bem, perfeitamente bem não soa como uma descrição precisa agora. — Ele fez um gesto casual para o taverneiro. — Vou pedir algo. Quem sabe queira comer alguma coisa de verdade, por conta da casa.

Herla o encarou, irritada com o tom casual e debochado, mas a realidade era que ela estava realmente faminta. E, para piorar, o cheiro da comida que circulava pelo salão a fazia salivar. Relutante, ela finalmente cedeu.

— Se está insistindo — disse, tentando manter o tom arrogante, mas o efeito foi arruinado por mais um ronco de seu estômago.

Kael balançou a cabeça, ainda rindo baixinho, e chamou o taverneiro, pedindo duas porções da refeição local. Quando a comida finalmente chegou, Herla, apesar de seu desejo de parecer contida, começou a comer com pressa, o que não passou despercebido por Kael.

— Você realmente estava com fome, hein? — Ele comentou, com um sorriso satisfeito.

Herla ergueu o olhar, ainda segurando uma colher, e lançou um olhar afiado para ele.

— Não faça perguntas. Apenas coma.

Kael riu mais uma vez, mas respeitou o pedido. Por um breve momento, o clima pesado que pairava sobre os dois parecia ter se dissipado, e o riso de Kael ofereceu uma estranha sensação de alívio para Herla.

Mas mesmo nesse breve alívio cômico, ela não podia esquecer que Kael era um mistério. E mistérios, na experiência dela, quase sempre significavam problemas.

3.3. A Chegada dos Magos

O sol estava começando a se pôr quando Herla sentiu uma mudança no ar. Havia uma pressão mágica leve, mas familiar, algo que não sentia desde que havia despertado de seu selamento. Ela ergueu os olhos, seus sentidos alertas. Não estava sozinha.

Ao longe, perto do centro da vila, figuras em mantos longos começavam a se reunir. Magos da Academia. A visão dos emblemas prateados bordados nas vestes deles fez seu coração disparar. Eles haviam a encontrado.

“Droga, não posso enfrentar magos sem minha magia,” pensou, o pânico crescendo dentro dela. Se a capturassem agora, selariam sua essência de vez. Precisava sair dali. E rápido.

Ela deu um passo para trás, seus olhos analisando as ruas em busca de uma rota de fuga. Os magos começavam a conversar com os aldeões, e as descrições que faziam claramente correspondiam à sua aparência. Não havia como se esconder por muito tempo.

— Não há tempo — murmurou para si mesma.

3.4. A Fuga Constrangedora

Enquanto caminhava pela lateral de uma das casas, tentando se manter nas sombras, Herla escutou o som de cascos batendo no chão. Kael apareceu à sua vista segurando as rédeas de um cavalo marrom, calmo, como se estivesse aproveitando o fim de um longo dia de viagem.

Sem pensar duas vezes, ela marchou até ele, decidida a sair dali o mais rápido possível.

— Preciso de um cavalo. Agora! — disse ela, em um tom urgente, sem sequer cumprimentá-lo.

Kael ergueu uma sobrancelha, claramente se divertindo com o desespero dela.

— Uau, sem nem um "por favor"? — ele brincou, com o sorriso ladino de sempre.

Herla bufou, sem tempo para lidar com a provocação.

— Não estou pedindo por gentileza. Eu estou mandando. Temos magos atrás de nós! — Ela apontou com a cabeça na direção dos magos, que agora conversavam com alguns aldeões mais distantes.

Kael lançou um olhar casual em direção aos magos, mas seu rosto não mostrou nenhum sinal de preocupação.

— Entendo... — ele murmurou, ainda segurando as rédeas. — Mas como você pretende fugir assim, se você nem sabe montar?

Herla congelou por um instante, o orgulho ferido. Ele estava certo. Ela não sabia montar um cavalo, ao menos, não da forma que seria necessária para uma fuga rápida. Sua experiência sempre envolvia magia para ajudar nesses momentos. Sem ela, estaria perdida.

— Eu... — Herla tentou manter a pose, mas logo soltou um suspiro irritado. — Preciso da sua ajuda.

Kael riu baixinho, claramente satisfeito em vê-la ceder.

— Muito bem, senhorita mandona. Vamos fugir juntos, mas com uma condição — disse ele, já subindo no cavalo com facilidade.

Herla franziu o cenho.

— Que condição?

Ele estendeu a mão para ela, um sorriso malicioso nos lábios.

— Você vai ter que confiar em mim. Vai precisar segurar firme. — Ele bateu com a mão na cintura, indicando o local onde ela deveria se apoiar.

