Quando o inferno acorda

Essa caminhada no crime me ensinou que tudo na vida tem um começo, um meio... e um foda-se bem grande. Quando chega nessa parte, ao invés de dar uma última chance, eu dou uma corda. Uns usam pra fazer um laço. Outros, se enforcam.

Já faz mais de um mês que esse morro tá afundando. A porra da quebrada virou zona porque tem vagabundo achando que crime é brincadeira. Não é culpa do Samuel — ele tá mais em casa cuidando da mulher grávida do que na boca — mas pelo menos ainda mantém os negócios de pé.

O problema são os filha da puta que se pagam de valentão e na hora do pipoco, viram fantasma. Como o otário agora na minha frente. Tatuagem de palhaço, carpa, caveira, o caralho a quatro. Mas na hora de olhar no meu olho... abaixa a cabeça.

— Os três porquinhos perderam a porra da língua?

Eles se entre olham. Samuel, Gabriel, Bernardo, e o saco de pancadas tão espalhados pela sala. Eu, sentado na minha cadeira de sempre. A boca tá igual quando eu saí. Minha mesa, os maços de cigarro na gaveta — escondidos, como ela pedia. Cada maldito detalhe me lembra ela.

Vai se fuder.

— Satisfação, Alemão — diz o da esquerda, "Bigode", com aquele ar de quem tá pedindo a bênção. Arrombado.

— Satisfação o caralho. Cadê as demanda do trampo?

Explodo, sem um pingo de paciência. E aí… vejo. Aquele olhar. O jeito como os três tremem, se coçam, engolem seco. A denúncia tá estampada na cara.

Eles tão com medo. Medo de mim.

É nesse momento que eu percebo. Eu sou o diabo aqui. Eu posso rasgar, matar, mandar cortar cada um em pedaços — e ninguém vai dizer uma palavra.

A única pessoa que poderia me parar… se foi.

Não sobrou mais nada.

— Deu B.O, eu...

PÁ!

Um disparo. Crânio, sangue, osso, carne. A cabeça do "Bigode" explode contra a parede. Os outros congelam.

— Puta que pariu! — o mais novo se borra.

— Leva os dois. Marca. Depois eu termino essa fita.

Grego entende e tira os restos da vergonha da sala.

— Cara, tu tem que…

— Eu não tenho que porra nenhuma! — corto Samuel antes que ele solte mais um sermão de merda. — Aqui sempre foi assim e vai continuar. Vacilou, vai pedir arrego direto pro capeta.

Ele cala.

Gabriel ainda parece um cadáver de pé. Bernardo, calado. E Gustavo… só aguardando.

— Cadê o computador?

Gabriel, mesmo enfaixado, põe o aparelho na mesa. Gustavo conecta o celular, o vídeo começa a carregar.

— As gravações começam quando colocam ela no quarto — diz Bernardo. — Parece que Parece até que ele planejou isso.

Filho da puta do Arnaldo… desgraçado inteligente. Lucrou em cima do inferno alheio.

— Tinha medo desse cara, ainda bem que já tá morto. Deus é mais. — murmura o saco de pancada.

Mas não foi pelas minhas mãos. E isso me consome. Arnaldo era um desgraçado inteligente, fazia merda na mesma medida que lucrava com elas.

O vídeo começa. Ela deitada. Uma cama de hospital, monitores apitando, perna enfaixada.

O tiro foi na perna. E ninguém me disse porra nenhuma.

Meu estômago vira. Uma enfermeira aparece, mexe nela. Lilliana acorda aos poucos, vomita. Tá assustada. Muito. E então…

Ele entra.

— Finalmente acordou — diz ele. A voz dele. Aquela porra daquela voz nojenta. Sorridente.

Eu queria que ele estivesse vivo. Só pra matar ele. Bem devagar.

A enfermeira menciona… enjoos. Cólicas.

Então:

— Enjoos, tonturas e a cólica forte que está sentindo são reações normais após um aborto espontâneo…

Aborto.

O mundo para.

— Ela disse aborto? — Bernardo pergunta. — Volta essa porra, Gustavo.