Herla olhou para ele, incrédula. Ela, uma poderosa maga, agora se via obrigada a se agarrar a alguém como Kael. O constrangimento tomava conta dela, mas a urgência da situação a obrigava a agir rapidamente.

— Está brincando comigo? — perguntou

 ela, sua voz carregada de indignação.

— Estou salvando sua pele, isso sim. — Kael deu de ombros. — Ou prefere ficar aqui e explicar aos magos quem você é?

Ela bufou mais uma vez\, mas sabia que não tinha escolha. **Com uma expressão tensa e relutante**\, Herla subiu no cavalo atrás de Kael\, sem jeito. Ele deu um sorriso de canto quando sentiu seu toque leve na cintura.

— Eu disse para segurar firme, Herla. Ou quer cair logo nos primeiros metros?

Herla rangeu os dentes, o rosto esquentando de frustração, e segurou a cintura dele com mais firmeza. O toque a deixou desconfortável, como se cada fibra de seu ser gritasse contra a vulnerabilidade daquele momento.

— Isso vai passar — murmurou para si mesma, tentando se convencer de que era apenas uma questão de sobrevivência.

Com um leve puxão nas rédeas, Kael fez o cavalo disparar pela estrada de terra, deixando a vila para trás em um galope rápido. O som dos cascos do cavalo ecoava pela floresta, abafando os gritos distantes que ela sabia que vinham dos magos.

3.5. Fuga em Meio ao Constrangimento

A fuga foi rápida, mas para Herla, pareceu uma eternidade. Estar fisicamente tão próxima de Kael, sendo obrigada a segurar-se nele para não cair, era uma experiência que ela não estava preparada para enfrentar. Pior ainda era o fato de que ele estava claramente gostando da situação.

— Está confortável aí atrás? — perguntou ele, em tom de provocação, sem virar o rosto.

Herla revirou os olhos, irritada com a situação.

— Apenas continue cavalgando, Kael — disse ela, tentando soar autoritária, mas o desconforto era evidente.

Kael riu, satisfeito.

— Como quiser, chefe.

O cavalo seguiu em alta velocidade pela estrada de terra e depois pelas trilhas sinuosas da floresta, até que, após algumas horas de cavalgada intensa, Kael finalmente diminuiu o ritmo.

O sol já havia sumido no horizonte, e a escuridão da noite começava a cobrir a paisagem. Herla soltou Kael assim que o cavalo começou a andar devagar, afastando-se dele com uma expressão de alívio visível. Sentia-se desconcertada por toda a situação, principalmente por precisar dele para escapar.

— Agora que estamos longe, vai me dizer o que exatamente estamos fugindo? — Kael perguntou, finalmente, enquanto observava o caminho à frente com um olhar mais sério.

Herla não respondeu de imediato. Ela ainda não confiava completamente nele, e não sabia até onde podia revelar seus segredos. Mas sabia que, pelo menos por enquanto, precisaria dele.

— Vamos apenas dizer que tenho... negócios inacabados com a Academia. E eles não querem que eu resolva isso — disse ela, mantendo os detalhes vagos.

Kael assentiu, como se já esperasse essa resposta. Ele não pressionou por mais informações, o que, de certa forma, a deixou aliviada.

— Muito bem. Vou te ajudar, mas vou cobrar um favor depois. — O sorriso de Kael estava de volta, embora seu tom fosse leve.

— E se eu disser que não aceito seus favores? — respondeu Herla, já cansada das provocações.

— Bem, você já está aceitando um agora, não está? — Ele piscou para ela, claramente se divertindo.

Herla bufou, mas não respondeu. Ele estava certo, e isso só a deixava mais irritada. Mas, por enquanto, seguir viagem juntos era a melhor opção.

Ela precisava recuperar sua magia, e com os magos da Academia em seu encalço, ter alguém que conhecia bem os caminhos e não fazia perguntas poderia ser útil.

Com a noite caindo, Kael finalmente parou o cavalo em uma clareira pequena e tranquila. Eles desceram, e Kael soltou o animal para que descansasse enquanto preparavam um acampamento improvisado.

Herla suspirou profundamente, finalmente sentindo o alívio de estar longe da vila e dos magos.

— Isso vai ser... interessante — murmurou ela para si mesma, enquanto observava Kael acender uma pequena fogueira. Ela ainda não sabia o que o futuro traria, mas uma coisa era certa: viajar com Kael seria tudo, menos entediante.

Fim do Capítulo 3

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Comments

Regrater

Regrater

Meu coração está acelerado, preciso saber o que acontece a seguir!

2024-09-25

2

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