Repetem. De novo.

— …após um aborto espontâneo. A senhora perdeu muito sangue…

Um filho. Meu filho.

— Espera. Isso é impossível... — a voz dela diz. Desesperada. Incrédula. Ela também não sabia.

— Para o vídeo — digo, baixo. O eco da minha voz me assusta.

Eu fico imóvel.

A cabeça gira. Gabriel murmura algo. Bernardo fala. Samuel pergunta. Eu não ouço. Não vejo nada. Só penso:

Um filho. Meu. Nosso.

Alguém clica de novo na tecla e o vídeo continua. Ela grita com o pai. Joga exames. Ele insiste que ela perdeu o bebê. Ela nega. Fala dos diagnósticos de infertilidade. Anos ouvindo que não podia. Que não merecia.

Ele destruiu a cabeça dela. A vida dela. A alma dela.

— Tu sabia disso? — grita Bernardo.

— Não.

— Ela não te contou?

— Se tivesse contado, eu não tava parecendo um cadáver olhando essa merda, cacete. — Rebato a pergunta imbecil de Samuel.

Ela não disse, mas eu tinha que ter estranhado a confiança dela, quando eu não usei camisinha. O único que ficou preocupado, não com a possibilidade de ter um filho, mas sim dela ficar grávida, fui eu. Ela parecia calma demais aquele dia.

Puta merda.

Apoio meus dois cotovelos na mesa, passando a mão pelo rosto. Como se isso fosse mandar embora a vontade demoníaca de sair acabando com tudo.

Gustavo acelera um pouco e passa na parte em que a porta é aberta.

— Aí. Para aí. — Bernardo pede. — Nessa hora o Playboy achou eles na mansão. Era pro Arnaldo ter saído do Brasil bem antes disso, mas como ela tinha levado um tiro bem na perna, ele teve que mudar o plano.

— Quem deu o tiro? — Gabriel pergunta e Bernardo aponta pra um magrelo de camisa na tela do computador.

— Márcio. Ele era um dos nossos. — Samuel responde— A gente tem que reforçar essa contenção de quem entra e sai do movimento. Fiquei sabendo de uns crias aí, que ele já tinha ameaçado ela desde o dia que ela chegou na favela. Márcio foi colocado aqui dentro e não foi só ele, deve ter mais.

Gustavo volta o vídeo e assisto em silêncio. Eles invadem o quarto, atiram no velho e fazem ela ver a cena mais suja. Ver ela chorando e não poder fazer nada é o mesmo que enfiar uma faca no meu peito.

O vídeo segue. Arnaldo morto. Ela grita. Tenta fugir, mas não conseguiu, era óbvio que não ia conseguir, uma mulher do tamanho dela contra três vagabundo daqueles… Não tinha como… Eles a puxam O arrombado puxa ela pelo cabelo, coloca ela no chão e os gritos dela aumentam.

E então... o inferno se instala.

Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela.

Ele levantou o vestido e se enfiou dentro dela.

A imagem se repete na minha cabeça como um tambor demoníaco. Cada batida me destrói.

Silêncio absoluto. Bernardo vomita pela janela. Eu não vejo. Eu não escuto. Só vejo sangue. Muito sangue.

Pego a cabeça com as mãos. Respiro. Tento conter o que tá vindo de dentro. Mas é como se minha alma tivesse sido estuprada junto com ela.

Levanto da cadeira.

E tudo dentro de mim morre. Mas algo novo nasce:

Uma vingança que não vai parar até eu ver o último desgraçado agonizar de dor.

Eu vou matar cada um.

Devagar.

Com gosto.

Sem piedade.

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Comments

Leydiane Cristina Aprinio Gonçaves

Leydiane Cristina Aprinio Gonçaves

se foi terrível para eles assistir o vídeo dela sendo e******** imagine para ela que passou por isso na pele eu não achei justo ela ter morrido sem ter a oportunidade de se vingar desses vagabundos cretinos

2024-09-07

3

Geovanna Fernandes

Geovanna Fernandes

tadinha da Lili 😪😭

2024-09-04

1

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